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José Dirceu: “Deixem-me trabalhar em paz”

Estou percorrendo o País, tenho visitado dois, três Estados por mês, com o objetivo de expor minhas idéias sobre o Brasil, o governo, o PAC, sobre a reforma política, sobre a juventude, sobre a necessidade de um plano de investimento nas grandes cidades por parte do governo federal, sobre a integração da América do Sul. Nas palestras e nos debates, tenho falado também sobre a anistia. Eu tenho 40 anos de vida pública, nunca fui processado, nem na época da ditadura. Nunca fui investigado, nunca sofri um inquérito. Acho que tenho o direito de ser julgado, num prazo razoável. Começam a vazar informações de que o Supremo não tem estrutura para julgar o caso com agilidade. Fala-se que vai prescrever em 2017, a 12 anos dos fatos. Como posso ser acusado com a história que eu tenho? Como posso virar bandido do dia para a noite?de José Dirceu, em entrevista a revista Dinheiro. Leia sua íntegra em Reportagens.

José Dirceu: “Deixem-me trabalhar em paz”

José Dirceu: "Deixem-me trabalhar em paz"

Ex-ministro diz que sua atividade como consultor é protegida pelo sigilo profissional e afirma que os críticos tentam lhe impingir um “exílio” profissional

O ex-ministro José Dirceu é avesso a entrevistas e não escondeu seu ressentimento ao receber a Dinheiro, em Brasília, na véspera do 1º de maio. Logo no início da conversa, fez uma peroração contra a mídia e negou-se a comentar os negócios de sua empresa de consultoria, que, ao que se diz, vai de vento em popa e tem como principal cliente o bilionário mexicano Carlos Slim. “Sou amigo de Slim, mas não falo sobre isso. Pergunte aos ministros do Fernando Henrique quanto eles ganham com consultoria.” Trajando uma guayabera, traje típico de Cuba, o ex-ministro confirmou que suas atenções se concentram nos países vizinhos, como Bolívia e Venezuela, e aconselhou os empresários a investirem na região. Sobre suas atividades profissionais, o ex-ministro adianta apenas que está ampliando o escritório de advocacia que mantém em São Paulo. No momento, o caso jurídico que mais toma seu tempo envolve ele mesmo e trata de seu envolvimento com o escândalo do mensalão. “Quero ser julgado pelo STF num prazo razoável. A denúncia contra mim é inconsistente”, diz ele. Leia a seguir a íntegra da entrevista do ex-ministro José Dirceu.

DINHEIRO – Como vai sua empresa de consultoria?
JOSÉ DIRCEU –
Se o tema é esse, não há entrevista. Não falo sobre esse assunto. Meu trabalho de consultor é protegido pelo sigilo profissional. Parece até que vocês da imprensa querem me impedir de trabalhar. Contam muita mentira a meu respeito e querem me impor um novo exílio. Deixem-me trabalhar em paz.

DINHEIRO – Dizem que o sr. estaria ganhando mais de R$ 150 mil por mês.
DIRCEU –
É mentira da imprensa. Já disseram até que eu fiz plástica e uso botox. Só querem me atingir. Eu sou o alvo. Por que ninguém pergunta ao Fernando Henrique e aos ministros dele quanto ganham com consultoria. Por que não perguntam quem paga os jatinhos que eles usam? O engraçado é que, quando faço palestras pelo País, perguntam-me sobre tudo, menos sobre minha vida pessoal e profissional.

DINHEIRO – Caso o sr. consiga a anistia, seu plano é retomar a carreira política em 2010?
DIRCEU –
Meu único plano é ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Fui acusado, numa denúncia do procurador-geral da República, de ser chefe de uma quadrilha. Quero ser julgado. Quero que o Supremo aprecie a denúncia dentro de um prazo razoável. A denúncia já fez mais de um ano.

DINHEIRO – O sr. acha que a denúncia é inconsistente?
DIRCEU –
A acusação contra o senador Aloizio Mercadante é um exemplo. A Polícia Federal o acusou, sem provas, de ser responsável pelo dossiê anti-Serra. Só que não tinham provas, indícios, nada. Nenhuma conexão, nenhuma materialidade. Então, o procurador geral da República solicitou o arquivamento e o STF arquivou. Eu vou solicitar, através de meus advogados, o mesmo.

DINHEIRO – O pedido de anistia na Câmara depende da decisão do STF?
DIRCEU –
Em tese não depende porque a anistia é um ato soberano da Câmara, como foi a cassação, que também não está sob apreciação judicial. Mas eu entrei com uma ação para tentar anular a sessão da Câmara, porque, no meu entendimento, o Conselho de Ética e o relator não obedeceram à decisão do Supremo Tribunal Federal. Não foi refeito o relatório, não foi votado de novo. Aliás, o relatório nem foi lido pelo relator, o relator fez um discurso, o que é uma ilegalidade flagrante. Mas neste momento, a minha prioridade não é a anistia. É o Supremo.

DINHEIRO – Mas o sr. está em campanha pela anistia.
DIRCEU –
Estou percorrendo o País, tenho visitado dois, três Estados por mês, com o objetivo de expor minhas idéias sobre o Brasil, o governo, o PAC, sobre a reforma política, sobre a juventude, sobre a necessidade de um plano de investimento nas grandes cidades por parte do governo federal, sobre a integração da América do Sul. Nas palestras e nos debates, tenho falado também sobre a anistia. Eu tenho 40 anos de vida pública, nunca fui processado, nem na época da ditadura. Nunca fui investigado, nunca sofri um inquérito. Acho que tenho o direito de ser julgado, num prazo razoável. Começam a vazar informações de que o Supremo não tem estrutura para julgar o caso com agilidade. Fala-se que vai prescrever em 2017, a 12 anos dos fatos. Como posso ser acusado com a história que eu tenho? Como posso virar bandido do dia para a noite?

DINHEIRO – O sr. se diz perseguido pela imprensa. Por que haveria prevenção contra o sr.? Por ser de esquerda?
DIRCEU –
Não acho que aconteça pelo fato de eu ser de esquerda. A oposição queria me tirar do governo. O caso Waldomiro Diniz, em minha opinião, representou um rompimento democrático da Constituição de 1988. O discurso da oposição, que não conseguia se opor ao governo – como não consegue hoje porque não tem proposta e não tem bandeira –, é autoritário. A oposição decidiu desestabilizar o governo e atacar o PT. Ora, se o problema é caixa dois, houve a planilha do Bresser em 1998. Também houve a cobrança da corretora Casa Branca, que não foi declarada para a Justiça Eleitoral na campanha de 2002 do PSDB. Na verdade, o caso Waldomiro foi uma tentativa de desestabilizar o governo e atingir o PT. Eu representava o PT. É desagradável eu falar isso, mas já é história do País.

DINHEIRO – A anistia é viável?
DIRCEU –
Ela é de justiça. Se é viável, vai depender da compreensão da Câmara e da situação política do País.

DINHEIRO – A idéia do abaixo-assinado continua de pé?
DIRCEU –
Sim. Aonde vou pelo Brasil encontro dezenas de lideranças e de entidades dispostas a me apoiar. Mas ainda não tomei essa decisão.

DINHEIRO – Um dos temas ao qual o sr. mais se dedica hoje é a integração da América do Sul. Como o sr. vê a relação conturbada com Bolívia?
DIRCEU
– Considero que está num nível de relação adequado para um país como o Brasil perante um país como a Bolívia, que viveu explorado por ditaduras, com o povo vivendo na miséria. Nunca teve um governo como o Evo Morales. Como fizemos há 50 anos, ele resgata o seu principal recurso natural, o gás. Era uma decisão anterior à eleição de Morales. Foi tomada em plebiscito. Ele só cumpriu a lei. Agora, há negociações normais entre o Estado boliviano e a Petrobras, para pagar as indenizações. Acho que existe negociação e diálogo. Temos de ajudar e apoiar a Bolívia para que se consolide e faça as reformas sociais de que precisa. A Bolívia precisa de infra-estrutura e de investimentos. E tem muitos conflitos internos para resolver. Com a Venezuela, não vejo problema. As relações são cada vez melhores.

DINHEIRO – O sr. aconselharia nossos empresários a voltarem a investir na Bolívia?
DIRCEU –
É uma decisão empresarial que cada um tem de tomar. Depende do setor, da relação que teve antes com o governo. Depende do investimento que vai fazer, dos riscos. Mas eu diria que nós não devemos deixar de investir na Bolívia, a não ser que surja um acontecimento que inviabilize isso. Mas temos de ter a devida dimensão da Bolívia e do Brasil. A Bolívia tem oito milhões de habitantes. Um PIB pouco maior do que a sua população, cerca de mil dólares per capita. Tem um território importante, que faz fronteira com os principais países da América do Sul e uma grande fronteira conosco, de 3.570 quilômetros. O Brasil tem que ajudar a Bolívia e se comportar à altura de suas responsabilidades na América do Sul. Nesse sentido, o comportamento do Itamaraty corresponde à tradição da diplomacia brasileira, que é diálogo e negociação.

DINHEIRO – O sr. é favorável à criação do Banco do Sul?
DIRCEU –
Sim. O banco poderia financiar, com BNDES e o fundo de fomento do Prata, investimentos em infra-estrutura, energia, apoiar a pequena e média empresa, projetos de educação, etc. Mas há questões técnicas. Vai ser um banco ou um fundo? Será garantidor do balanço de pagamentos dos países membros, ou só um financiador de investimentos? Sou totalmente favorável. Parlamento do Mercosul, comércio sem o dólar, o Banco do Sul e um acordo de uma política comum, como foi o do carvão e do aço na Europa na década de 50, seriam importantíssimos. Temos de pensar o mundo daqui a 20 anos, com a América do Sul falando com uma voz só, com uma moeda só e um mercado comum. O futuro da América do Sul é a união, com a participação das empresas.

DINHEIRO – Como o sr. está vendo o segundo mandato do presidente Lula e a questão da coalizão com o PMDB?
DIRCEU –
A coalizão é fundamental para que o governo possa implementar o PAC, fazer as reformas política e tributária e retomar a questão da reforma sindical. O governo com a coalizão com o PMDB. Porque juntos, PT e PMDB têm hoje 35% dos votos do País. É muito. Agora, temos que retomar e garantir as relações com o PCdoB e o PSB. Em 2010, poderemos ter dois, três candidatos, o ideal é um. O ideal é consolidar a coalizão, com fóruns, conselhos, com programa, com sistema de decisão, com união. Para governar o País e consolidar as mudanças e as transformações que o País precisa.

DINHEIRO – Uma nota nos jornais de hoje diz que o sr. criticou um protesto do MST ao governo Lula no dia 1º de maio. Não há lugar para a oposição mais à esquerda?
DIRCEU –
O MST tem o direito de fazer o protesto que quiser, não é isso. Critiquei o PSTU e o PSOL que fazem protesto de negação do governo. O governo do presidente Lula não é um governo de direita, neoliberal, do inimigo, como era o anterior. É só essa a questão. Eu não estou protestando contra o MST, estou apenas registrando um fato.

DINHEIRO – O sr. ainda se considera um homem de esquerda, depois de tudo o que viveu?
DIRCEU –
Sempre fui. Sou um homem de esquerda.

DINHEIRO – E o que seria hoje, no mundo moderno, ter uma visão de esquerda?
DIRCEU –
Apoiar o governo Lula, por exemplo. No mundo, ser contra a guerra do Iraque, por exemplo. No Brasil, o PT é um partido de esquerda. Ser de esquerda é lutar pela reforma agrária, contra a discriminação que existe contra a mulher e contra o negro. É lutar para que o Brasil redistribua sua riqueza de uma maneira mais igualitária, que a participação dos pobres na renda nacional suba. É lutar para radicalizar a democracia, democratizar os meios de comunicação. É lutar pela justiça, pela igualdade, pela liberdade. Como sempre.

DINHEIRO – Dizem que o sr. é leninista, adepto do centralismo democrático.
DIRCEU –
Sobre a minha história, fala-se, na verdade, que eu sou stalinista. Mas nós construímos e organizamos o PT, como um partido anti-leninista e anti-stalinista. Tanto em filosofia quanto no modo de funcionar. E eu me opus, por exemplo, à invasão a Tchecoslováquia em 1968. Pouca gente se opôs naquela época. A minha geração foi stalinista. Eu não.

DINHEIRO – Qual é a sua formação?
DIRCEU –
A minha formação foi muito influenciada pelo positivismo. Eu me eduquei no ‘Tesouro da Juventude’. E estudei num colégio de padres franceses, argentinos, australianos. Uma dádiva que tive na vida. E depois, quando eu cheguei em São Paulo em 1961, meus amigos no científico, no Colégio Paulistano, levaram-me ao marxismo. Hoje, o marxismo continua uma ferramenta importante, entre outras. Já o leninismo é outra questão. É uma concepção de revolução, uma forma de organizar o partido. E o PT é a negação de tudo isso. O PT tem influência determinante na América do Sul e do mundo para a construção de partidos democráticos e socialistas. É uma infâmia falar que somos stalinistas ou leninistas. Mas não vou renegar nem o socialismo, nem o marxismo. Isso eu não faço.