Só nos primeiros quatro meses de 2018, assistimos a um festival de cala-boca contra a imprensa
Desde 1993, a ONU, por meio da Unesco, estabeleceu a data de 3 de maio como Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Serve o aviso. Nunca a imprensa do planeta precisou tanto de segurança.
Tal qual o conhecemos, o jornalismo nasceu da primeira Revolução Industrial, no século 17. Universalizou-se e monetizou-se no iluminismo das revoluções libertárias americana e francesa do século 18 e hoje, na era digital, é um agente estruturante das democracias. O direito à notícia consta, inclusive, como cláusula pétrea nas Constituições da maioria dos países filiados à ONU.
Exatamente por isso tornou-se pedra nos sapatos de governos autoritários e populistas de todos os matizes do espectro político.
Para se ter ideia do status atual da questão, só nos primeiros quatro meses de 2018, assistimos a um festival de cala-boca contra a imprensa. Em janeiro, no Brasil, Jefferson Pureza Lopes, 39, de Goiás, e Uéliton Bayer Brizon, 36, de Rondônia, foram abatidos a bala no exercício da profissão.
Em 13 de abril, um desconhecido grupo de dissidentes das antigas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), ligado ao narcotráfico, assassinou três jornalistas do periódico El Comercio, de Quito, no Equador, sequestrados semanas antes. Seus nomes: Javier Ortega, 32, o fotógrafo Paúl Rivas, 45, e o motorista Efraín Segarra, 60.
Na última segunda-feira (30), em Cabul, no Afeganistão, 9 jornalistas morreram num atentado de um homem-bomba disfarçado de repórter. E mais: no mesmo dia foi morto a tiros o correspondente da BBC em Khost, no leste afegão.
Frei Caneca (1779-1825) e Libero Badaró (1798-1830) foram nossos protomártires assassinados a mando de dom Pedro 1º. Há pouco mais de 40 anos, na ditadura militar, o Brasil enterrou Vladimir Herzog (1937-1975), diretor da TV Cultura de São Paulo.
Dezenas de jornalistas, radialistas e blogueiros foram mortos aqui depois da Constituinte de 1988, principalmente nos grotões onde impera a impunidade para os chefetes políticos.
No México, o narcotráfico banalizou a morte de jornalistas. O mundo se lembra ainda dos assassinatos feitos pelo Estado Islâmico, como o dos oito humoristas do Charlie Hebdo, em Paris, e o do jornalista japonês Kenji Goto, cujo vídeo em que ele é decapitado foi visto por milhões de pessoas. Não podemos nos esquecer de que Rússia e Turquia são exemplos frequentes de manchetes sobre essa pauta.
Autocensura, censura prévia, remoção de conteúdo, coerções e penalidades financeiras extravagantes são formas também brutais de calar jornalistas. Matam por constrangimento institucionalizado.
Mas o cala-boca preferido dos algozes da liberdade é o assassinato. Transformar a imprensa em trunfo de guerra é vil –como se matando jornalistas, empastelando empresas noticiosas e subjugando redações, o mundo estivesse proporcionando a construção de mais progresso e mais conhecimento.
Quando jornalistas protagonizam papéis em que são moedas de troca na intrincada diplomacia entre litigantes de diversificados perfis ideológicos e políticos, é certo que a liberdade de imprensa fica igualmente refém e vítima final.
Confirma-se, em suma, a máxima segundo a qual, em conflitos, sejam eles bélicos ou civis, a primeira vítima é sempre a verdade. E o exercício do jornalismo é o único caminho seguro para se ter, ver e conviver com a verdade.
Disso sabia bem Carl Bernstein, editor do jornal The Washington Post e o grande apurador do Watergate, quando disse: “A busca da verdade depende da boa reportagem”.
Sinval de Itacarambi Leão, jornalista e publicitário, é fundador e diretor responsável da revista e portal Imprensa
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