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Jango sem cortes – por Eleonora de Lucena

Eleonora de Lucena
Folha de S. Paulo

Quando o filme “Jango” estreou, em 1984, foi um sucesso. A ditadura militar estava se esvaindo, e a campanha pelas Diretas-Já ganhava as ruas. As salas de cinema se encheram e a música da fita -“Coração de Estudante”, de Milton Nascimento- virou a trilha sonora do momento.

Passados quase 30 anos, o documentário de Silvio Tendler é destaque na retrospectiva que o 18º festival É Tudo Verdade mostra a partir desta semana e que inicia as discussões sobre os 50 anos do golpe que derrubou João Goulart (1919-1976) em 1964.

Herdeiro político de Getúlio Vargas, Jango morreu em circunstâncias não esclarecidas, que serão investigadas pela Comissão da Verdade.

Há indícios de que ele tenha sido assassinado pela Operação Condor (ação conjunta das ditaduras da América do Sul), e a exumação de seus restos mortais, autorizada pela família, pode ser feita.

“Jango era o homem das reformas sociais, ele dividia, tinha um estigma forte”, afirma Tendler, ao lembrar hoje os dilemas para a produção do filme, iniciada em 1981.

No ano anterior, ele tinha lançado “Os Anos JK”, sobre Juscelino Kubitschek, e conhecido as pressões de militares sofridas pelo seu produtor, o empresário do setor naval Hélio Ferraz.

“JK era mais unanimidade, pegava bem na classe média, nos industriais. Se eu tinha tido dificuldades com JK, imagina com Jango?”, diz o diretor. Mas o dinheiro apareceu. A primeira cota veio de Denize Goulart, filha de Jango. Ela fez interferências no filme? “Nenhuma”, declara.

A segunda cota foi de um doador que pediu anonimato, mas que Tendler agora revela à Folha. Trata-se de Antônio Balbino (1912-1992), que foi governador da Bahia e ministro nos governos Vargas e Goulart.

“Ele era um advogado muito rico. Quando assinou o cheque, me disse: ‘Estou dando esse dinheiro em homenagem ao doutor Getúlio'”, conta o cineasta.

Para fechar as contas, entraram o empresário Ferraz e os artistas e técnicos envolvidos no trabalho. Em valores de hoje, Tendler calcula que a fita tenha custado cerca de R$ 200 mil.

“Ninguém fez o filme para ganhar dinheiro. Ele nasceu da paixão”, diz. Mas “Jango” acabou dando “muito dinheiro, se pagou em um mês ou dois. Estávamos com 17 cópias pelo país inteiro. Era o filme das Diretas”, recorda.