ÍNTEGRA DA PALESTRA DO PROFESSOR ROBERTO MANGABEIRA UNGER NO DIA 14 DE OUTUBRO DE OUTUBRO NO DIRETÓRIO ESTADUAL DO PMDB DO PARANÁ
Apresento duas teses. A primeira tese é que o Brasil precisa de uma alternativa e está pronto para ela. E a segunda tese é que o PMDB deve jogar com o papel central na construção programática e política desta alternativa. Eu divido minha intervenção em três partes. Na primeira parte, formulo um eixo do meu pensamento. Na segunda parte, apresento três ideias singelas sobre a tarefa do partido na situação nacional hoje. E na terceira parte, esboço algumas das diretrizes desta alternativa à título de prorrogação da obra coletiva que precisamos iniciar.
Em primeiro lugar, um eixo do que tenho a dizer. O atributo mais importante do nosso país é sua vitalidade. O Brasil fervilha de energia humana, frustrada e dispersa. Essa energia humana, esta quase anarquia criadora, está hoje encarnada, sobretudo, no agente social mais importante que apareceu na vida brasileira no último meio século. O protagonista mais importante da história do Brasil, sempre foi a classe média. Tudo o que de mais importante que aconteceu na história brasileira ocorreu naqueles momentos em que a classe média se desgarrou da plutocracia de orientação colonial e passou a protagonizar, em nome de todos, uma outra ideia do futuro nacional.
Hoje, essa classe média tradicional está fragilizada, econômica e espiritualmente. Espiritualmente porque ameaça assimilar dos países ricos uma cultura de desencanto com a política. No nosso país, tudo continua a depender do encaminhamento coletivo, de soluções coletivas para os problemas coletivos. Nós precisamos desesperadamente de política.
Agora surge ao lado dessa classe média tradicional fragilizada, uma segunda classe média, que vem de baixo, composta por milhões de brasileiros, que lutam para abrir pequenos negócios, que estudam à noite e que inauguram uma cultura de auto-ajuda e iniciativa. Essa segunda classe média, quase inteiramente desconhecida das elites brasileiras, já está no comando do imaginário popular. É o horizonte que a maioria quer seguir.
Getúlio Vargas promoveu uma revolução no século passado aliando o Estado à setores organizados da sociedade da economia. Hoje, a revolução brasileira, seria o estado usar os seus recursos para permitir a maioria e seguir o exemplo dessa vanguarda de batalhadores independentes. É para isso que precisamos reconstruir as nossas instituições econômicas e políticas.
A tarefa é organizar o modelo de desenvolvimento baseado em ampliação de oportunidades. Oportunidades para aprender, para trabalhar e para produzir, dar braços, asas e olhos a esta energia humana que prolifera em toda parte do país. E há um inimigo a enfrentar. Vou descrever este inimigo de algumas formas complementares.
O inimigo, visto de uma perspectiva, é o narcótico do rentismo, do capital financeiro, que se sobrepõe aos interesses do trabalho e da produção. Corremos um imenso perigo de nos entregar à uma aliança entre o grande rentismo e o pequeno rentismo. O grande rentismo é o conjunto dos interesses financistas. Há até muito recentemente no Brasil, o juro real era superior à taxa média de retorno dos negócios.
Um ambiente como este, toda a atividade produtiva a rigor é irracional. Para quem detém um ativo produtivo, o racional é vendê-lo e virá um credor do Estado para receber sem ter que trabalhar. Quem malogra como empresário pode continuar a prosperar como rentista. O pequeno rentismo é de quem não consegue empregar-se ou qualificar-se, ao menos não morre de fome porque recebe o dinheiro dos programas sociais.
Mesmo os políticos, das forças políticas que dominam o país, descobriram que está combinação do grande rentismo e do pequeno rentismo, ganha eleição. Só que mata o país porque isto pune esta energia construtiva que é a nossa característica mais valiosa. Visto de outro ângulo, o perigo é continuarmos no caminho em que estamos há muito tempo. O caminho de apostar em trabalho barato e em recursos naturais. O caminho de virar uma espécie de combinação de uma grande fazenda, uma grande mina, e uma montadora média.
A tarefa é construir um modelo de desenvolvimento que afirma a primazia dos interesses da produção e do trabalho sobre os interesses do dinheiro. O povo brasileiro não quer caridade, quer instrumentos e capacitações, quer ver a democratização das oportunidades econômicas educativas, transformadas no motor do crescimento.
Agora passo para a segunda parte da minha intervenção. A tarefa do partido, do PMDB. Apresento três ideias simples, que a rigor nem precisariam ser discutidas e justificadas. A primeira ideia é que o maior partido do país precisa ter propostas para o país. Na história do PMDB, prevalecem três questões que indicam o rumo dessa proposta: a questão democrática, a questão nacional e a questão produtiva. Estas três questões estão entrelaçadas. O produtivismo nacional e democratizante é o que o PMDB deve propor ao país, para ser o executor da tarefa que descrevi e para ser fiel a sua própria história.
A minha segunda ideia é que esta proposta programática se deve traduzir também no projeto de poder. E projeto de poder é normalmente consubstanciado em candidatura própria. Dizem que o PMDB não tem nome. O PMDB tem muitos nomes qualificados a exercer a presidência da república. Um deles está aqui, ao meu lado. Podem não ser conhecido em todo o país. A rigor, nacionalmente conhecidos no Brasil, só são os que já foram candidatos à presidente da república. Mas o povo brasileiro já demonstrou repetidas vezes que pode construir um nome em poucas semanas intensas. O que proponho é que nos entreguemos à tarefa prioritária: a construção da proposta e confiemos e que esse processo vá esclarecer o caminho da construção do projeto de poder e a botar os nomes qualificados diante dos olhos do país.
Minha terceira ideia é que o governo Lula promoveu grandes avanços, mas que a fidelidade ao seu legado não aponta na direção de uma submissão política. Pelo contrário, aponta no rumo da contribuição a um contraste vibrante de projetos e de candidaturas na eleição de 2010.
Os avanços promovidos pelo governo Lula estão agrupados em cinco grandes temas. Em primeiro lugar, consolidou a estabilidade econômica e barrou o caminho de volta a hiperinflação. Em segundo lugar, livrou milhões de brasileiros da pobreza, da miséria extrema. Em terceiro Lugar, abriu para outros milhões de jovens as portas da universidade e da escola técnica. Em quarto lugar, iniciou grandes obras de infraestrutura indispensáveis ao desenvolvimento do país. E em quinto lugar, levou o Brasil para primeiro plano da política mundial.
Mas tudo isto é preparativo, é preliminar para a grande tarefa que vem e seguida: que é a reconstrução do nosso modelo de desenvolvimento. O tema de uma eleição de como será o pleito de 2010 não é o passado. É o futuro. Não é uma distribuição de medalhas para reconhecer a conduta passada. É a definição do que deve ser o próximo passo na história nacional. Este é o assunto do debate e é para isso que nos devemos lançar na construção da proposta e do projeto de poder.
Agora a terceira parte da minha intervenção. Esboço apenas para ajudar a provocar este debate entre nós. Algumas diretrizes desta alternativa. A alternativa que instrumentaliza essa força construtiva é a democratização das oportunidades econômicas, instrumentos para trabalhar e para produzir.
E há três aspectos prioritários. O primeiro é uma reorientação radical da política industrial do país. A política industrial do Brasil tradicionalmente consiste em açambarcar o dinheiro do trabalhador reunido no FAT. E por mãos do BNDES entregá-lo a uma dúzia de grandes empresas sobre o pretexto de prepará-las para ser campeãs mundiais. Empresas bem relacionadas com o estado brasileiro. O discurso é francês, a prática é coreana. Enquanto isso, a parte mais importante da economia brasileira, onde está a parte avassaladora dos empregos e onde gera a maior parte do produto, as pequenas e médias empresas, estão carente de tudo, de acesso à crédito, à tecnologia, à conhecimento. Há meios de alcançar os mercados nacionais e globais. É essa a multidão de empreendimentos emergentes que deve ser a destinatária principal da política industrial do país. Com isso, nós construiríamos o que o país mais quer: um dínamo de crescimento includente.
O segundo aspecto prioritário dessa democratização econômica é repensar a agricultura – a principal atividade produtiva do país. Nós construímos no Brasil um contraste meramente ideológico entre agricultura familiar e entre agricultura empresarial. Não há duas agriculturas no mundo. Só há uma agricultura. O que temos de fazer é superar esse falso contraste e assegurar para a agricultura familiar atributos empresariais, evitar que ela degenere numa agricultura de subsistência.
O terceiro aspecto prioritário dessa democratização econômica é organizar uma revolução no Brasil nas relações entre capital e trabalho. Nós estamos ameaçados de ficar espremidos numa prensa na economia mundial, entre a economia de produtividade alta e economia de trabalho barato. Um dos nossos interesses nacionais mais básicos é escapar dessa prensa pelo lado alto, da escalada de produtividade e da valorização do trabalho. E não pelo lado baixo do abrutamento salarial. Nós não temos futuros como uma China comendo gente.
Há dois discursos sobre o trabalho no país. Há o discurso meio liberal da flexibilização, que os trabalhadores corretamente entendem como eufemismo para descrever a destruição dos seus direitos. E há o discurso de direito adquirido que resolve o problema da minoria que está dentro, porém não o da maioria que está fora. Metade da população economicamente ativa do país continua na economia informal, condenada à trabalhar nas sombras da ilegalidade. E na economia formal, uma parte crescente da força de trabalho se encontra em situações precarizadas de trabalho temporário, terceirizado ou autônomo. Precisamos organizar, ao lado da CLT, um segundo regime complementário, de regras que protejam, organizem e representem essa maioria excluída e desorganizada. Tudo isso é democratização de oportunidade econômica.
Agora, vem a segunda vertente, a segunda diretriz: a mobilização dos recursos nacionais, a organização de canais que levem a poupança de longo prazo para o investimento produtivo de longo prazo. Nós não nos libertaremos, nós não praticaremos as heresias que precisamos praticar com dinheiro dos outros. O capital estrangeiro é tanto mais útil quanto menos se precisa dele. Daí a necessidade de dar a heresia um surto econômico. O que eu proponho é cortar a falsa ortodoxia econômica no meio, manter a parte sadia que é o realismo fiscal, mas rejeitar a parte venenosa que é aceitar o nível de poupança muito baixo dentro do país e depender do dinheiro estrangeiro para desenvolver o Brasil.
A terceira diretriz é a capacitação do povo brasileiro pelo ensino público: a democratização das oportunidades educativas. Há duas prioridades. A primeira prioridade é reconciliar em nosso país grande, desigual e federativo, a gestão local nas escolas, nos estados e municípios com padrões nacionais investimentos e de qualidade. A qualidade de educação que uma criança brasileira recebe, não deve depender do acaso do lugar onde ela nasce. Para reconciliar gestão local com padrões nacionais, é preciso que os três níveis da federação se juntem e iniciativas para virem em socorro das redes escolares locais defeituosas, que estejam abaixo do patamar mínimo aceitável de qualidade, consertá-las e devolvê-las consertadas. A segunda prioridade é matéria de educação é transformar a maneira de ensinar e de aprender no Brasil. Nada de decoreba e enciclopedismo informativo superficial. Em vez disso, o ensino analítico e capacitador, com foco do básico de análise verbal e análise numérica. É isso que libertará o povo brasileiro e lhe permitirá descobrir a sua genialidade oculta e suprimida.
A quarta diretriz, desse projeto é a reconstrução do estado brasileiro. A verdade é que ainda não temos um estado capaz de fazer tudo isso. Há três agendas em gestão pública a cumprir. Esse é o verdadeiro choque de gestão, não aquele choque empresarial que ficam falando os conservadores. A primeira agenda é a do profissionalismo burocrático. Nós temos ilhas de profissionalismo no estado brasileiro, mas elas continuam a flutuar no oceano da discricionariedade política. A segunda agenda é da eficiência administrativa. Não é só reinventar para o setor público práticas de gestão típicas do setor privado. É transformar o nosso direito administrativo, o nosso processo administrativo, que hoje é uma camisa de força que impede o gestor de trabalhar. E a terceira agenda, é a do experimentalismo, que inclusive, na maneira de prover os serviços públicos, como serviços de educação e saúde. Não há com quem tenhamos de escolher entre a provisão burocrática de serviços padronizados de baixa qualidade e a privatização desses serviços em favor de empresas movidas com o lucro. Há uma terceira possibilidade que se tornará cada vez mais importante no século XXI, que o estado ajude a preparar a equipar, a financiar e a monitorar a sociedade civil que atendemos, para que ela participe da provisão competitiva e experimentalista dos serviços públicos.
A quinta diretriz desse projeto é o conserto da política. E o ponto de partida do conserto da política é tirar a política da sombra, como fora do dinheiro, para que os governos brasileiros não estejam nos bolsos dos endinheirados. Não é um mistério como começar a fazer isso. Começa com três conjuntos de medidas singelas. Em primeiro lugar, o financiamento público das campanhas eleitorais. Em segundo lugar, a revisão do processo orçamentário para que o orçamento não seja o palco flutuante de uma negociação entre os interesses poderosos. E em terceiro lugar, a substituição da grande maioria dos cargos comissionados de nomeação política por carreiras de estado. O que unifica essas cinco vertentes que descrevi é a determinação de dar instrumentos de oportunidades ao povo brasileiro. Por meio de inovações institucionais. A elite reformadora e esclarecida no Brasil costuma jogar que a reconstrução do estado e o conserto da política, devem vir primeiro como preliminar. Não é assim que acontecem as coisas na história moderna. Nenhuma nação reforma o seu estado e a sua política para só depois decidir o que fazer com o estado e a política reformados. A reforma do estado e da política só ocorrem no meio de uma luta para reorientar o rumo econômico e social. Por isso essas cinco vertentes que descrevi precisam avançar em paralelo.
É uma tarefa que pode intimidar e eu sei que muitos desta sala estarão descrentes. Eu não tenho ilusões. Não minimizo as dificuldades do projeto programático ou do projeto do poder. Mas deixo duas grandes vantagens com quem contamos. A primeira vantagem é um partido que não tem dono, que não é um cartório, que não pode ser entregue como uma mercadoria, e que tem a abertura do próprio Brasil. E a segunda vantagem é que apesar de todo o bloqueio, criado para suprimir o debate, do outro lado está o povo brasileiro sedento por uma alternativa e disposto a arriscar. O povo brasileiro na atividade, que meu amigo Leonel Brizola descrevia como costear o alambrado. A única maneira de não ganhar os dois debates que eu descrevi: o debate sobre a proposta nacional e o debate sobre a tarefa do partido, é não ter o debate. Se o houver o debate, o debate será ganho, os dois debates serão ganhos. O que eu disse sobre o país e sobre o partido pode ser ou parecer complicado, mas o que eu proponho para nós mesmos é muito simples: botar para quebrar.
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