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HUMOR, SEXO, E ATÉ, QUEM SABE, POLÍTICA

Humor, sexo, e até, quem sabe, política

A seguir, entrevista publicada na última Revista Idéias com a jornalista “serpente ruiva” Ruth Bolognese. A Idéias #78 já está nas bancas.

“Exagero às vezes. As pessoas reclamam quando eu começo a falar muito em sexo.” Ora, a inocência no jornalismo se perdeu há muito tempo, especialmente no que diz respeito não ao sexo, mas às relações com o poder. A colunista política Ruth Bolognese, no entanto, defende que é possível ser cúmplice do leitor e de ninguém mais.

Os políticos se sentem desconfortáveis na sua presença; alguns dizem que vão comprar cigarros na esquina e não voltam tão cedo. Na verdade, temem seu humor. “Acho que porque sou louca, não tenho papas na língua e vou ficar cada vez pior”, avisa Ruth.

Ao apelido de “serpente ruiva” ela respondeu com tatuagem que assume a identidade venenosa. Enquanto os políticos fogem, há quem não a abandone jamais: os leitores.

Entrevista e textos: Rubens Campana
Fotos: Paola De Orte

O que você acha da sua imagem hoje, como nossa jornalista mais irreverente?
Eu me encontrei na coluna. Dentro da coluna eu dei uma personalidade a mim, à Ruth. A minha essência está ali. Para mim foi muito importante. Até então eu era repórter, e um repórter vê o fato e conta, não se insere no contexto. Quando fui para o colunismo eu era eu. Comecei a dar opinião, o que eu nunca tinha dado. Sou de uma geração que só transmite os fatos. O Jornal do Brasil dizia assim: texto tem que ser pequeno, com uma síntese que diga em três linhas o que muita gente vai dizer em trinta. Não opinava. A coluna é diferente, é melhor.

O que faz uma boa coluna?
Quando eu comecei a escrever a coluna eu pensava assim: política é muito chato! A política do Paraná é trinta vezes mais chata, e para ler todo dia aquilo e escrever todo dia aquilo seria um negócio muito ruim. Aí pensei: eu quero ser lida! E decidi partir para o humor. Acho que o grande elemento da minha coluna é o humor. Inclusive exagero às vezes. As pessoas reclamam quando eu começo a falar muito em sexo. Esses tempos eu falei que só trabalharia no governo Lula com duas condições: dois cartões corporativos e muito sexo selvagem. Disse isso na ocasião da possibilidade do Ministro Reinhold Stephanes, que considero um amigo, me convidar para trabalhar com ele. Antes que ele me convidasse já soltei essa história. Aí alguém perguntou para a assessora do ministro se ele tinha lido a nota. Ela disse que ele leu, mas que não entendeu. Eu fiquei pensando: “Meus Deus! Imaginar que o Reinhold Stephanes vai entender de sexo selvagem é esperar demais!”

Os políticos ficam apreensivos quando escutam o seu nome. Por quê?
Eles realmente ficam. Acho que porque sou louca, não tenho papas na língua e vou ficar cada vez pior. Sou muito sincera e as pessoas precisam saber disso: eu não me levo muito a sério. Eu não levo a política do Paraná a sério. Eu não levo o poder a sério. Eu não levo o governador Requião a sério. E penso que se deve mostrar as coisas como elas realmente são. Porque eles não são sérios. É preciso desmistificar as autoridades. Estamos em um bom momento, pois as pessoas estão aprendendo a cobrar muito dos governos. Deve-se cobrar de governo o tempo todo. Para isso não se pode ter todo o respeito e medo da autoridade. Quando desafio do Requião ao ministro, acho que presto um serviço, porque as pessoas percebem que não é o fim do mundo ser ministro. Ao contrário, é um funcionário nosso. O governador é um funcionário. Você tem que cobrar e para isso é preciso coragem, e não pode achar que ele é autoridade porque grita. O Requião pode gritar o que ele quiser, o Beto Richa pode ficar brabo, não estou nem aí.

Essa forma como você encara o poder mudou ao longo do tempo?
A forma de o jornalista ver a realidade muda muito ao longo da carreira. Dos 25 até os 35 eu acreditava que era possível mudar o mundo fazendo jornalismo. É uma grande bobagem. E ainda por cima eu sou de uma época de censura, então imaginava que “quando eu contar os fatos vai acontecer tudo”. Não acontece nada. A imprensa aponta as coisas, mas não é por que você aponta que algo muda — as vezes é até o contrário. Uma vez eu disse algo que muita gente estranhou: tem político que gosta de ser chamado publicamente de “malaco”, porque isso abre mercado, por exemplo. 99% do que você denuncia não muda. Ainda assim, é nossa função. Você tem que contar, e eu conto.

E a relação do jornalismo paranaense com o poder?
No jornalismo do Paraná você vê uma imprensa que já foi muito bem paga, e hoje não é mais. Vou citar a Gazeta do Povo, por exemplo. A grande empresa RPC era uma rede que sempre teve credibilidade. O seu jornal tinha credibilidade junto ao núcleo curitibano. Como dizia o Rafael Greca: “Não passa do Passaúna”. Ele está certo, a influência deles é aqui, mas já foi uma influência enorme. O que aconteceu? Eles brigaram com o Governo e perderam a credibilidade como imprensa, como jornalismo. O jornal é bonitinho, gostei muito da reforma gráfica. Mas quando eles só falam mal do Requião, eles perdem credibilidade. Eu acho que conquistei um público leitor porque sejam pessoas do governo ou leitores comuns, eles percebem que eu não estou falando mal do Requião porque sou contra. Já falei bem, e tive até coragem de contar que fui até o Requião para tentar resolver uma questão funcional do meu ex-marido. Não fui fazer acordo, mas fui lá pedir para ele. Talvez isso seja maturidade ou envelhecimento, não sei, mas quando você parte para uma visão mais ampla realidade, percebe que jornalismo não muda ninguém, só aponta. Você não pode ser contra por ser contra. Todos os governos convivem com defeitos gravíssimos, assim como todos os governos defendem posições que são boas. Nossa função é apontar as duas coisas. Isso é importante, isso é fazer jornalismo real, próximo da realidade. Nisso eu acredito, pois amadurece a sociedade. Quando se fala mal demais de alguém, você vira opositor, não jornalista. Tenho isso sempre em mente.

É possível fazer jornalismo sobre o poder sem contradição ou promiscuidade?
Sim, e até sem ofender o poder. Eu acho possível. A Gazeta do Povo está perdendo uma grande oportunidade de fazer um jornalismo sério e imparcial. E ela pode fazer isso. Ela pulou de agradar de mais para atacar demais. Não encontrou ainda a linha, mas acredito que vai encontrar, porque existem bons profissionais lá. Mas essa linha é o fio da navalha. Você pode mostrar equívocos diários dos governos sem estampar nenhuma campanha. A sociedade está madura para o jornalismo, o leitor quer entender o que acontece de verdade. Ele não quer o filtro pago ou o filtro partidário. Não quero ser pretensiosa, mas eu acho que este é o meu segredo: tenho uma cumplicidade com o leitor, uma cumplicidade que eu conquistei. E não é por escrever muito bem, é porque eu faço o leitor rir. E também me arrisco para dar informação para o leitor. Às vezes me dou muito mal: tenho uma informação, mas já são 5:30 da tarde; tento checar várias vezes para ver se está certo, mas não consigo. Nesses casos, os leitores que me desculpem, mas mando brasa. No outro dia, se uma pessoa me liga e me mostra que eu cometi um equívoco, eu corrijo. Mas arrisco sempre.

Do que você se orgulha?
Tenho orgulho de ter me jogado na coluna aos 50 anos. Até hoje tenho problemas financeiros por causa disso. Mas me orgulho da coluna ter dado certo. Foi um patrimônio que eu conquistei praticamente sozinha. E também de não ter me vendido para os bandidos. Existe muita pressão em cima dos jornalistas. Dizem: “Olha, você pode ter bons trabalhos.” Acho que conquistei a liberdade de dizer o que eu quero. Além disso, não cedi aos inúmeros processos que levei nos primeiros dois anos de coluna. Isso eu agradeço ao René Dotti, o advogado que me defende. Um dia ele me disse: “Ruth, escreva o que você quiser e eu garanto que nada vai acontecer”.

Mesmo depois de ser conhecida como comentarista, você não foi para o rádio ou a televisão. Porque quis ficar no domínio do texto?
A televisão sempre me assustou, é um veículo que tem uma linguagem diferente. Ainda me assusta. Cada veículo tem sua linguagem. Você não fala no rádio como você escreve. E na televisão você não fala como no rádio. Assim como a imprensa na internet não descobriu a sua linguagem ainda. Sou jornalista de jornal. E escrevo algumas coisas de que me orgulho muito. Eu sei lidar, no texto, com a emoção. Sem ser piegas. Isso eu sei fazer. A tendência é ser piegas com emoção, é difícil não ser.

Das figuras políticas que foram seus personagens, quais merecem respeito?
Eu acho que o Jaime Lerner é um dos grandes gênios que o Paraná produziu, pela criatividade e visão de urbanismo. E é um dos piores políticos que o Paraná já produziu. O Jaime Lerner é um analfabeto político, não entende nada. Mas é um gênio em criações para as cidades. Já o governador Requião, por exemplo, é um animal político. O povo diz que o Requião é louco, só que o Requião é o único dos nossos governadores que já teve três mandatos. Ele é bobo, é louco? Não, ele é um animal político. E do ponto de vista administrativo, ele é um horror. Mas também é uma pessoa interessante como defensor de algumas causas. Outro sujeito que é essencialmente político, mas sem sagacidade do Requião, é o Alvaro Dias. Ele sabe se posicionar, só que não percebeu ainda que o tempo dele passou. O Alvaro não vai ser nunca mais governador. Outro do qual já elogiei a administração foi o Beto Richa, mas eu gostaria de ver algo mais novo do que ele. O José Richa eu lembro como um político humano. Admiro um outro personagem que nem é muito conhecido, o Osmar Serraglio. Sou fã incondicional do Gustavo Fruet, apesar de achar que ele deveria se impor mais. Admiro o Reinhold Stephanes, é um grande funcionário público. Ninguém sabe se posicionar melhor dentro de algo tão grande quanto esse emaranhado da democracia estatal.

Os personagens pioraram nos últimos tempos?
Ficaram todos velhos. A gente precisa de novos personagens, os que eram bons estão todos velhos.