Editorial, Folha de S. Paulo
Deflagrada no ano passado para apurar sinais de um esquema bilionário de sonegação de impostos, a Operação Zelotes, da Polícia Federal, deparou-se com um episódio que, na hipótese mais branda, expõe meandros constrangedores do processo legislativo do país.
Medida provisória editada em novembro de 2009, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), prorrogou a vigência de benefícios tributários para a indústria automotiva das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Descobriu-se que um lobista investigado pela PF havia atuado em favor da norma, posteriormente convertida em lei.
Alexandre Paes dos Santos, o lobista em questão, confirmou ter sido procurado para realizar trabalho de assessoria a Mauro Marcondes, cujo escritório atendia a empresas ligadas às montadoras Mitsubishi e Hyundai.
Então chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho relatou ter intermediado encontros entre Marcondes e o ex-presidente, antigos conhecidos, para o debate de providências de estímulo à economia.
A partir dos dados reunidos nas investigações, calcula-se que o escritório de Marcondes recebeu R$ 17 milhões pela empreitada –e um total de espantosos R$ 57 milhões, entre 2009 e 2015, pelos serviços prestados aos mesmos clientes.
Verificou-se que o lobista contratou, em 2010, firma advocatícia pertencente ao filho de uma alta funcionária da burocracia federal; por fim, que pagou R$ 2,4 milhões, desde 2014, por trabalhos da LFT Marketing Esportivo, de Luís Cláudio Lula da Silva, filho de Lula.
Nada disso, por si só, configura ato criminoso; o desenrolar da ação penal aberta a respeito do caso –que não inclui Luís Cláudio, alvo de outro inquérito– demonstrará se procede a acusação de que a MP de 2009 e outras duas, de 2010 e 2013, tenham sido “compradas”.
Os réus afirmam que há uma tentativa de criminalizar a atividade de lobby, a defesa de interesses particulares corriqueira –e necessária– na democracia e na economia de mercado.
São justamente as dimensões das cifras e personagens envolvidas, além do obscuro emaranhado de relações pessoais e profissionais entre elas, que evidenciam a urgência de uma regulamentação do lobby no Brasil, tarefa adiada pelo Congresso desde os anos 1990.
Tal legislação, como defende esta Folha, deverá definir a atividade e proporcionar a identificação transparente de contratantes e contratados, seus interesses e estratégias de atuação, incluindo os contatos com autoridades públicas. Assim serão delimitadas com mais clareza as fronteiras entre a pressão legítima, o tráfico de influência e a corrupção.
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