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Governo manco

Governo manco

Ricardo Noblat

O adjetivo “bizarro” pode sugerir uma coisa e o seu contrário, soar como insulto ou um elogio, significar algo ou simplesmente nada.

Há 10 dias, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, classificou de “bizarra” a decisão do Senado, abençoada por seu colega Ricardo Lewandowski, de cassar o mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, preservando, contudo, os seus direitos políticos.

No caso, por “bizarra” entenda-se “extravagante”, como o ministro logo se apressou a esclarecer. Na verdade, a decisão foi no mínimo inepta, em total desacordo com a Constituição.

Presidente que comete crime de responsabilidade é punido com a perda do mandato e dos direitos políticos por oito anos. Não é uma coisa ou outra. A Constituição é clara quanto a isso no parágrafo único do artigo 52.

Bem, mas pelo visto, às favas com a Constituição que senadores e ministros do Supremo juraram cumprir ao serem diplomados e empossados.

A ministra Rosa Weber, relatora das ações e recursos impetrados contra a decisão do Senado, já mandou para o arquivo quase todas elas. Mais adiante, o plenário do Supremo poderá deliberar a respeito. Ou não.

Os inconformados com o desfecho do impeachment acusam o Senado de ter desprezado os fundamentos jurídicos do processo e levado em conta apenas os aspectos políticos quando cassou o mandato de Dilma.

Não caberia acusar igualmente o Senado de só ter considerado os aspectos políticos quando manteve o direito de Dilma de poder disputar eleições?

No país da extravagância de gastos não autorizados pelo Congresso, da corrupção que abateu a Petrobras e que garfa parte do salário de servidores públicos endividados, e do pouco apreço à lei, tudo continua sendo possível ou tolerado.

Chama-se de golpe o que não foi golpe e de “decisão soberana do Senado” o que não passou de um golpe contra a Constituição.

Nada demais, pois, que o governo resultante de tamanho desmantelo se caracterize pelo menos até aqui pela prática de bizarrices, mas não só.

Por sua origem, é de fato um governo incomum, invulgar. Mas é também estranho, esquisito e grotesco, sem ser necessariamente cômico. Porque não provoca risos. Provoca inquietação dada às circunstâncias do país.

Admito que teve lá sua graça o episódio bizarro da modelo nua cujo corpo acabou pintado no quarto andar do Palácio do Planalto horas depois da consumação do impeachment.

Como engraçada foi outra bizarrice produzida naquele mesmo dia com a transmissão pela TV da reunião de Temer com os seus ministros. Eles pensavam que se tratava apenas de uma gravação. Estavam ao vivo e a cores na GloboNews.

Não teve graça alguma, porém, saber que o presidente fora surpreendido pelo apoio do seu partido à preservação dos direitos políticos de Dilma.

É crível que ele tenha sido traído pela maioria dos senadores do PMDB liderada por Renan Calheiros? Porque é difícil acreditar que ele concordasse com um ato que violaria a Constituição. Por certo, uma bizarrice não seria.

Tampouco foi a promessa de Temer de enviar ao Congresso a reforma da Previdência antes das eleições, para depois recuar e em seguida recuar do recuo.

A menção aos “40 que levantam carros” anabolizou as manifestações de rua. Servirá para tal o anúncio da jornada de trabalho diário de 12 horas e a suspeita de que se trama contra a Lava-Jato.

São tiros de um governo manco disparados no próprio pé.