Ministério Público tenta combater pirâmides financeiras e estima três novos casos a cada semana
por Márcia Dessen, na Folha de S.Paulo
Participei da Conferência de Educação Financeira e Comportamento do Investidor, promovida pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), na qual assisti à palestra da procuradora da República Mariane Guimarães de Mello Oliveira sobre Prevenção e Combate às Pirâmides no Brasil. Fiquei estarrecida com os dados e não posso deixar de compartilhar com vocês, esperando que o alerta ajude a estancar esse processo.
As pirâmides financeiras proliferam no Brasil. Por um lado o consumidor confiante num “otimismo ganancioso”, sem informação adequada sobre os riscos do investimento, em contraposição à propaganda altamente sedutora das empresas que oferecem lucro rápido sem esforço.
O Ministério Público tenta combater o crescimento vertiginoso de empresas que praticam o crime de pirâmide disfarçado de marketing multinível e estima que a cada semana surjam cerca de três novos casos!
O marketing multinível é uma estratégia de distribuição de bens e serviços, divulgada “boca a boca” por distribuidores independentes. O dinheiro dos novos participantes paga os mais antigos e o esquema desmorona quando o ingresso de novos associados diminui, deixando muita gente no prejuízo. Estima-se que 90% dos investidores vão perder seus investimentos no período de 18 meses, prazo médio de sobrevivência de uma pirâmide.
O pioneiro parece ter sido o italiano Charles Ponzi, que em 1920 atraiu milhares de pessoas prometendo rentabilidade de 50% em apenas 45 dias ao comprar cupons postais de outros países, trocados por selos nos EUA a um preço mais alto. Quando o esquema ruiu, descobriu-se que eram necessários 160 milhões de cupons postais para sustentar as margens que seduziam os investidores, mas só existiam 27 mil no mercado. Com prejuízo de US$ 225 milhões em valores atuais, seu nome carimbou o golpe de pirâmide, mundialmente conhecido como esquema de Ponzi.
Vamos ver casos que provocaram perdas de bilhões de reais a milhões de brasileiros, segundo investigação e parecer do Ministério Público.
Bbom –A empresa realizava marketing agressivo nas redes sociais e TV, focado não no produto (rastreador veicular), mas, sim, na bonificação. Apurou-se que a Bbom teria vendido mais de 1 milhão de rastreadores para mais de 200 mil associados; comprou apenas 69 mil aparelhos, nem todos entregues, embora cobrasse pelo seu comodato. Apesar da ampla cobertura da imprensa sobre a acusação de prática de pirâmide, a Bbom obteve autorização judicial para operar sob novo modelo. Antes de sofrer novo bloqueio judicial, faturou quase R$ 2 bilhões, prejudicando 1 milhão de pessoas!
TelexFree –Só no Acre estima-se que 10% da população tenha se associado ao esquema fraudulento, que afetou cerca de 1 milhão de pessoas no Brasil inteiro, causando prejuízo de bilhões aos consumidores. Sob a isca de venda de produto VoIP de chamada de voz gratuita pela internet, ao custo de US$ 49,90 por franquia de 3.000 minutos, anunciada como ilimitada, e valor comercial não competitivo diante de opções mais baratas, como o Skype, ou mesmo gratuitas, como o WhatsApp. Nem gratuito, nem ilimitado!
Boi Gordo –Considerado o mais conhecido caso de pirâmide financeira do Brasil, com atuação forte na década de 1990, 30 mil investidores perderam cerca de R$ 2,5 bilhões até 2004. Os investidores aplicavam em gado, seduzidos pela oportunidade de embolsar lucro muito superior ao juros da época. O esquema ruiu quando a CVM passou a regular esse mercado.
Avestruz Master –Fundado em Goiânia em 1988, o grupo oferecia contratos de compra e venda de avestruzes. A empresa comercializou mais de 600 mil aves, mas só tinha 38 mil. Tiveram prejuízo 40 mil investidores, sendo 30 mil só em Goiás. Foram gastos R$ 4 milhões em publicidade em 2004 e apenas R$ 100 mil em ração!
Camarão Master –Logo após a falência da Avestruz Master, na mesma Goiás que teve sua economia paralisada em razão do volume de dinheiro ali investido e, apesar da ampla cobertura da imprensa a respeito, surgiu em 2005 a empresa Acquajoin, com promessa de rentabilidade de 10% ao mês. A semelhança de atuação e do resultado desastroso da Avestruz não impediu novos investidores!
Madoff –Bernard Lawrence Madoff amealhou bilhões de dólares, em Wall Street, com o maior esquema de Ponzi da história. Ele administrou recursos de 16 mil vítimas, inclusive brasileiras, em um negócio que funcionou por 16 anos com promessa de rentabilidade de 1% ao mês. Estima-se que os investidores tenham perdido entre US$ 12 bilhões e US$ 20 bilhões no período!
Ainda tem dúvida de que o esquema não é sustentável? Observe na figura a evolução de uma pirâmide que solicita de cada participante a indicação de apenas seis pessoas. Na 13ª fase já estariam envolvidas mais de 13 bilhões de pessoas, número superior a toda a população mundial!
MARCIA DESSEN, Certified Financial Planner, é sócia do BMI (Brazilian Management Institute), diretora do IBCPF (Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros) e autora do livro “Finanças Pessoais: o que fazer com meu dinheiro” (Trevisan Editora, 2014). blog.bmibrasil.com.br/financaspessoais
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