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Gleisi pede paralisação de demarcações de terras indígenas com base em estudo inexistente

A ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, pediu ao Ministério da Justiça (MJ) a suspensão indiscriminada das demarcações de Terras Indígenas (TIs) em dois estados inteiros, Paraná e Rio Grande do Sul, sem basear-se em um estudo fundamentado já concluído ou mesmo pertinente ao tema. A denuncia é do Instituto Socioambiental.

Hoffmann solicitou a paralisação dos processos no Rio Grande do Sul, segundo documento oficial da Casa Civil assinado por ela, endereçado ao MJ, intitulado “Aviso nº 400/2013” e ainda não divulgado pelo governo, mas a que o ISA teve acesso.

Em maio, já havia feito o mesmo em relação ao Paraná, onde é pré-candidata ao governo. Em audiência da Comissão de Agricultura da Câmara, anunciou que o pedido baseava-se em informações da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) (saiba mais). Na ocasião, usou ora a palavra “informações”, ora “dados” e “estudos”.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, nega que as demarcações tenham sido paralisadas em qualquer estado.

Em resposta datada de 3/7 a um requerimento feito sob a Lei de Acesso a Informação pelo ISA, a Embrapa informa que enviou ao Palácio do Planalto apenas “dados” e “um documento básico e preparatório, que compõe um amplo estudo em elaboração pela Casa Civil” (veja resposta da Embrapa).

A Casa Civil, por sua vez, rejeitou pedido feito pelo ISA, sob a mesma lei, para fornecer o documento. A justificativa apresentada foi de que ele ainda não foi usado para subsidiar qualquer decisão, razão pela qual preferiu não divulgá-lo por enquanto.

“Os estudos solicitados encontram-se em discussão no âmbito dos órgãos competentes e serão utilizados como fundamento de tomada de decisão”, diz o órgão, que não especificou qual o fundamento para a decisão já tomada de requisitar a paralisação das demarcações.

“Com base na resposta oferecida, só podemos concluir que a determinação de paralisar as demarcações foi arbitrária, pois não teve qualquer estudo técnico que a embasou. Nem mesmo o da Embrapa, por mais impertinente que possa ser em relação ao processo de reconhecimento de terras indígenas. Se houvesse, ele teria que ser público”, aponta Raul Silva Telles do Valle, coordenador de Política e Direito Socioambiental do ISA.

Segundo fontes do PT e do governo, Hoffmann foi responsável por articular, na semana passada, a inclusão na pauta de votações da Câmara de um requerimento para votar em regime de urgência um projeto que anula grande parte dos direitos dos índios sobre suas terras (veja aqui).

Imagens de satélite

Fontes da própria Embrapa confirmam que a empresa de pesquisa, subordinada ao Ministério da Agricultura, não realizou um estudo específico para contestar as demarcações e que o documento enviado ao Planalto seria constituído sobretudo de imagens de satélite, as quais, para a Casa Civil, comprovariam a inexistência da presença indígena em anos recentes.

Na audiência da Câmara, a ministra também não havia detalhado em quais dados teria baseado sua solicitação, mas informou que o governo trabalha na criação de um “sistema de informações para prevenção e gestão de conflitos em TIs” com apoio da Embrapa. Segundo a ministra, ele vai disponibilizar dados, entre outros, sobre tempo de ocupação não indígena, sobreposição com áreas urbanas, malha fundiária, produção, produtividade e crédito agrícolas.

O sistema subsidiaria o novo trâmite dos procedimentos demarcatórios, ainda em discussão no governo, que vai incluir mais órgãos, como a própria Embrapa e outros ministérios, além da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do MJ, hoje responsáveis por eles.

A proposta atende a pressões ruralistas. Na prática, deve reduzir ainda mais o ritmo de demarcações do governo Dilma, o pior desde a redemocratização (veja aqui).

Na mesma reunião na Câmara, a ministra informou que os “estudos” da Embrapa estariam sendo finalizados para Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

“É óbvio que, para suspender qualquer estudo ou qualquer ação, tenho de ter informação qualificada para tanto, para fazer esse procedimento. Não pode ser de maneira unilateral, por uma determinação ou um pedido”, afirmou Hoffmann. “Penso que não podemos politizar esse tema”, completou.

Ocupação tradicional

Nenhuma das informações fornecidas pela Embrapa tem relação com a questão da ocupação tradicional, que caracteriza o “direito originário” dos índios sobre suas terras, conforme determina a Constituição.

Em seus laudos, a Funai levanta dados e informações antropológicos, históricos e arqueológicos para apontar, através do tempo e do espaço, a presença das comunidades. Sua ausência em determinado período não significa necessariamente inexistência de ocupação porque, em muitos casos, essas populações foram expulsas de seus locais de origem por produtores rurais, garimpeiros, grileiros, madeireiros ou pelo próprio Estado. Há ainda grupos nômades ou áreas que são usadas apenas para coleta de recursos, caça, pesca ou têm valor religioso, mas não abrigam moradias ou plantações fixas.

Em nota, a Embrapa já havia esclarecido que “não tem por atribuição recomendar, opinar, sugerir sobre aspectos antropológicos ou étnicos envolvendo a identificação, declaração ou demarcação de terras indígenas” e que também “não emite laudos antropológicos e não dispõe de profissionais com esta formação”.