Com o título acima, em 2 de setembro manifestei aqui, em artigo nesta Folha, minha angústia e apreensão com os rumos que o Brasil tomava dois dias depois do impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
Foram meses e meses de agonia até que o Congresso levasse a cabo o maior atentado à Constituição brasileira ao afastar de maneira torpe a primeira mulher a assumir a Presidência da República no Brasil, sem que ela tivesse cometido qualquer crime. Será difícil esquecer isso.
Infelizmente, o Congresso, cenário de momentos gloriosos da política, firmou-se como avalista e cúmplice de uma ampla articulação iniciada com a derrubada de Dilma para, em seguida, entre outros objetivos, mutilar os mínimos direitos conquistados pela população mais pobre deste país.
Com esse intento, foram desprezadas não só as leis mas também a própria democracia.
A investida começou na Câmara dos Deputados, que fez tramitar a toque de caixa a primeira das muitas maldades tramadas nos gabinetes oficiais: a chamada PEC do teto dos gastos, que impôs um drástico corte nos investimentos públicos pelos próximos 20 anos.
Foi aprovada a despeito da crescente contrariedade popular. Depois vieram a questionável reforma no ensino médio e, agora, a grande mudança nas regras de aposentadoria -a crueldade suprema contra os trabalhadores e os segmentos mais vulneráveis da sociedade. O pacote foi complementado por uma reforma trabalhista já anunciada.
No Senado, seja na presidência da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) ou na atuação em plenário, pude testemunhar como agiram as lideranças do governo para sacramentar o arrocho fiscal que engessará as finanças da União durante cinco mandatos presidenciais.
Na CAE, os governistas fizeram de tudo para boicotar as nove audiências públicas em que mostramos que a saída para a crise não está nos cortes das despesas com educação, saúde ou infraestrutura. É preciso investimento público! Economia temos de fazer no pagamento dos inaceitáveis juros da dívida pública.
No plenário, nós dos partidos de oposição resistimos ao máximo ao rolo compressor do governo para acelerar a tramitação da PEC do teto. Em apenas um dia, o presidente do Senado agendou três sessões destinadas a contar prazo para a aprovação final da medida, cujos efeitos começarão a ser sentidos em 2018.
Até mesmo a simples discussão do tema foi obstruída. Em 2017, travaremos novas batalhas com a reforma da Previdência e a retirada de direitos trabalhistas.
O Congresso Nacional já fez história. A promulgação da Constituição de 1988, que apontava para o Estado de bem-estar social, ampliado nos governos de Lula e Dilma, foi apenas um exemplo desse papel. Mas a lógica se inverteu.
Hoje temos um Congresso que não respeita sua própria legislação e nem as leis máximas do país, atentando contra a democracia e os direitos da população.
A ilegitimidade, a extrema fraqueza e a impressionante incapacidade de dar respostas urgentes à grave crise econômica destroem o governo. A base de sustentação de Michel Temer está ruindo. Isso fica claro, inclusive, com as articulações em curso para substituir o presidente em uma eleição indireta. Será o golpe dentro do golpe.
Neste momento bastante delicado, vivemos ainda a preocupante judicialização da política, o que coloca em perigo a ordem democrática da nação. Cabe ao Congresso, nesta era de incertezas, redimir-se de seus erros e antecipar as eleições de 2018 em todos os níveis, devolvendo ao povo brasileiro o direito de traçar o seu destino.
(*) GLEISI HOFFMANN é senadora (PT/PR) e presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Foi ministra da Casa Civil (governo Dilma)
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