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Gilberto Carvalho fez lobby para montadoras no governo Lula

Gilberto Carvalho fez lobby para montadoras no governo Lula

Chefe de gabinete de Lula e agentes públicos do Ministério da Fazenda, da Casa Civil e do MDIC agiram em favor de empresas automobilísticas que foram beneficiadas por medida provisória, segundo investigação da força-tarefa formada pelo Ministério Público Federal (MPF), Polícia Federal, Receita Federal e Corregedoria do Ministério da Fazenda

Thiago Bronzatto, Alana Rizzo e Ana Clara Costa, Época

O ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência do governo Dilma e ex-chefe do gabinete pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Gilberto Carvalho, é apontado pela Polícia Federal como o principal interlocutor de lobistas que atuaram no governo Lula para a aprovação da Medida Provisória 471, em 2009 — que concedeu benefícios fiscais a empresas automotivas. Segundo representação da PF pedindo busca e apreensão na terceira fase da Operação Zelotes, à qual ÉPOCA teve acesso, Carvalho seria o principal contato dos sócios da consultoria SGR. A empresa foi uma das encarregadas do lobby para as montadoras Caoa, Ford e Mitsubishi (MMC) no governo Lula. A investigação traz a Zelotes para dentro do gabinete do ex-presidente Lula, tendo em vista que Carvalho era – e ainda é — um de seus principais aliados. Os documentos apreendidos, de acordo com a PF, fortalecem a hipótese da “compra” da medida provisória que beneficiou empresas do setor automotivo “utilizando-se do ministro que ocupava a ‘antessala’ do então Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva”. Segundo a PF, os benefícios fiscais teriam custado às empresas 36 milhões de reais entre pagamento de propina a servidores e remuneração de lobistas. O objetivo das companhias era que o Executivo autorizasse a ampliação de incentivos fiscais que somariam mais de 1 bilhão de reais ao ano, conforme revelou o jornal O Estado de S.Paulo recentemente.

A representação elaborada pela PF para justificar os pedidos de prisão, condução coercitiva e busca e apreensão desta segunda-feira, que envolveram 33 mandados judiciais, descreve o que pode vir a ser um amplo esquema de corrupção ativa envolvendo funcionários do governo e empresas privadas na confecção de medidas provisórias. A Operação Zelotes teve início após denúncias de corrupção no Conselho Administrativos de Recursos Fiscais (Carf), órgão ligado ao Ministério da Fazenda. Entre as empresas suspeitas de envolvimento no esquema está a LFT Marketing Esportivo, empresa de Luís Claudio Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula.

A PF cita que há “uma grande possibilidade” de serem reais as informações dadas pelo ex-servidor dos Correios exonerado após suspeitas de corrupção, Hallyson Carvalho Dias, sobre a promessa de pagamento de R$ 4 milhões a funcionários do governo em troca de gestões para a aprovação da MP 471. A PF confrontou o depoimento de Dias com manuscritos do lobista Alexandre Paes dos Santos, também conhecido como APS, preso nesta segunda, que citam encontros com o então secretário e braço direito de Lula, Gilberto Carvalho, com representantes de consultorias que faziam lobby para as montadoras.

Um encontro em específico, segundo a PF, em 16 de novembro de 2009, teria sido decisivo para o acordo entre governo e lobistas. Nas anotações apreendidas, o encontro era descrito como ‘Café: Gilberto Carvalho’. Segundo a PF, em vez de um inofensivo café com o braço direito de Lula, o lobista descrevia em suas notas o esquema de pagamento de propina. De acordo com a PF, a expressão “café”, no caso citado, pode ser interpretada como um eufemismo para o pagamento de propina a servidores, o chamado ‘cafezinho’, e os valores citados poderiam fazer parte do acordo entre os lobistas e agentes do governo com vistas à edição da MP 471/2009. Os documentos também demonstram a estreita relação de Carvalho com o lobista Mauro Marcondes Machado, da consultoria Marcondes e Mautoni. Quatro dias após o encontro dos lobistas com secretário-executivo, a MP foi editada.

Ainda com base nas anotações, a PF investiga a movimentação de 10 milhões de reais entre as empresas dos lobistas após a edição da MP. Os valores repassados às consultorias SGR e Marcondes e Mautoni somaram R$ 6 milhões. Já a rubrica “colaboradores” apontava o destino de outros R$ 4 milhões – o que, segundo a PF, denota o pagamento a funcionários do governo, incluindo Gilberto Carvalho. Até o fechamento desta reportagem, o ex-ministro não havia se pronunciado.

Além da presidência da República, há suspeitas de que a Casa Civil, o Ministério da Fazenda e o Ministério da Indústria e Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic) do governo Lula também teriam atuado em favor das montadoras Caoa e Mitsunishi no Brasil na compra da MP 471, em 2009, que beneficiou empresas do setor. Segundo a PF, tanto o lobista Alexandre Paes do Santos quanto o consultor José Ricardo da Silva tinham “acesso direto à Erenice Guerra”, que foi secretária-executiva da Casa Civil de 2005 a 2010, chegando a ser chefe da pasta entre abril de 2010 a setembro do mesmo ano, quando caiu após acusações de tráfico de influência. “Erenice Guerra era frequentadora do escritório do José Ricardo da Silva”, de acordo com o depoimento de Hugo Rodrigues Borges, funcionário de José Ricardo, e possuía uma parceria com o consultor no “trabalho na defesa de interesse da empresa Huawei do Brasil Telecomunicações Ltda junto ao Carf”, diz representação da Polícia Federal. Os investigadores suspeitam que Erenice Guerra foi a responsável pela indicação de Alexandre Paes dos Santos para ocupar uma cadeira no Carf. “Já o Alexandre Paes dos Santos, este disse ser amigo dela em razão da sua atuação no setor elétrico”, diz a PF. O MPF também aponta a possível participação do ex-porta-voz da Presidência da República do governo de José Sarney, Fernando Mesquita, em favor dos lobistas que viabilizaram a medida provisória. A casa de Mesquita foi alvo de busca e apreensão nesta segunda. Ele é jornalista e também ocupou o cargo de secretário de Comunicação do Senado.

No Ministério da Fazenda, o principal suspeito é Nelson Machado, que foi secretário executivo da pasta, ex-ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão e ex-ministro da Previdência Social. O nome de Machado é citado em manuscritos de Alexandre Paes do Santos no que se refere a “Café: Gilberto Carvalho”, datado em 16 de novembro de 2009, período em que se discutia a MP 471. Além dele, Dyogo Henrique de Oliveria, ex-secretário adjunto da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda e atual secretário executivo do ministério do Planejamento, também aparece em documentos apreendidos na casa e no escritório do lobista APS com as seguintes menções: “DIOGO / JOSÉ RICARDO”, “SECRETARIA DE POLÍTICA ECONÔMICA”, “SPE” e “LDO – 5 anos”. “Pela inscrição no canto superior ‘LDO – 5 ANOS’, provavelmente foi daí que eles (os lobistas) ficaram sabendo da restrição de Lei de Diretrizes Orçamentárias que impossibilitava a prorrogação pelo prazo de 10 anos, como almejavam as empresas automobilísticas contratantes, bem como da necessidade de ‘não mexer em lei para incentivo’, elegendo-se assim a via da Medida Provisória”, diz a PF. O Ministério do Planejamento ainda não se pronunciou sobre o caso.

Os investigadores ainda ressaltam que José Ricardo foi conselheiro do Carf, órgão ligado ao Ministério da Fazenda. Isso, segundo a PF, pode ter “inclusive facilitado o acesso ao então Ministro Guido Mantega inclusive podendo ter sido influenciado pelo seu amigo Victor Garcia Sandri, que veio tornar parceiro do José Ricardo, quando este defendeu os interesses da empresa dele, o Grupo Cimento Penha, tendo inclusive participado do julgamento”.

Outra área de atuação do lobista era o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). De acordo com a PF, a servidora Lytha Battiston Spíndola, secretária executiva da Câmara de Comércio Exterior, foi o principal canal de lobby no Mdic. O escritório Spindola Palmeira Advogados, administrado pelos filhos de Lytha, Vladimir e Camilo Spíndola, recebeu da Marcondes & Mautoni R$ 506.790 em 2010, enquanto a Green Century Consultoria Empresarial e Participações embolsou R$ 913.301 entre 2011 e 2012. Além de Lytha, a PF também investiga Ivan Ramalho, ex-secretário-executivo do Mdic entre 2005 e 2010 que é citado em anotações do lobista Alexandre Paes do Santos, e Helder Chaves, ex-secretário executivo da Câmara de Comércio Exterior do Mdic que tinha um contato muito próximo com José Ricardo, um dos principais suspeitos. “José Ricardo gaba-se para a sua sócia Adriana Oliveira e Ribeiro que o Helder Chaves estava cotado para ser secretário executivo da Câmara de Comércio Exterior em razão da influência deles, fato que veio a se confirmar e inclusive manda-lhe congratulação pela assunção ao cargo em substituição à já mencionada Lytha Spíndola”, diz a representação da PF, justificando o pedido de busca e apreensão.

O consórcio de lobby formado pelas consultorias SGR e Marcondes e Mautoni tinha a expectativa de receber, com a edição da MP em favor de seus clientes, um total de R$ 32 milhões, custo a ser dividido de forma igual pela MMC e CAOA. Cada empresa do consórcio receberia metade desse valor, e 40% seria pago em propina a servidores e “colaboradores” do governo. Contudo, as empresas entraram em desacordo depois que a CAOA decidiu não honrar o compromisso. Como apenas a MMC havia pago sua fatia aos lobistas – o pagamento foi feito apenas em favor da Marcondes, que repassaria a parte da SGR–, a Marcondes decidiu ficar com o valor total, ou seja, dar o calote na parceira lobista. Diante da tensão, a SGR contratou os serviços do ex-servidor Halysson Carvalho Silva, preso nesta segunda-feira, para extorquir a empresa Marcondes e Mautoni e, na sequência, a MMC. Segundo a PF, Hallyson havia delatado o pagamento de R$ 4 milhões a servidores para a edição da MP 471.

A Polícia Federal, em sua representação, pediu as prisões preventivas de Alexandre Paes dos Santos, José Ricardo da Silva, Eduardo Gonçalves Valadão, Mauro Marcondes Machado e Halysson Carvalho Silva. Foram requisitadas também mandados de busca e apreensão em 15 lugares no Distrito, no Maranhão, no Piauí e em São Paulo. Além disso, a PF solicitou a condução coercitiva de Paulo Arantes Ferraz, Eduardo de Souza Ramos, Carlos Alberto de Oliveira Andrade, Lytha Battiston Spíndola, Vladimir Spíndola Silva, Marcos Augusto Henares Vilarinho, Raimundo Nonato Lima de Oliveira, Indianara de Castro Biserra e José Jesus Alexandre da Silva. Os ex-ministros Gilberto Carvalho, Erenice Guerra, Nelson Machado e o secretário executivo do Planejamento Dyogo Henrique de Oliveira não foram alvos de mandado de busca e apreensão na nova fase da Operação Zelotes deflagrada nesta segunda. O MPF endossou o pedido da PF – e, com base no relatório da Receita Federal do Brasil e da Corregedoria do Ministério da Fazenda, acrescentou à lista de busca e apreensão a sede da empresa LFT Marketing Esportivo, de Luis Claudio Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula. A companhia, segundo o MPF, recebeu R$ 1,5 milhão da Marcos & Mautoni, que, em 2014, registrou pagamentos praticamente de forma exclusiva da Mitsubishi e da Caoa. “É muito suspeito que uma empresa de marketing esportivo receba valor tão expressivo de uma empresa especializada em manter contatos com a Administração Pública (Marcondes e Mautoni)”, escreveu o MPF. “Dentro desse contexto, justifica-se a execução de busca e apreensão na sede da empresa”, afirma. A força-tarefa do MPF ainda fez um pedido de busca e apreensão complementar na sede das empresas Touchdown Promoção de Eventos Esportivos Ltda e Silva e Cassaro Corretora de Seguros Ltda, que também estão ligadas a Luis Claudio Lula da Silva e possuem o mesmo endereço que a LFT. “Tudo indica que as empresas representam uma única entidade. Nessa linha, não há como, na atual fase da investigação, abrir mão do material localizado no endereço do condomínio empresarial. A medida, na verdade, representa mero desdobramento da busca e apreensão já deferida na LFT Marketing Esportivo. A unidade das empresas (física e societária) é evidente, tudo girando em torno de Luis Claudio Lula da Silva”, diz o MPF.