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Fugindo do xis da questão

Escola sem Partido deixa de lado o que importa

Daniel Barros

Já passou da hora de tratarmos a discussão pública sobre política educacional com mais sensatez. No Brasil, dois terços dos estudantes no fim do ensino fundamental, portanto com cerca de 15 anos, não conseguem identificar quantas moedas de R$ 0,25 são necessárias para pagar uma passagem de ônibus que custe R$ 2,50. A mesma proporção (cerca de 65%) não consegue entender a diferença entre opiniões claramente antagônicas em uma reportagem. Um em cada quatro estudantes é reprovado no primeiro ano do ensino médio. Vários deles deixam a escola depois. Só 52% dos jovens terminam o ensino médio até os 19 anos de idade (dois anos mais tarde do que seria o adequado).

Há dezenas de outros indicadores que mostram como nossos estudantes aprendem pouco nas escolas brasileiras –tanto públicas quanto privadas. Mas o debate público sobre educação foi tomado, de repente, por uma discussão rasa sobre suposta doutrinação ideológica nas escolas.

Enquanto temos dificuldades de aprendizagem quantificadas, evidenciadas e alarmantes, políticos e boa parte da sociedade discutem um projeto de lei que se propõe a resolver um problema que ninguém sabe o tamanho e por meio de ações que nem sequer são factíveis.

O projeto de lei do Escola Sem Partido (PL 7.180/2014) diz, por exemplo, que “o professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias”. Há algo mais subjetivo e imensurável do que essa proposição?

Há fartas evidências de que o professor médio nas escolas públicas frequentemente não está preparado para garantir que os alunos aprendam. E pesquisas mostram que a capacidade do professor é o que mais tem impacto no aprendizado dentro da escola. Esse profissional não tem formação inicial adequada e tampouco costuma receber boa qualificação em serviço. Muitos não dominam os conteúdos a serem ensinados e/ou as técnicas de didática para ensiná-los. A carreira também não atrai os estudantes com melhor desempenho nos vestibulares.

Mais de 70% dos que entram em pedagogia, por exemplo, têm nota abaixo da média nacional no Enem. E mesmo os melhores estudantes das licenciaturas não querem dar aula na rede pública. Esses são os tipos de problema que nossos formuladores de políticas públicas deveriam se concentrar em resolver.

O professor deveria ser cobrado para garantir que faz tudo que está a seu alcance para que o aluno aprenda. As políticas públicas precisam oferecer instrumentos para que ele cumpra essa missão. Em vez disso, estamos cobrando os docentes porque eventualmente algum deles faz comentários políticos em sala de aula ou porque tratam de temas presentes na sociedade, como a orientação sexual dos indivíduos.

Temos que jogar luz sobre discussões com real impacto no aprendizado. No livro-reportagem “País Mal Educado — Por Que se Aprende Tão Pouco nas Escolas Brasileiras?”, trato de várias políticas com evidência de sucesso no Brasil e no mundo. Já o projeto de lei do Escola Sem Partido cria uma nuvem de fumaça sobre o que importa e foge do xis da questão. Vamos parar de brincadeira com as escolas de nossas crianças e jovens. Educação é coisa séria.

Daniel Barros, jornalista, mestre em administração pública pela Universidade Columbia (EUA) e autor do livro-reportagem “País Mal Educado: Por Que se Aprende Tão Pouco nas Escolas Brasileiras?” (Record)

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https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2018/11/fugindo-do-xis-da-questao.shtml