Companhia, que fabricava veículos no País desde 1919, vinha fazendo cortes de pessoal nos últimos anos e sofrendo queda de vendas superior à do mercado; demissões vão afetar as operações brasileira e argentina
Eduardo Laguna, Fernanda Guimarães e Fernando Scheller, O Estado de S.Paulo
A montadora americana Ford anunciou nesta segunda-feira, 11, o fim de uma história de um século de produção de carros no Brasil. A montadora, que já tinha encerrado, em 2019, a produção em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, comunicou que vai fechar neste ano as demais fábricas no País: Camaçari (BA), onde produz os modelos EcoSport e Ka; Taubaté (SP), que produz motores; e Horizonte (CE), onde são montados os jipes da marca Troller.
Serão mantidos no Brasil a sede administrativa da montadora na América do Sul, em São Paulo, o centro de desenvolvimento de produto, na Bahia, e o campo de provas de Tatuí (SP). Questionada sobre o total de demissões, a companhia afirmou que 5 mil funcionários serão impactados no Brasil e na Argentina – no país vizinho, no entanto, as unidades de produção serão mantidas. No entanto, o impacto na economia, quando levados em conta fornecedores e terceirizados, deve ser bem mais significativo, apontam fontes do setor.
A produção será encerrada imediatamente em Camaçari e Taubaté, mantendo-se apenas a fabricação de peças por alguns meses para garantir disponibilidade dos estoques de pós-venda. A fábrica da Troller em Horizonte continuará operando até o quarto trimestre de 2021.
Perdas acima do mercado
A Ford, assim como todo o setor automotivo, vem enfrentando fortes quedas nas vendas no Brasil. As perdas da montadora têm sido ainda piores do que a média do mercado. No acumulado de 2020, de acordo com a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), a fatia da montadora americana era de 7,14%, atrás de General Motors, Fiat, Volkswagen e Hyundai, considerados os automóveis e comerciais leves.
Em 2020, foram emplacados cerca de 2 milhões de carros, conforme dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). A Ford foi responsável por 118,4 mil, considerando apenas os automóveis, uma queda 39,7% em relação a 2019, quando o total chegou a 196,3 mil unidades. O Ford Ka foi o sexto modelo mais vendido non Brasil no ano passado. Em 2019, ele ocupou a segunda posição, segundo dados da Fenabrave.
Em comunicado, a Ford informa que tomou a decisão após anos de perdas significativas no Brasil. A multinacional americana acrescenta que a pandemia agravou o quadro de ociosidade e redução de vendas na indústria. “A Ford está presente há mais de um século na América do Sul e no Brasil e sabemos que essas são ações muito difíceis, mas necessárias, para a criação de um negócio saudável e sustentável”, afirmou, em nota, Jim Farley, presidente da Ford.
Modelos descontinuados
As vendas do EcoSport e do Ka serão encerradas assim que terminarem os estoques. A empresa informa que vai trabalhar “imediatamente” em colaboração com os sindicatos e outros parceiros no desenvolvimento de um plano “justo e equilibrado” para minimizar os impactos do encerramento da produção. Primeira indústria automobilística a se instalar no Brasil, a Ford está no Brasil desde 1919.
A decisão de fechar as linhas de manufaturas brasileiras segue uma reestruturação dos negócios na América do Sul. A montadora diz que seguirá importando no Brasil utilitários esportivos, picapes, como a Ranger, e veículos comerciais de fábricas da Argentina, Uruguai e outras origens, mantendo “assistência total” ao consumidor brasileiro com operações de vendas, serviços, peças de reposição e garantia. Informou ainda que planeja acelerar o lançamento de diversos novos modelos conectados e eletrificados.
Saída custará US$ 4,1 bilhões
A decisão da Ford de encerrar a produção no Brasil terá impacto financeiro de aproximadamente US$ 4,1 bilhões em despesas não recorrentes, conforme informação divulgada pela montadora no anúncio de fechamento de três fábricas no País.
Do total, cerca de US$ 2,5 bilhões terão impacto direto no caixa do grupo americano, sendo, em sua maioria, relacionados a compensações, rescisões, acordos e outros pagamentos. Outros US$ 1,6 bilhão decorrem de impacto contábil atribuído à baixa de créditos fiscais, depreciação acelerada e amortização de ativos fixos.
No anúncio da decisão, Lyle Watters, presidente da Ford na América do Sul, destacou que, após reduzir custos em “todos os aspectos do negócio” e encerrar produtos não lucrativos, incluindo o fim da produção de caminhões, o ambiente econômico desfavorável, agravado pela pandemia, deixou claro que seria necessário “muito mais” para dar sustentabilidade e rentabilidade à operação.
Empresa vinha ficando para trás da concorrência
O sócio-líder de indústria e mercado automotivo da KPMG no Brasil, Ricardo Bacellar, avaliou que a decisão da Ford de sair do Brasil decorre de uma série de fatores, começando pelo aumento da concorrência, que comprometeu as suas margens de rentabilidade, situação que a pandemia ajudou a deteriorar. A necessidade de quarentena, que no período mais rígido fechou concessionárias, obrigou as montadoras a correram para acelerar os investimentos em digitalização, algo que não foi acompanhado pela Ford.
“Ela acabou afastando os clientes. Várias montadoras optaram pelos lançamentos rápidos, para lançar em seus canais digitais. Houve uma necessidade de investir muito”, comenta Bacellar. “A Ford já não vinha apresentando resultados muito felizes no Brasil há alguns anos, algo que se acalorou em 2019, quando decidiu fechar sua fábrica de caminhões para alocar investimentos na China. Agora, com linhas de receitas afetadas, tomaram uma decisão mais energética.
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