A Operação Custo Brasil, desdobramento da Lava Jato, investiga lavagem de dinheiro e sonegação fiscal em negócios do segundo maior fornecedor da campanha da presidente afastada Dilma Rousseff, reeleita há quase dois anos. Relatório da Receita Federal repassado à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal revela que, entre 2010 e 2014, uma das empresas de Carlos Roberto Cortegoso, a CRLS Consultoria e Eventos, movimentou quase R$ 50 milhões, de créditos e débitos, um quinto do valor declarado de receita bruta no período. As informações são de Ricardo Brandt, Fausto Macedo, Julia Affonso, Mateus Coutinho e Fábio Serapião no estadão.
Os investigadores suspeitam de contabilidade “atípica” e caixa 2 com recursos provenientes do PT e de esquemas de propinas na Petrobrás e no Ministério do Planejamento. “A CRLS, segundo a Receita Federal, movimentou em suas contas cerca de R$ 25 milhões de entrada (crédito) e R$ 24 milhões de saída, mas declarou receita bruta de menos de R$ 10 milhões”, afirmam procuradores da República da Custo Brasil.
Cortegoso é proprietário da CRLS e da Focal Confecções e Comunicação Visual, que recebeu R$ 25 milhões na última campanha de Dilma e ficou atrás apenas do publicitário João Santana (R$ 70 milhões), preso preventivamente, em Curitiba, na Lava Jato. Ambas ficam em São Bernardo do Campo, no ABC paulista.
No fim dos anos 1990, Cortegoso montou uma empresa de produção de camisetas e material de campanha. Com a chegada do PT ao Palácio do Planalto, em 2003, o negócio cresceu rapidamente e ele virou o principal fornecedor do partido. Desde a disputa de reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, ele virou o principal fornecedor de estruturas de palanques e materiais de campanha, como faixas, placas e banners. O empresário é conhecido como “garçom de Lula” por ter trabalhado em restaurante onde sindicalistas petistas se encontravam.
“A referida empresa é uma produtora, que fazia eventos para o PT, e que tinha créditos com o PT. Cortegoso teve evolução patrimonial bastante rápida, tendo sido garçom e atualmente teria até mesmo avião em seu nome”, afirmou a Procuradoria da República.
Campanha. Embora a CRLS não conste da prestação de contas da campanha de Dilma, a empresa atuou por intermédio da Focal. Investigadores da Custo Brasil e da Lava Jato verificaram que as duas empresas integram um mesmo negócio. Elas compartilham equipamentos e movimentam recursos, mostram relatórios da Receita Federal e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Documento da Custo Brasil sobre contas de Cortegoso e das empresas registra ocorrências suspeitas como depósitos e saques em espécie “que apresentam atipicidade em relação à atividade econômica”, “movimentação de recursos incompatível com o patrimônio” e “movimentação de recursos de alto valor, de forma contumaz, em benefício de terceiros”.
A CLRS também não repartiu dividendos com os sócios, com exceção de 2011, quando houve uma distribuição de R$ 300 mil. Nem os valores ficaram nas contas analisadas pela Receita Federal.
Com as transações financeiras entre as duas empresas, a força-tarefa suspeita que propina tenha transitado por suas contas. Parte dos valores movimentos na CLRS, que apontam indícios de ocultação de origem, é de 2014. Naquele ano, a empresa registrou R$ 9,3 milhões de entrada e R$ 8,5 milhões de saída, mas declarou receita bruta de R$ 2,5 milhões.
Em um trabalho conjunto, investigadores da Lava Jato e da Custo Brasil apuram qual a origem dessas entradas nas contas bancárias e onde foi parar o dinheiro. A força-tarefa busca provas de que pagamentos de fornecedores de campanhas do PT serviram para ocultar propinas – um risco para a campanha de reeleição de Dilma.
Parceria. Os pagamentos da campanha são investigados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para o ministro Gilmar Mendes, há “indicativos” de que o PT e a candidatura presidencial foram financiados por propina desviada da Petrobrás. A Focal é uma das empresas que passam por perícia técnica por suspeita de incompatibilidade entre os serviços ofertados e a estrutura existente.
A Focal, que atualmente presta serviços milionários para o PT, foi aberta em 2005 e tem sede em um galpão. Ela sucedeu a Ponto Focal, usada até aquele ano para prestar serviços ao partido. A CRLS, alvo principal da Custo Brasil, foi aberta em 2009, um ano antes de Cortegoso comprar sete imóveis do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Lula, preso pela Lava Jato por tomar empréstimo de R$ 12 milhões para o PT, em 2004. A transação também está sob investigação.
A Focal está registrada em nome da filha e de um funcionário de Cortegoso, e a CRLS, atualmente em nome de Cortegoso e sua mulher. A relação do empresário com o PT tem mais de 20 anos e deslanchou após Lula assumir a Presidência em 2003. Os negócios suspeitos com o partido surgiram em 2005, quando Cortegoso e a Focal foram citados pelo publicitário Marcos Valério na CPI dos Correios como destinatários de dinheiro de caixa 2 do mensalão. Os membros da comissão concluíram que a empresa do “garçom de Lula” teria recebido R$ 300 mil do esquema de caixa 2.
Mesmo alçado ao centro do – até então – maior escândalo do PT, Cortegoso não teve problemas para continuar como fornecedor do partido. Em 2006, na campanha à reeleição de Lula pagou R$ 3,9 milhões à Focal. Quatro anos depois, na primeira campanha de Dilma, os gastos do partido com a empresa quase quadruplicaram, chegaram a R$ 14,5 milhões.
Custo Brasil. Na Custo Brasil, que apura desvio de até R$ 100 milhões de recursos de consignados de servidores federais entre 2010 e 2015, a CRLS é citada por ter recebido, a pedido do ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto, R$ 309 mil da Consist Software, responsável por gerenciar os contratos no Ministério do Planejamento.
A empresa foi alvo de buscas ordenada pela 6.ª Vara Federal Criminal de São Paulo no dia 23 de junho. Policiais federais vasculharam os imóveis do “garçom de Lula” e da CRLS e recolheram computadores, celulares e documentos com o objetivo de expandir a investigação sobre os negócios de Cortegoso.
A ação já era esperada por Cortegoso, que revelou em conversas com amigos que previa problemas, após a prisão do ex-vereador do PT Alexandre Romano, pela Lava Jato, em agosto de 2015. Em delação premiada, o petista confessou à Procuradoria da República que Vaccari indicou a CRLS como destinatária de valores do PT. Um dos donos da Consist confirmou à PF que não conhecia a empresa de Cortegoso, apesar das notas emitidas.
“Num primeiro momento era a CRLS, representada pelo Cortegoso, que realizava os pagamentos emitindo notas contra a Consist. Num segundo momento, era a empresa Politec, representada pelo Helio Oliveira, que realizava o pagamento. E, por fim, num terceiro momento era a Jamp, representada pelo Miltom Pascowitch”, afirmou Romano em um de seus termos de delação.
O delator contou que Cortegoso é conhecido como “Carlão” e “aparentava ser uma pessoa simples”. “Carlão conversava abertamente que tinha sido garçom, mas que tinha aberto essa empresa para atender o PT e que ele fazia todos os eventos do PT. Carlão ficava sempre credor do PT.”
Patrimônio pessoal. A movimentação financeira de Cortegoso, como pessoa física, também é suspeita. “A movimentação de Carlos Cortegoso chama a atenção por ser, em muitos casos 69 vezes maior do que o valor de seus rendimentos declarados. Além disso, apresenta uma variação patrimonial descoberta”, registra representação da Polícia Federal, nos autos da Custo Brasil, feito com base na quebra do sigilo do investigado feita pela Receita Federal.
A Procuradoria afirma, no pedido de buscas nos endereços de Cortegoso, que “embora tenha declarado renda de 10 mil reais por mês, movimentou R$ 1.450.199,00 em uma ano em sua conta”.
O documento mostra que nos anos de 2010, 2012, 2013 e 2014 a movimentação financeira de Cortegoso foi muito superior aos rendimentos declarados (veja tabela anexada a documento da da PF).
Bumlai. Além dos valores movimentados em conta pessoa, a força-tarefa coloca sob suspeita operação imobiliária de Cortegoso com dois amigos de Lula, Bumlai e a família Demarchi, de São Bernardo do Campo, donos do restaurante São Judas, que era espaço de encontros dos petistas na época de lutas sindicais no ABC.
Documento da Receita informa ainda que entre 2010 e 2012 Cortegoso transacionou sete imóveis com o pecuarista. Os imóveis foram repassados a Bumlai em uma operação de “dação”, por suposta dívida dos Demarchi com um banco assumidas pelo pecuarista.
Os terrenos depois foram vendidos para Cortegoso sem qualquer lucro. Para adquirir os imóveis, o “garçom de Lula” usou a CRLS Consultoria e Eventos – que tem movimentação financeira atípica.
“A CRLS transacionou um conjunto de imóveis em São Bernardo do Campo, entre 2010 e 2012, com pessoas investigadas na ‘Operação Lava Jato’”, informa a Receita Federal.
“A Receita Federal informou que Carlos Roberto Cortegoso adquiriu diversos imóveis de José Carlos Costa Marques Bumlai e os revendeu posteriormente”, registra a Procuradoria, no pedido de prisão da Custo Brasil.
Um dos imóveis foi vendido por R$ 4 milhões.
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