editorial da Folha de S.Paulo
Trilhos tortos
Relatório interno do Ministério dos Transportes, ao qual a reportagem desta Folha teve acesso, aponta novos e graves problemas na ferrovia Norte-Sul. Pelo menos 855 quilômetros da via (de um total de 3.100 km) teriam sido construídos com trilhos de baixa resistência, que já consumiram R$ 470 milhões em recursos públicos.
O material, importado da China a partir de 2007, apresenta, segundo técnicos, “baixa dureza” –com partes que se desgastam e sinais de trincamento. De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), a Valec, estatal responsável pela obra, foi omissa ao não verificar se o produto apresentava as características exigidas em contrato.
Não é demais lembrar que em 2011 a presidente Dilma Rousseff, em meio à “faxina” que se viu compelida a promover na pasta dos Transportes, havia afastado o presidente da empresa, José Francisco das Neves, sob suspeita de enriquecimento ilícito.
O caso tem ramificações que sugerem favorecimento político. Os trilhos foram adquiridos e fornecidos à Valec pela Dismaf, vitoriosa em duas licitações. A empresa, de Brasília, pertence aos irmãos Basile e Alexandre Pantazis, ex-militantes do PTB, ligados ao senador Gim Argello (DF), da mesma sigla.
Licitada em 1987, durante a presidência de José Sarney, a ferrovia Norte-Sul já nasceu torta. A concorrência para as obras, como expôs reportagem do colunista Janio de Freitas, foi fraudulenta. Os nomes dos vencedores divulgados pelo governo haviam sido publicados com antecipação, de maneira cifrada, pela Folha.
A anulação da concorrência não bastou para colocar nos trilhos o empreendimento, que já consumiu mais de R$ 8 bilhões do erário. No ano passado, a mesma Valec, que havia comandado a disputa pública na década de 1980, foi apontada por laudos da Polícia Federal como suspeita de superfaturamento em obras da ferrovia.
O episódio dos trilhos que ora se noticia é apenas mais um a evidenciar que o velho vício do tráfico de influência e da apropriação da máquina pública por interesses privados continua a marcar a cultura política do país.
Quanto a isso, a atuação do PT em dez anos de governo federal serviu mais para perpetuar do que para remediar os problemas tradicionais. Bastaria, aliás, para demonstrá-lo, mencionar o julgamento do mensalão e o desastroso aparelhamento da Petrobras.
Um modus operandi no Brasil que não é novidade!