Faltam 45 mil vagas em creches de Curitiba
Levantamento do Ministério Público do Paraná foi feito nos Conselhos Tutelares. Prefeitura contesta número
Está no artigo 54, inciso IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): é dever do Estado assegurar à criança de zero a 6 anos de idade atendimento em creche e pré-escola. Na prática, contudo, o direito é violado insistentemente. De acordo com o Ministério Público do Paraná (MP-PR), em 2004, havia 33 mil crianças sem creche em Curitiba. Segundo o MP-PR, hoje este número gira entre 40 a 45 mil, um aumento de, no mínimo, 21%. O levantamento foi feito pelo próprio MP-PR junto aos Conselhos Tutelares.
A prefeitura de Curitiba contesta e apresenta outros números. De acordo com o levantamento de 2005, o último disponível, o cadastro de fila de espera está em 10 mil crianças. Contudo, segundo a prefeitura, podem haver cadastros duplos e até triplos (pais que procuram mais de uma unidade), o que faz com que o déficit real seja inferior às 10 mil vagas. A prefeitura pretende finalizar um novo levantamento no segundo semestre deste ano, que deve mostrar qual é o real tamanho da fila e a verdadeira demanda. Estão sendo avaliados quesitos como idade, renda e trabalho, para certificar-se da necessidade da família.
Desde 2005, de acordo com a prefeitura, vem se trabalhando para se diminuir as listas de espera por creches em Curitiba. De acordo com a assessoria de imprensa do município, hoje são 36,7 mil crianças de quatro meses a 5 anos matriculadas nos chamados Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI’s) ou em unidades conveniadas. Nos últimos três anos foram criadas 7,1 mil vagas com a construção de 19 novas creches e a reforma e ampliação de outras 140. Até o fim do ano, a meta é fazer com que esse número chegue em 8,5 mil novas vagas, o equivalente a 85% do déficit de 2005.
“A prefeitura vem trabalhando arduamente para resolver o problema e dar conta da demanda. É um problema nacional. Curitiba tem buscado solucionar e ampliar as vagas”, afirma a diretora do departamento da educação infantil da secretaria municipal de Educação, Ida Regina Moro Milléu de Mendonça. Para o Ministério Público, entretanto, o que está sendo feito não é suficiente. “É pouco, mas não quer dizer que não há nada sendo feito”, afirma o promotor de justiça, Mário Luiz Ramidoff.
O déficit de vagas em creches não é uma questão tão fácil de ser equacionada. O problema é antigo e a demanda não para de crescer. Por ano, nascem em Curitiba 24,3 mil bebês.
O pintor Paulo Ferreira Mota, 20 anos, está em busca de creche para seus dois filhos: Alícia, de 3 anos e cinco meses, e Wallace, de 1 ano e 3 meses. O cadastro de Alícia foi feito pelo pai quando a menina tinha quatro meses de vida. Mesmo assim, nada de vagas até agora. Abandonado pela esposa, há duas semanas Mota deixou de trabalhar para ficar com os filhos. “Era ela quem cuidava das crianças. Eu preciso voltar ao trabalho na terça-feira e não sei o que fazer.” Segundo ele, com o dinheiro que ganha, não teria condições de pagar creche particular para as duas crianças, além de aluguel, condução e alimentação.
A auxiliar de serviços gerais Rosimeri Costa Pereira Rocha, 23 anos, também tem de se virar sozinha com duas crianças. O mais velho, de 7 anos, está na escola, mas para o menor, de 3 anos, não há vagas nas creches que ela procurou. “Estou à espera de vaga desde o começo do ano passado. Minha vizinha fez a solicitação depois de mim e já conseguiu. E ela nem trabalha fora. É decepcionante”, afirma.
O marido de Rosimeri foi embora de casa há cerca de dois anos. Desde então, ela tem de fazer malabarismos para cuidar das crianças e sustentar a casa. “Quando tenho com quem deixar meus filhos, eu posso ir trabalhar. Mas quando não tem ninguém, eu falto”, diz. Segundo a auxiliar de serviços gerais, quem a ajuda de vez em quando e cuida dos meninos é o irmão dela, de 15 anos. “Mas ele estuda e tem trabalhos da escola, nem sempre pode ficar com as crianças”, diz.
O eletricista Edson Luis Amaral, 42 anos, luta por uma vaga em creche para a sua neta, Sarah Eduardo Amaral, de 1 ano e oito meses. De acordo com Edson, no ano passado, quando Sarah nasceu, em agosto, a mãe da menina, de 16 anos, teve de sair da escola para cuidar do bebê. “Minha filha perdeu o ano da escola porque não conseguimos vaga na creche. Recorri ao Conselho Tutelar, que fez os encaminhamentos. Fizemos a representação no Ministério Público e não tivemos nenhuma resposta. Eu fiquei revoltado de ver a filha da gente ter de sair da escola. São duas crianças que estão sendo afetadas”, afirma.
Neste ano, eles não abriram mão. A adolescente voltou à escola e também está fazendo estágio, mas como ainda não conseguiram vaga em creche para Sarah, a avó da criança, Sandra Maia de Amaral, 42 anos, deixou o emprego de empregada doméstica para ficar responsável pelos cuidados da neta. “Para a minha filha não perder o ano letivo de novo, minha esposa teve de sair do trabalho para cuidar da neta. São R$ 500 a menos no orçamento familiar, nossas contas estão todas atrasadas. É uma situação de impotência total. O governo teria de prover isso. A gente fica abandonado”, diz.
Pais apelam aos Conselhos Tutelares
As histórias que envolvem as famílias em busca de uma vaga em uma creche sensibilizam os conselheiros tutelares. Relatos de mães que chegam chorando, não são incomuns. “A mãe chega desesperada, porque precisa trabalhar e não tem vaga na creche para o fi-lho. Ela acaba deixando com uma pessoa que cuida de várias crianças. Mas, só cuida, não tem um trabalho educativo”, afirma a conselheira tutelar do Boqueirão, Eloisa Siqueira Lima.
Há quem não tenha alternativa. “Famílias em maior grau de vulnerabilidade levam os filhos juntos nos carrinhos de reciclagem e há casos em que encontramos os pequenos sozinhos em casa, com uma criança de dez anos faltando à escola para cuidar do irmão de dois anos. Você vai verificar depois no sistema e vê que é uma mãe que tentou, mas não conseguiu vaga em creche”, relata o conselheiro tutelar da CIC, Marcos Serafim Furtado.
Quando não se consegue uma vaga diretamente na creche, a saída é procurar os Conselhos Tutelares. Eles fazem um pedido oficial à Secretaria Municipal de Educação. Em caso de negativa, entra-se com uma representação no Ministério Público. “Mesmo assim, não temos muito retorno”, explica Furtado. O déficit de vagas em creches é maior nos bairros da região Sul da cidade, nas regionais Boqueirão, Pinheirinho, Bairro Novo e no bairro CIC.
Segundo a conselheira tutelar Elenize de Fátima Borme Gonçalves, a regional do Bairro Novo ganhou duas novas unidades de creche, os chamados Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI). Contudo, ainda faltam 480 vagas solicitadas no Conselho Tutelar do Bairro Novo.
As listas de espera de cada CMEI também são sempre muito grandes. Segundo Elenize, extra-oficialmente, sabe-se que em um único CMEI há uma lista de espera de 400 crianças. “Nem todos os pais que procuram as creches vão até os conselhos tutelares”, explica.
No Conselho Tutelar da CIC, cerca de 650 crianças aguardam uma vaga em uma creche. Mas, mais uma vez, este número não representa o déficit do bairro. “Nós percebemos que aqueles que vêm ao conselho são minoria. Quando vêm, é por um situação de desespero”, conta Furtado.
No Pinheirinho, 650 solicitações de vagas foram feitas diretamente ao Conselho Tutelar. “As mães vêm aqui e choram. Não têm como sair do emprego, senão não têm como pagar aluguel ou prestação. Essas crianças ficam na rua, com o vizinho”, conta a conselheira tutelar Cecília de Souza Lima. A regional conta com 21 CMEI’s. Cecília calcula que seriam necessários cerca de 15 novos CMEI’s para atender toda a demanda da região. (TC)
Defasagem
O tamanho da fila de crianças à espera por uma vaga nas creches públicas em Curitiba é incerto. Há dados diferentes entre a prefeitura e o MP:
Matriculadas
36,7 mil crianças estão matriculadas em creches municipais, unidades conveniadas e pré-escolas municipais em Curitiba.
Oferta
162 creches municipais são destinadas ao atendimento de crianças de 4 meses a 5 anos.
Pré-escola
172 escolas municipais fazem o atendimento a partir dos 5 anos.
Fila da prefeitura
10 mil cadastros com pedidos para vagas em creches foram contabilizados pela prefeitura em 2005. Há registros duplos e até triplos. O número não demonstrava o real déficit.
Fila do MP
40 a 45 mil é déficit de vagas em creches em Curitiba estimado pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR), em levantamento feito junto aos Conselhos Tutelares.
Novas
19 creches foram construídas desde 2005.
Reformas
140 creches foram reformadas ou ampliadas desde 2005.
Novas vagas
7,1 mil novas vagas foram criadas desde 2005. A meta é chegar até o fim de 2008 com 8,5 mil novas vagas.
Horário especial
4 creches funcionam até as 23 horas para atender especialmente filhos de carrinheiros: Vila Torres (Prado Velho), Parolin (Guaíra), Pimpão (Portão) e João Batista Fontana (Guaíra).
Fonte: Prefeitura de Curitiba e MP-PR
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