Após o cancelamento, em Porto Alegre, da exposição “Queer Museu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”, tivemos mais uma polêmica na área cultural, desta vez em São Paulo, com a performance “La Bête”, no Museu de Arte Moderna (MAM). Os casos reacendem os questionamentos se existem, ou devem existir, limites para a liberdade de expressão artística.
É inegável e fundamental que a arte tenha caráter transgressor. Ela esteve presente desde o mais básico rascunho até complexas pinturas e peças, sempre de maneira condizente com a proposta questionadora e provocativa que assume. Porém é necessário pensar em qual o benefício pedagógico, lúdico ou social que ela traz quando expostas a determinados públicos.
Gostar do teor ou formato de determinada expressão artística é uma opinião pessoal e a princípio não geraria muita polêmica, afinal um adulto é capaz de analisar plenamente aquilo que considera arte e o que acha válido para o seu desenvolvimento. A questão que levou as críticas foi a exposição para uma faixa etária que pode não ter a compreensão ou maturidade para entender o contexto ou proposta.
No caso da performance “La Bête”, um vídeo que viralizou nas redes sociais mostra uma criança interagindo com um homem nu com o aval da mãe em uma sessão aberta para todos os públicos. A princípio a proposta não tinha teor de erotização, mas não é possível considerá-la adequada para crianças em fase de desenvolvimento, pois de acordo com especialistas pode gerar confusão na diferenciação entre contato afetivo de um possível abuso ou no reconhecimento da sua intimidade, facilitando sua exposição a uma potencial situação de violência sexual.
Essa preocupação é traduzida em números. Entre 2012 e 2016 foram registrados mais de 175 mil casos de abusos no Brasil, com 67,7% das vítimas sendo meninas e 16,52% meninos. A faixa etária mais atingida é de 0 a 11 anos (40%), seguido de 12 a 14 anos (30%) e 15 a 17 (20,09%), com a maioria dos agressores sendo homens entre 18 a 40 anos (42%) e em 95% das vezes praticado por pessoas conhecidas das crianças.
Nesse sentido acredito que é válido verificar a legislação para que, assim como acontece com peças de teatro e cinema, exposições de arte também passem a contar com classificação indicativa. É importante salientar que a única classificação restritiva é de 18 anos, que mesmo com a aprovação de responsáveis não permite que menores da idade indicada tenham acesso. No resto, ela atua como um apoio para que as famílias tenham domínio do teor que irão encontrar em determinadas obras.
A liberdade artística deve existir sempre, mas temos que buscar caminhos que venham a garantir que sejam expostas para faixas etárias que possuam maturidade para compreender a proposta e significados presentes. Isso asseguraria uma experiência de maior qualidade, fortaleceria o desenvolvimento saudável de públicos específicos e potencializaria a expressiva capacidade de contribuição social que a arte possui.
Marcello Richa é presidente do Instituto Teotônio Vilela do Paraná (ITV-PR)
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