Voltar atrás na questão da prisão após condenação em 2ª instância incentiva esquemas de corrupção
Luís Roberto Barros e Rogerio Schietti
Processos –cíveis ou criminais– deveriam demorar seis meses, um ano. Um ano e meio quando muito complexos. No entanto, acostumamo-nos com um patamar muito ruim de celeridade, em que os casos levam 3, 5, 10, 20 anos até serem concluídos. O Judiciário passou a ser o refúgio de quem não tem razão, porque no mínimo se consegue adiar por muitos anos qualquer responsabilização. Esse atraso tem custo social, econômico e moral.
O sistema penal brasileiro, por sua vez, é extremamente disfuncional. A sociedade tem duas grandes aflições: violência e corrupção. Porém, mais da metade dos 726 mil internos estão nas nossas tétricas penitenciárias por crimes não violentos. Quase 30% estão lá por delitos punidos pela Lei de Drogas. Geralmente são presos em flagrante e permanecem presos desde antes da decisão de primeiro grau. Com essas pessoas, o sistema é bem duro.
Já os presos por corrupção e delitos afins correspondem a menos de 1% do total. Criminosos do colarinho branco, que só na aparência não são violentos –muita gente morre e adoece por conta dos dinheiros desviados–, utilizam sucessivos recursos, adiando o julgamento definitivo, o que, não raro, leva à prescrição. Com essas pessoas, o sistema é bem manso.
Em 2016, por três vezes, o Supremo Tribunal Federal deu um importante passo para mudar esse quadro. E, assim, passou a permitir a execução da pena após a decisão de segundo grau. Como é em quase todo o mundo.
Há quem se oponha a esse entendimento e defenda que se deva aguardar o julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), na crença de que assim se evitaria uma grande quantidade de erros judiciários. Porém, pesquisa desenvolvida a pedido do primeiro autor deste texto, coordenada pelo segundo autor e executada pela Coordenadoria de Gestão da Informação do STJ, revela que a preocupação não se justifica. Todos têm direito à própria opinião. Mas eis os fatos.
O percentual de absolvição em todos os recursos julgados pelo STJ no período de dois anos, entre 1/9/2015 e 31/8/2017, foi de menos de 1%. Para ser exato, foi de 0,62%. Outro dado a ser considerado: 1,02% das decisões importou na substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos. Isso é, o réu foi condenado, mas recebeu o benefício de não ir preso.
A soma dos percentuais de absolvição e de substituição de pena é de 1,64%, revelando o baixo número de decisões reformadas que produzem impacto sobre a liberdade dos condenados. E, mediante habeas corpus ou medida cautelar, é possível ao STJ e ao STF suspender o início do cumprimento da pena quando vislumbre possibilidade relevante de reforma da decisão. Ou seja: os réus jamais serão impedidos de continuar a pedir que os tribunais superiores reexaminem todas as questões jurídicas que considerem merecedoras de nova decisão.
Diante desses dados, é ilógico moldar o sistema em função da exceção, e não da regra. Veja-se que os demais casos de acolhimento de recursos da defesa envolvem prescrição (0,76%), diminuição de pena (6,51%) e alteração de regime prisional (4,57%).
Em suma: voltar atrás nessa matéria traz pouco benefício para a Justiça e grande incentivo à continuidade dos esquemas de corrupção, já que a redução do risco de ser punido manterá a atratividade do crime e trará desestímulo à colaboração com a Justiça.
Em vez de incentivar empreendedores honestos, o sistema continuará a favorecer quem transgride as leis penais.
Luís Roberto Barroso, professor-titular de direito constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), é ministro do Supremo Tribunal Federal
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