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Ex-ruiva, Kate Nash cansou de ser fofa e virou defensora do Pussy Riot

Adriana Küchler
Folha de S. Paulo

Em tempos de engajamento antipreconceito e antipreços exorbitantes, Kate Nash vem bem a calhar. Há seis anos, a graciosa inglesinha chegou ao topo das paradas britânicas com “Made of Bricks”, seu primeiro álbum, repleto de canções pop com letras confessionais. Mas hoje, aos 25, cansou de ser fofa, virou militante da causa feminista e está toda contente porque vai fazer um show gratuito em São Paulo.

“As coisas estão muito caras, os preços estão fora de controle. Então, é muito legal poder tocar em um evento de graça, em que todo mundo pode participar”, diz Kate à Serafina, como se já estivesse engajada em um movimento na linha do BoicotaSP.

Kate faz show em junho, no Memorial da América Latina, como parte da programação do Cultura Inglesa Festival. Uma semana depois, ela se apresenta no Glastonbury, um dos principais festivais do mundo.

A Kate que vem agora ao Brasil é bem diferente da Kate lá do começoou da que veio ao Brasil dois anos atrás. No início, ela surgiu na esteira de outro fenômeno pop britânico, Lily Allen.

As duas eram cantoras-compositoras, de Londres, que faziam crônicas de amores duvidosos e que se lançaram no mundo pop pela internet, mais especificamente via MySpace. E frequentaram a escola de toda cantora inglesa que se preze, a Brit School – que pariu, além delas, Amy Winehouse e Adele.

Kate lançou hits, como “Foundations”, “Do-Wah-Doo” e “Kiss that Grrrl”, e o sucesso foi bom enquanto durou. Até que ela mudou. Como tantas mulheres por aí, começou a mudança radical em sua vida pela parte mais fácil, o cabelo -e deixou as mechas ruivas, sua marca registrada, para trás.

“Cansei de ser ruiva, passei por uma fase pessoal muito difícil [que incluiu a morte de um grande amigo e o fim de um relacionamento] e precisava de uma nova identidade. Vi o filme ‘The Fabulous Stains’ (sobre adolescentes “punk rockers” nos anos 1980), e a personagem principal virou minha heroína. Eu queria tanto ser ela que mudei meu cabelo para ficar igual”, conta a cantora, hoje dona de uma cabeleira meio preta, meio loira. “Acho que o novo visual combina com a mudança na minha música e na minha atitude.”

VAGINA LIVRE

As mudanças na música custaram a Kate o contrato com sua gravadora. Para manter a nova influência punk, que a empresa queria enxugar, ela teve que pular fora do sistema e acaba de lançar o terceiro álbum, “Girl Talk”, pelo próprio selo, o Have 10p Records.

E levou a vocação punk às últimas consequências: financiou o álbum com doações de fãs, através da nova modalidade de vaquinha virtual (“crowdfunding” para os modernos). No CD, a moça mistura gritos e fofuras em suas letras, sempre íntimas e pessoais. Fazem parte do novo repertório “Free My Pussy” (algo como liberte a minha vagina) e “I’m a Feminist, You’re Still a Whore” (eu sou uma feminista, você ainda é uma puta). Livre das gravadoras, ela pode usar suas composições para divulgar as causas que defende. E são muitas as causas de Kate.

É defensora ferrenha do Pussy Riot (coletivo feminista-punk-rock da Rússia). Com uma barraquinha própria, já coletou doações para os desabrigados pelos conflitos de rua em Londres. Recentemente, fez um manifesto pró-bebês focas canadenses em seu blog.

E ainda defende as mulheres no poder da música. Além de comandar uma banda só de garotas,criou um projeto de nome pomposo, o “Kate Nash Rock’n’Roll for Girls After-School Music Club” (clube da Kate Nash de rock’n’roll pós-escola para garotas), para estimular meninas a compor e a tocar.

A ideia surgiu depois de descobrir que só 14% dos compositores britânicos eram mulheres. “Isso me deixou triste e queria fazer alguma coisa para mudar a situação.”O que ela fez foi ir a escolas, conversar com garotas sobre composição e fazer “sessões” de
instrumentos, como guitarra, baixo, bateria e teclado (Kate toca todos eles). “Um grupo delas fez shows em Londres e foi incrível ver o quanto elas aprenderam, o quanto cresceram.”

O discurso engajado parece bem maduro para a menina de 25 anos que dizia se sentir uma adolescente há até bem pouco tempo. Se antes ela tinha “Buffy, a Caça-Vampiros” como seu grande ícone feminista, hoje ela lista entre suas “ídolas” nomes como Joan Jett, Courtney Love, Kathleen Hanna e Diana Ross.

A cantora diz não ter medo de se desviar do caminho do sucesso. “Não sinto a pressão de chegar onde já estive porque o que está nas paradas, hoje, não tem nada a ver com o que estou fazendo. E não quero mudar minhas ideias artísticas baseada no que é ‘mainstream’.” Em tempos de crise na indústria musical, Kate vem bem a calhar.