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Eu abomino as trevas

Eu abomino as trevas

por Nilson Monteiro

A frase dita ontem pela presidente Dilma – “Não é função da imprensa investigar” – é de um obscurantismo tão brutal que custa a qualquer ser pensante, especialmente se for jornalista, acreditar.

Equivale aos ensinamentos de Golbery do Couto e Silva e decorados por todos seus seguidores durante a ditadura de que estudante era para estudar, sindicalista pra trabalhar, cantor para cantar etc.

Fiquei pasmo. Como devem ter ficado os sindicatos da categoria (a maioria ligada à CUT), os dirigentes da Fenaj, os profissionais que aprenderam que nesta profissão esperar o prato feito equivale a virar ventríloquo.

Fiquei pensando se durante as atrocidades da ditadura, das quais inclusive Dilma foi vítima, os jornalistas deveriam esperar a versão oficial, mansos e cordatos ao que nos contavam as fontes investigadoras. Dilma parece ignorar o papel significativo que tiveram jornais como O Estado de S. Paulo (hoje considerado pelos “justiceiros” como Imprensa Golpista) quando noticiava, mesmo em minúsculas notas, o movimento guerrilheiro no Araguaia, os assassinatos de militantes, em meio a receitas de bolos etc. Será que os jornalistas teriam que esperar os organismos oficiais darem a sua versão para os fatos?

Será que os repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, do Washington Post, teriam que esperar a versão oficial do Watergate e deixar Richard Nixon flanando, sem renunciar em 1974, com as mãos pesadas de culpa?

Será que eu, nos anos 70, trabalhando no jornal Movimento, em São Paulo, não poderia investigar quilos e quilos de documentos que incriminavam Paulo Maluf, então candidato a Presidente e hoje, aliás, aliado de Lula? E as denúncias não poderiam ser publicadas pelo jornal, que o fez em estilo até exagerado?

Será que os repórteres da Gazeta do Povo/RPCTV, autores da série de reportagens “Diários Secretos”, que desvendou irregularidades na Assembleia Legislativa e que gerou 15 condenações, teriam que aguardar as investigações da Policia, do Ministério Público, de quem quer que seja?

Deveriam responder/opinar sobre esta versão do obscurantismo proclamada por Dilma, por exemplo, Élio Gaspari, que escancarou as mazelas da ditadura sem pedir licença, o grande repórter Mauri Konig, o meu amigo Ricardo Kotscho, Caco Barcellos, Joel Guimarães, Palmério Dória, José Antônio Severo, Geneton Moraes Neto, Raimundo Pereira, Tonico Ferreira, Matias Molina, Eliane Catanhede, José Hamilton Ribeiro, Roldão Arruda e outros e tantos. Deveriam também se manifestar a Fenaj, os sindicatos nos Estados e nos municípios, a categoria e a sociedade brasileira.

Eu abomino as trevas!