Tornou-se lugar comum dizer que vivemos uma das maiores crises de refugiados da história. De fato, com 44 mil deslocamentos forçados a cada dia em 2017, fica difícil negar essa premissa. E, pelo quinto ano consecutivo, o número de pessoas forçadas a deixar seu país por causa de perseguição, guerras e abusos dos direitos humanos aumentou.
Ao fim de 2017, atingimos a desoladora marca de 68,5 milhões de seres humanos nessa condição, sendo 25,4 milhões de refugiados que cruzaram uma fronteira internacional em busca de proteção (85% estão em países em mais pobres).
Outros 40 milhões encontram-se deslocados dentro do seu próprio país, enquanto 3,1 milhões aguardam decisão sobre pedidos para serem reconhecidos como refugiados (metade em países pobres).
A solução é política: precisamos de paz e estabilidade. Mas, enquanto não chegamos lá, podemos e devemos fazer a nossa parte. A responsabilidade vai além do poder público e envolve toda a sociedade, em particular os cidadãos.
Leis e políticas públicas voltadas à população refugiada são vitais. Mas são pessoas e comunidades locais acolhendo refugiados que fazem a diferença entre rejeição e inclusão, entre desespero e esperança, entre ser deixado para trás e ter condições de construir um futuro. Compartilhar a responsabilidade pelos refugiados começa aí.
Longe dos grandes conflitos mundiais, o Brasil tem uma postura solidária e aberta com os estrangeiros que buscam um lugar seguro para reconstruir suas vidas com dignidade. Com mais de 10 mil refugiados reconhecidos e mais de 86 mil solicitações de reconhecimento como refugiado em trâmite, o país continua caracterizado por sua enorme hospitalidade, oferecendo acolhida, procedimentos legais e acesso a políticas públicas universais, como saúde e educação.
O deslocamento forçado de venezuelanos é o novo desafio dessa agenda. Por causa da complexa situação socioeconômica e política em seu país, cerca de 1,5 milhão de venezuelanos se moveram para países vizinhos e além. A resposta a essa situação tem sido integral e abrangente.
O poder público atua em favor da população venezuelana de maneira decisiva, com apoio da sociedade, de ONGs e de organismos internacionais –como a agência da ONU para refugiados.
Com isso, os refugiados podem alcançar o que consideramos normal: educação, um lugar para morar, um trabalho, fazer parte da comunidade. Com o tempo, o impacto positivo é enorme, tanto para as famílias de refugiados como para quem os acolhe.
O Brasil não deve se assustar com a chegada de refugiados em seu território. Quem chega traz na bagagem capacidades, conhecimento e um tremendo potencial de integração para seguir adiante. Com o devido apoio, podem contribuir com as comunidades e o país de acolhida.
E é na solidariedade do cidadão comum que encontramos inspiração para trabalhar, enfrentando os intolerantes de plantão.
Essa compaixão se manifesta na doação de roupas e alimentos, na receptividade aos que estão sendo “interiorizados”, na oferta de empregos ou mesmo na disposição de ouvir e confortar quem precisa.
Neste 20 de junho, Dia Mundial dos Refugiados, é hora de reconhecer mais que nunca sua humanidade e desafiar a nós mesmos a apoiá-los, recebendo e os acolhendo em nossas escolas, bairros e locais de trabalho. É assim que a solidariedade começa: com todos nós.
Isabel Marquez – espanhola, formada em direito pelas universidades de Barcelona e Edimburgo e representante do Acnur (alto Comissariado das nações unidas para refugiados) no Brasil desde 2016
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