Marcelo Sakate, Veja
Calote no pagamento de fornecedores de saúde e médicos, levando à suspensão do atendimento a pacientes em hospitais e Unidades de Pronto Atendimento no Rio de Janeiro. Parcelamento do salário do funcionalismo no Distrito Federal e no Rio Grande do Sul, desencadeando greves de trabalhadores em áreas vitais como saúde e segurança pública. Atrasos no pagamento de servidores em Minas Gerais. Corte agressivo de investimentos na expansão do transporte público em São Paulo.
Essas são as consequências visíveis da crise financeira dos governos estaduais. Alguns governadores se eximem de qualquer responsabilidade e põem toda a culpa na recessão duradoura, responsável pela queda na arrecadação tributária. Existe aí uma nesga de verdade. Os administradores estaduais ampliaram rapidamente os gastos nos anos de folga no caixa e, agora, pagam o preço pela falta de providência. Imaginavam que a arrecadação se manteria em trajetória ascendente.
Criaram despesas para além de suas possibilidades e agora se veem na situação constrangedora de não ter caixa para honrar compromissos básicos. Encontram-se em situação similar à de empresas quebradas. A recessão antecipou as dificuldades, mas o desequilíbrio vinha sendo gestado havia algum tempo. “A crise fiscal dos estados era esperada e inevitável, mesmo se o país não estivesse em recessão”, afirma José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). Entre outros problemas, a guerra fiscal fez com que muitos estados abrissem mão de recursos importantes, uma vez que ofereceram isenções com o objetivo de atrair empresas. A crise, é claro, não pode ser desprezada. Em 2015, em todas as unidades da federação, as receitas subiram abaixo da inflação do período – em cinco delas, houve queda na arrecadação. Mas o que a recessão fez foi escancarar o quadro generalizado de desequilíbrio. “Os estados pouco fizeram para aumentar a eficiência da administração pública ou para cortar despesas quando o país crescia”, afirma o consultor Clóvis Panzarini. “Agora, com a crise, ficou mais difícil tomar essas medidas.”
A situação não se tornou ainda mais dramática porque alguns estados aprovaram leis para ter acesso a depósitos judiciais. Foi o que fizeram o Rio de Janeiro, Minas Gerais e o Rio Grande do Sul: eles contabilizaram 10,6 bilhões de reais de depósitos em juízo como receita normal no ano passado. O dinheiro foi utilizado essencialmente para pagar as despesas do dia a dia. A medida foi contestada pela Procuradoria-Geral da República no Supremo Tribunal Federal, com a alegação de que se trata de apropriação de patrimônio alheio, entre outras violações. Afinal, os governos poderão ser obrigados a pagar essas disputas judiciais no futuro. Se isso ocorrer, de onde sairá o dinheiro?
Enquanto perdiam recursos de um lado, os estados multiplicavam despesas de outro. No Rio Grande do Sul, os gastos com benefícios de aposentados e pensionistas é superior ao montante despendido com quem está na ativa. No Rio de Janeiro, o governo prevê pagar 17,8 bilhões de reais com a Previdência neste ano. As contribuições dos trabalhadores só devem render 4,9 bilhões de reais. Isso significa que o estado terá de bancar a diferença de 12,9 bilhões de reais retirando recursos de outras áreas, como saúde e segurança pública. É um desequilíbrio crescente. Sem a adoção de medidas para conter as despesas com a Previdência dos servidores estaduais, a conta ficará cada vez mais no vermelho. Estados que se dispuseram a enfrentar a raiz do problema e a buscar meios para conter o avanço das despesas, com a revisão de contratos com fornecedores e o corte de cargos comissionados, ostentam números mais equilibrados nas contas públicas. É o caso do Espírito Santo e de Santa Catarina.
No geral, as perspectivas não são auspiciosas. Os recursos que entram em caixa são utilizados quase que integralmente para pagar as despesas do dia a dia. Os estados possuem baixíssima capacidade para investir em obras de infraestrutura. Segundo cálculos de Pedro Jucá Maciel, assessor econômico do Senado, em 2015 apenas o equivalente a 2% do orçamento dos estados, na média, podia ser destinado a investimentos. O restante estava todo comprometido com o custeio da máquina, aposentadorias e a dívida. Em 2014, a folga era de 5%. Em 2016, a situação deve ser ainda pior. Mesmo estados que dispõem de mais recursos são obrigados a reduzir o volume destinado a novos projetos. É o caso do estado mais rico da federação, São Paulo. Os investimentos foram reduzidos em um terço no ano passado até agosto, de acordo com os dados recentes mais atualizados. Desde 2014, foram suspensas as obras de expansão de quatro linhas de metrô. Assim, não existem dificuldades como as vistas no Rio. Mas os atrasos comprometem obras que, além de melhorar a vida da população, poderiam incentivar o crescimento econômico.
A presidente Dilma Rousseff contribuiu para a situação financeira precária dos estados ao afrouxar, no primeiro mandato, os limites de endividamento sem assegurar que os novos recursos fossem utilizados de forma produtiva. “O espaço aberto no endividamento serviu para bancar a contratação de mais servidores e conceder aumentos generosos”, diz Afonso, do Ibre. Na avaliação de Jucá Maciel, o eventual socorro da União só faz sentido se for acompanhado de contrapartidas. “Se os estados não restringirem despesas, a ajuda só empurrará o problema por mais algum tempo.”
Deixe um comentário