Transporte coletivo
ESTAÇÃO PENÚRIA
Reportagem percorre linhas de ônibus em diferentes regiões de Curitiba. Os pobres são reféns dos pula-catracas. A classe média reclama da qualidade do serviço
Rosana Félix e José Carlos Fernandes
“F.” usa transporte coletivo todos os dias. Sua linha é a Alferes Poli – que sai da Praça Carlos Gomes e cruza o Parolin. Mas “F.” não entra na conta dos 45% da população de Curitiba que utiliza alguma das 245 linhas da Urbs. Não faz parte dos 900 mil pagantes/dia, nem do quase um milhão de beneficiários da isenção da passagem, como idosos ou carteiros. Sua turma é a dos “invasores” – uma tribo urbana cujas práticas podem levar a pique o sistema de ônibus.
Os invasores são velhos conhecidos dos fiscais e PMs. Eles ficam na fila do ponto, sempre atrás, e esperam todo mundo entrar para então se aninhar na parte da frente do coletivo. É a deixa. A porta fecha, o ônibus arranca e eles pulam a roleta. Há também variações para o tema. No fim da tarde da última terça-feira, quando a Gazeta do Povo fez o percurso da linha Alferes Poli, uma passageira entrou pelos fundos, marcou um banco com sua sacola, e soltou um sonoro “e ai de quem sentar no meu lugar”. Cerca de 50 pessoas assistiram à cena, paralisadas de medo.
Resta observar. Os clandestinos são dependentes químicos em trânsito entre as bocas-de-fumo – nesse caso, as do Parolin. Mas podem ser também mendigos, estudantes. E oportunistas. De tão comum em linhas como a Alferes Poli, Vila Reno e Sabará, a nau de invasores arrasta usuários comuns. Por que, afinal, desembolsariam R$ 1,90 se quase ninguém o faz?
Não é exagero. O motorista Ismael Honorato, 40 anos, há quatro meses na linha Alferes Poli, conta que às vezes o microônibus está lotado, ou seja, com mais de 70 pessoas, mas apenas oito pagaram a tarifa. Houve até quem sugerisse que a catraca fosse retirada, evitando que um profissional como Ismael seja vítima de um outro tipo de perigo – o assalto. Segundo a Polícia Militar, há uma média de 7,5 assaltos por dia nas linhas da Rede Integrada. Já as invasões não têm como ser medidas.
Há apenas indicativos. Ano passado, atrás de números sobre os clandestinos, técnicos da Urbs fizeram uma pequena aferição perto de escolas – onde os pula-catracas se multiplicam feito gremlins. O resultado foi assustador: cerca de mil pessoas por dia invadiam os biarticulados, sem-cerimônia, o equivalente a um a cada 90 pagantes. Isso, numa amostragem rasteira. Para os usuários, é um problema, mas não o maior. Junto com o embarque sem pagar vem o desrespeito aos passageiros. “O pior de tudo é o que a gente vê essas pessoas fazerem. Tem quem use crack aqui. Quem urine. Vi um cara ser espancado do meu lado. É uma tensão. Essa é a pior linha de ônibus do mundo”, protesta o técnico de telefonia Luís Silveira, 46 anos, usuário da linha.
No que é apoiado. “Entra gente armada no ônibus. A gente merecia um pouco mais de atenção”, diz a vendedora Lenir Vilarino, 34. “O motorista é um herói”, comenta a auxiliar de serviços gerais Isabel Rodrigues, 37. Ninguém duvida. No dia da viagem até o Parolin, o condutor Ismael ainda guardava no painel o pedregulho que lhe atiraram horas antes. Um vidro lateral espatifou. O pára-brisa ficou trincado.“É complicado. Se a gente tentar impedir, fica marcado. Tem de fazer vista grossa. É gurizada. Eles dizem que ‘o bagulho é louco’. Virou rotina”, resume. Virou. “F.”, o pula-roleta, sugere ao novo prefeito que melhore o serviço. “Deveria ter bancos mais confortáveis. E ala de fumantes e não-fumantes.”
Rumo ao Jardim Social…
Praça Carlos Gomes, terça-feira à tarde. A tabela do ônibus indica que há um Jardim Social/Batel às 14h12. A fila cresce e nada de ônibus. Quinze minutos depois chega um microônibus, que a Urbs diz que tem capacidade para 70 pessoas, mas que com 30 já fica cheio. O pessoal embarca e nesse momento chega outro coletivo, que ultrapassa o primeiro, atrasado.
E dá-lhe criticar a linha, que sai a cada 16 ou 18 minutos nos horários de pico. “O biarticulado é muito bom. Demora, no máximo, 5 minutinhos. Mas os amarelinhos deixam muito a desejar”, conta a estetecista Dina de Oliveira. O pior, diz ela, é reclamar com o 156 e ouvir que essa linha não precisa de mais veículos porque passa por bairros de gente rica. “Tem muito trabalhador que precisa desse ônibus.”
Nos bancos, os passageiros discutem: “Pego essa linha há 20 anos. Sempre foi muito boa. Agora está péssima”. “O ruim é esse ônibus pequeno.” “Ah, mas o nosso transporte é muito bom, vai em outra cidade para ver.” Sentada, Aneliz Rodrigues conta que tem veículo próprio, mas prefere tomar o coletivo para ir trabalhar. “Não compensa ir de carro. Tem de pagar estacionamento. O ônibus é um conforto. Só acho que os motoristas deveriam ser melhor treinados.”
Os outros passageiros dizem que não têm opção. Tânia Feitoza pega a linha pelo menos quatro vezes por semana. “Pego em vários horários e é sempre ruim. Ou está muito cheio ou atrasa muito.” O ônibus realmente fica lotado no trecho entre a Dr. Pedrosa e o Alto da XV. Antes ou depois disso, o motorista viaja quase só. E o microônibus, enfim, fica de bom tamanho.
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