Arquivos

Categorias

‘Está na hora de rever o Mercosul’, diz ministra da Agricultura de Bolsonaro

Indicada pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro , para ficar à frente do Ministério da Agricultura a partir de janeiro, a deputada Tereza Cristina disse que o Brasil precisa rever os acordos estabelecidos pelo Mercosul, especialmente nas negociações envolvendo produtos da agropecuária. Ela disse que o país deve deixar o bloco, caso as condições continuem desvantajosas, e defendeu o aprofundamento das relações comerciais com a China. Na sede da Frente Parlamentar Agropecuária, da qual é presidente, ela sustentou que moradores de áreas rurais precisam ter armas em casa, por uma questão de segurança. E pontuou que novas áreas podem ser desmatadas, especialmente no chamado Matopiba (nova fronteira agrícola entre o Maranhão, o Tocantins, o Piauí e a Bahia), desde que o código florestal seja respeitado. As informações são de Catarina Alencastro, Eduardo Bresciani e Eliane Oliveira n’O Globo.

Como será sua convivência com o Ministério do Meio Ambiente?
É uma área que a gente tem que desmistificar. Nós temos um código florestal que é uma joia da coroa e, às vezes, queremos legislar contra ele. Isso não pode. Se o Ministério do Meio Ambiente assumir o código florestal votado pelo Congresso e referendado pelo Supremo, não haverá problema nenhum.

É preciso desmatar novas áreas para ampliar a produção agropecuária?
Eu acho que tem algumas novas fronteiras em que talvez precise, mas dentro do código florestal. Temos lá o Matopiba (área entre o Maranhão, o Tocantins, o Piauí e a Bahia) começando, e é uma nova fronteira. Quando está no código que em determinados biomas você pode utilizar 80% (do terreno), em outros 50% e em outros 20%, por que tem que impedir essa pessoa chegando agora nessas fronteiras agrícolas? Custa muito caro desmatar. Ela vai precisar usar tecnologia, ver se dá resultado e cumprir todos os requisitos do código e as licenças pedidas. Hoje, quem for abrir áreas novas tem que ser dentro da legalidade.

Há excesso de multas ambientais?
Eu acho. Fico com muita pena, principalmente, dos pequenos. Porque o grande produtor, quando faz, ou ele faz certo, ou ele não faz porque não quer fazer. Mas o pequeno, às vezes, não tem noção. Tem um assentamento com produtores de 15, 20 hectares, que estavam recebendo multas de R$ 14 mil, R$ 15 mil. Eles não conseguem pagar isso. Por quê? Eles não têm noção de que para arrancar uma árvore esparsa é preciso requerer alguma licença. Antes de você ir ao campo e multar, é preciso explicar o que está acontecendo, dar uma notificação e, se depois ele incorrer de novo, haverá uma infração. Há abusos e excessos. Tem muitas multas descabidas.

Que mercados internacionais são prioritários?
A China, hoje, é um grande mercado. Vai colocar, nos próximos anos, 300 milhões de pessoas na classe média, o correspondente a um Brasil e meio. Essas pessoas passam a ganhar mais e consomem mais proteína animal, adicionam carne à sua alimentação. Também tem a Indonésia, com 320 milhões de pessoas, a Índia, que tem uma agricultura familiar fortíssima, mas que também tem poluição e outros problemas. Uma hora dessas eles também vão precisar. O Irã, hoje, é o quarto ou quinto país que mais importa do Brasil. Mesmo com todas as sanções, importa mais de R$ 2 bilhões e ainda entra muita coisa pela Arábia Saudita, o que leva a crer que a balança comercial do Brasil com o Irã pode ter um superávit acima de R$ 4 bilhões.

A senhora pretende pedir ao presidente eleito para não fazer a transferência da embaixada em Israel?
O diálogo é válido para tudo. O futuro embaixador (Ernesto Araújo) conhece isso, pois deve ter os números de nossa balança comercial com o mundo árabe, o mundo muçulmano, e pode mostrar quanto custa isso. Mas, se a questão da embaixada é o ponto focal do presidente, teremos de pensar em como fazer isso sem causar estrago. Vamos apresentar os números, e a decisão final é do presidente.

O Brasil deve permanecer no Acordo de Paris?
Sou a favor. O Brasil cumpre quase tudo do Acordo de Paris.

E qual a sua visão sobre o Mercosul?
O Mercosul, para o Brasil, é desigual, principalmente para os produtos da agropecuária. Estamos com problemas por causa do leite, que entra no país e causa prejuízos, principalmente, para os pequenos produtores. Tem também o problema do arroz, que é seríssimo. O mundo hoje é muito rápido e dinâmico. Está na hora de sentar e rever o Mercosul. Sem deixar o protagonismo do Brasil e sem deixar de ter esse relacionamento com os nossos vizinhos, mas fazendo um acordo, talvez, mais moderno e melhor.

Mudar o quê? Alíquotas dentro do bloco, por exemplo?
Com certeza. A gente precisa sentar e ver os interesses. Ou o Brasil tenta fortalecer o Mercosul e dizer o que quer, ou então ele sai, num caso extremo. Mas não deve continuar como está. É desvantajoso para nós.

É a favor de mexer no estatuto do desarmamento, para que o produtor rural tenha armas?
Sou. Não acho que se deve liberar geral. O produtor rural pode até ter hoje, mas é tão complicado. Imagine o pessoal que mora lá na beira do Rio Paraguai, no Pantanal, ficar sem arma. Tem contrabando pelo rio, tem ladrão que vai roubar produtos, tem bichos, como onça. Não acho que ele vai matar alguém, mas é uma questão de segurança. Não sou a favor de armar toda a população, mas acho que a gente teve um plebiscito e teve um exagero nesse desarmamento geral. Mas as pessoas do campo podem ter arma. Poderiam ter um curso, um preparo.

Há risco de a agricultura familiar perder importância?
De jeito nenhum. Se eu estiver lá, com certeza vamos tratar desse assunto com a maior seriedade e com a maior boa vontade, porque a grande agricultura só precisa de políticas públicas e de crédito e seguro. Já a agricultura familiar, não. Nós temos que fortalecer. São os pequenos agricultores que podem responder cada vez mais pela produção de alimentos, produzir mais e vender mais, até para fora. O presidente é muito focado em trazer tecnologia de irrigação que se usa hoje em Israel para os pequenos produtores do Nordeste.

Trazer o Incra, que cuida da reforma agrária, para o Ministério da Agricultura não é quebrar um paradigma?
O Incra já foi do Ministério da Agricultura no passado. Toda a parte fundiária, seja do pequeno ou do grande produtor, é o Incra que cuida. Agora, ele também cuida da reforma agrária, que é a compra de terras, a divisão delas e a emissão de títulos. Esta última parte não era feita. Nisso, o governo Michel Temer fez muito mais do que os 13 anos do PT, porque eles não tinham o interesse em dar o título. Me disseram que nós temos mais de 400 mil lotes irregulares que o Incra poderia tomar de volta. Hoje temos no Brasil 160 mil pessoas querendo terras. Pode ser que não tenha lote no lugar em que eles querem, mas tem lote suficiente para colocar as pessoas e dar assistência técnica para fazer com que elas produzam.

Como é sua relação com o MST?
O MST é muito dividido. Lá no meu estado (Mato Grosso do Sul) tive uma relação no início um pouco tensa, mas depois virou uma relação de respeito, de ouvi-los. O que não pode é o MST tomar lote, invadir terra. Isso é muito ruim, e acho que nem precisa disso hoje.

A senhora participou do governo do André Puccinelli, ex-governador do Mato Grosso do Sul, e assinou contratos de incentivos fiscais para a JBS que estão sob investigação. Como foram as negociações?
Participei de benefícios e aditivos de todas as empresas, inclusive da JBS. Foram dois aditivos da Seara, que a JBS comprou da Sadia. Quando comprou, fez um aditivo ao contrato já existente de benefício, e eu assinei juntamente com outros secretários e o próprio governador. E não é uma prerrogativa só do secretário: tem que ter um colegiado para decidir se é importante, porque tem critério. Existe uma lei aprovada lá atrás, e nessa lei tem critérios que precisam ser seguidos.

O governador foi preso, e os delatores afirmam que havia propina para que os incentivos fiscais saíssem. A senhora se surpreendeu com as denúncias?
Eu me surpreendi. Eu trabalhei com o governador sete anos. E nunca participei de nenhuma reunião em que não fossem discutidas coisas republicanas. Entraram muitas empresas no estado na época em que a gente estava lá. Havia um boom na economia, o Brasil estava bombando, desemprego zero, e a única maneira que um estado como o nosso, no Centro-Oeste, tem de levar uma indústria, era dando benefício.

Isso abalou a confiança que o Bolsonaro tem na senhora?
Acho que não. Ao contrário, ele deu uma declaração dizendo que confia em mim. Não tem nenhuma ação contra mim. Nunca fui intimada a participar ou depor em nada. Eu, aliás, fiquei surpresa desses dois termos aditivos entregues (pelos delatores), mas imagino que foram entregues dentro de uma série de documentos.

link entrevista
https://oglobo.globo.com/brasil/esta-na-hora-de-rever-mercosul-diz-ministra-da-agricultura-de-bolsonaro-23247592