A ideia de se criar um “balcão único” para as negociações de acordos de leniência para as empresas envolvidas na Lava Jato foi anteriormente lançada pelo especialista Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, professor da Faculdade de Direito e membro do Comitê Estratégico do Mackenzie Integridade – Centro de Estudos Avançados em Políticas de Integridade e Políticas Públicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), Mestre em Direito e pós-graduado em tributação comparada e internacional pelo International Tax Program da Harvard Law School (EUA). Em outubro de 2016, publicou um artigo na imprensa defendendo a cooperação técnica entre órgãos públicos envolvidos com os acordos de leniência, quando propôs a coordenação de esforços dos órgãos públicos, permitindo às empresas a submissão de pleitos de forma centralizada, a boa gestão documental e eficaz negociação perante as autoridades competentes. A proposta também foi levada à apreciação da Controladoria Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU), pois as empresas colhidas na corrupção da Lava Jato estavam perdendo mercado, ficando inadimplentes e inviabilizadas, aumentando o desemprego e causando prejuízos ao país, por não poderem concluir obras e prestar os serviços para os quais haviam sido contratadas.
Agora, conforme notícia veiculada na mídia em agosto, o recente termo de cooperação técnica firmado entre CGU, TCU e Advocacia Geral da União (AGU) inclui a criação do “balcão único” de negociação, para simplificar e agilizar o fechamento e assinatura consensual, pelas instituições envolvidas, de acordos de leniência, previstos na Lei Anticorrupção (LAC), nº 12.846/2013, de maneira que as empresas não tenham de negociar com diferentes órgãos.
O professor avalia que isso é importante para a sobrevivência dos negócios, considerando a ausência, até agora, de mecanismos eficazes de saneamento das companhias, dentre as quais poucas mantiveram alguma expressividade, mesmo assim com alto endividamento.
“Nos Estados Unidos e na Europa, há punição exemplar dos administradores corruptos, multas elevadas e obrigação de reparação dos prejuízos provocados pelas empresas. Porém, busca-se a preservação da sua força de trabalho e continuidade dos negócios. No Brasil, são indiscutíveis os êxitos da Lava Jato e sua inestimável contribuição para o combate à corrupção. Sem dúvida, a prisão dos malfeitores e políticos envolvidos era necessária para a reconstrução de bases éticas elevadas nas relações com o poder público e as estatais. Porém, a questão relativa à sobrevivência das empresas do setor privado não podia ser adiada. Era necessário readequá-las para atuarem honestamente”.
Daí decorre o significado dos acordos de leniência e da sua facilitação por meio de uma negociação integrada. No entanto, Rodrigues do Amaral ressalta que o ajuste de cooperação técnica sobre novas regras de coordenação com essa finalidade ficou bem aquém do necessário, devido ao fato de o Ministério Público Federal (MPF) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) não terem aderido ao “balcão único”, esvaziando sua eficácia.
O MPF, nos últimos anos, estendeu as soluções negociadas nos ajustamentos de conduta para alcançarem as questões de corrupção, chamando-os de “acordos de leniência”, ainda que tecnicamente não fossem assim considerados pela LAC. “Apesar do protagonismo do órgão, o anunciado acordo de cooperação técnica o afastou das negociações dos acordos de leniência, deslocando, em geral, a atribuição da promotoria pública para a persecução penal ou ações de improbidade administrativa após concluídas as negociações entre a empresa, a AGU e a CGU (e a aprovação do acordo pelo TCU). Daí a recusa do MPF, até agora, em participar do ajuste entre o Executivo e o TCU (órgão que integra o Legislativo), desobrigando-se daquilo que foi objeto do acordo” explica o especialista. “O CADE, que enfoca a questão da corrupção pela ótica das infrações contra a concorrência (e que tem ampla jurisdição para firmar acordos de leniência nessa matéria), também não foi parte do documento. Desse modo, longe de criar um abrangente e eficaz “balcão único”, o acordo técnico apenas organizou a relação da CGU e da AGU com o TCU, o que é positivo, mas não significa maiores avanços para as empresas”.
O professor pondera ainda que, de fato, dada a complexidade e abrangência das matérias e múltiplas alçadas, deveria ser avaliada a criação, por acordo administrativo ou lei, de um conselho nacional de integridade corporativa. “Este seria formado por representantes dos vários órgãos estatais competentes, respeitando-se suas respectivas jurisdições, permitindo organizar as propostas, gerenciar documentos e diligências, coordenar as negociações e concluir os termos com as empresas, para subsequente homologação pelo Judiciário. Tal organismo modernizaria e tornaria mais eficaz o sistema de combate à corrupção no que tange aos acordos de leniência, cujos desafios impõem soluções inovadoras. Devem possibilitar, sim, a demissão dos empresários e funcionários culpados pelos malfeitos, seu afastamento da administração empresarial e sua identificação para as autoridades públicas, bem como a reparação dos danos ao erário e à sociedade”.
Com as várias notícias de casos de corrupção durante a pandemia, os acordos de leniência também apoiariam e tornariam mais eficazes as necessárias investigações e punições, permitindo que empresas viáveis sobrevivessem aos corretivos legais derivados de práticas corruptas, ressalta o especialista. “Tais providências possivelmente serão necessárias e muito positivas, não apenas para as grandes, mas também para as de menor porte que tenham sido contaminadas por atos criminosos de sócios e administradores, facilitando sua punição, a reparação dos danos e a manutenção de empregos, com a continuidade de obras e serviços contratados pelo setor público ou privado. Permitiriam, igualmente, o investimento estrangeiro na aquisição das firmas, em face da manutenção dos negócios, com a segurança jurídica derivada de amplos e eficazes acordos de leniência em matéria de corrupção e ilícitos relacionados”.
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