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Era uma vez nossa democracia

Candidatos favoritos são desafio às instituições

Roberto Livianu

Nossa memória republicana catalogará as eleições de 7 de outubro, com 13 candidaturas presidenciais, incluindo um registro de ficha suja, na mesma semana em que a Constituição completa três décadas —carta política do povo brasileiro, seu sustentáculo blindante e garantidor da democracia e dos direitos fundamentais.

Isso dois meses antes do aniversário de 70 anos da Declaração Universal de Direitos Humanos, construção da ONU em defesa dos direitos fundamentais da humanidade.

Enalteço essas circunstâncias temporais porque, confirmadas as projeções das pesquisas de intenção de voto para presidente, tudo indica que o segundo turno será composto por candidaturas que representam verdadeiros desafios à democracia.

Uma tem DNA autoritário, seu ídolo é um torturador, nega que tenha ocorrido ditadura militar no Brasil e defende armamentismo, simulando armas nas mãos de crianças. Declarou que, se fosse derrotado, não aceitaria o resultado, além de sustentar a ideia de ser elaborada uma nova Constituição por um grupo de notáveis, escolhidos pelo governo, e não, pelo povo, que, quando muito, poderia ser ouvido num plebiscito.

O total descompromisso com a democracia é caminho sem volta para nós, tendo em vista a gravíssima crise de representatividade política que vivemos. Sem podermos nos esquecer de que essa candidatura não se lastreia em nenhuma aliança e sua pregação de campanha foi de ódio, inclusive contra os demais partidos políticos, o que cria um gigantesco ponto de interrogação sobre qual seria a relação política entre este presidente e o Congresso.

De outro lado, temos uma candidatura de um partido que desafia a Justiça e o Estado de Direito. Registrou um candidato ficha suja, contra a lei, e manteve seu nome para extrair proveito de sua popularidade enquanto pôde, apesar de saber desde o início que ele não poderia ser candidato, por ter sido condenado por corrupção.

Apesar de o candidato substituto em si não ter sido condenado por corrupção, é apoiado pelo ex-presidente preso, que foi condenado, e sua candidatura acontece pelo partido político em questão, o que determina essa leitura em seu desfavor.

O partido teve vários de seus quadros políticos condenados pela Justiça por corrupção e não puniu nenhum deles, fingindo de nada saber, adotando comportamento desrespeitoso à sociedade, descumprindo suas responsabilidades. Sua postura tem sido de sistemática afronta ao sistema democrático.

É notório que a corrupção abala a fé nos valores democráticos, o que torna evidentemente dramático o binômio diante do qual o eleitor se deparará. O que talvez nos ajude a entender esse cenário difícil é a ruína dos partidos —muitos escondem até o nome partido em suas denominações (como o MDB, Rede, Novo, DEM, Podemos etc.).

Eles vivem nas sombras e sob os bastões dos coronéis, seus donos, situação que impede florescerem saudáveis opções, por, compreensivelmente, não quererem novas e honradas lideranças conspurcar seus nomes —candidaturas avulsas podem servir para tirar partidos da zona de conforto e catalisar transformações.

A democracia não é detalhe, mas pressuposto fundamental. Diante das sombrias perspectivas, com nenhuma das duas candidaturas podendo ser proclamada como democrática, talvez uma alternativa para o futuro fosse criarmos um segundo turno com três opções para o eleitor, contemplando uma terceira via.

Roberto Livianu, promotor de Justiça em São Paulo, doutor em direito pela USP, idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção

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https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2018/09/era-uma-vez-nossa-democracia.shtml