O funcionalismo público brasileiro, nos três entes federativos nos três poderes, ganhou mais de 6,1 milhões de trabalhadores entre 1986 e 2017. Apenas nesse último ano, os governos federal, estaduais e municipais gastaram R$ 750,9 bilhões para pagar o salário de todos os servidores ativos do país. As informações de Pedro Capetti na Época.
Os dados foram divulgados nesta sexta-feira no Atlas do Estado Brasileiro, estudo produzido por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O estudo utiliza como base os dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), que acompanha a evolução do mercado de trabalho formal no país.
Em três décadas, o total de vínculos no Poder Executivo — somando todos os níveis federativos — passou de 5 milhões para 11,1 milhões, um aumento de 115%. No Legislativo, o crescimento foi de 436%, de 51 mil para 275 mil vínculos de trabalho. No Judiciário, houve a maior expansão relativa: 512%, com o total de vínculos passando de 59 mil para 363 mil.
A conta inclui militares e exclui servidores de empresas públicas, como Eletrobras e Petrobras, por exemplo, e não considera os funcionários terceirizados que atuam indiretamente na administração pública.
A expansão de vínculos levou a escalada dos valores gastos com pagamentos dos servidores. De 2004 a 2017, a despesa com servidores ativos federais foi de de R$ 110,8 bilhões para R$ 184,2 bilhões. No nível estadual, saltou de R$ 192,1 bilhões para R$ 298,8 bilhões. Já entre os municípios a expansão foi maior, de R$ 149 bilhões para R$ 268 bilhões.
A despeito do gasto crescente, o estudo mostra que a despesa para pagamento de servidores nas três esferas administrativas tem se mantido estável como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) desde 2004, chegando a 10,5% de tudo o que é produzido no país. Em 2006, era de 9,6%.
“Os servidores federais normalmente desempenham funções de gestão e controle, enquanto os municipais em grande maioria atuam em funções executoras, operacionais, ou de menor complexidade gerencial. No nível estadual, as remunerações têm valores mais intermediários pela natureza híbrida das atividades, que se dividem entre aquelas desempenhadas pelos municípios e pelo governo federal”, explicaram os pesquisadores Felix Lopez e Erivelton Guedes.
O aumento do total de vínculos no período analisado foi concentrada na esfera municipal, que emprega quase 60% de todo o funcionalismo público brasileiro. Isso significa que de cada 10 funcionários públicos no Brasil, seis estão empregados em alguma Prefeitura ou Câmara de Vereadores.
Segundo os pesquisadores, a expansão do número de trabalhadores nesses locais ocorreu em virtude da expansão de suas competências e atribuições, incluído o provimento de serviços que integram o núcleo do estado de bem-estar – educação, saúde e assistência, definidos partir da Constituição de 1988. Entre 1980 a 2017 foram criados 1.579 novos municípios, um aumento de 40%.
Há, no entanto, um dilema vivenciado por gestores públicos. Nos municípios, por exemplo, 40% das ocupações correspondem aos profissionais do “núcleo-duro” dos serviços de educação ou saúde: professores, médicos, enfermeiros e agentes de saúde.
O cenário é similar nos governos estaduais e, considerando ainda os profissionais de segurança pública, o percentual das três áreas pode alcançar 60% do total de vínculos.
Para Felix Lopez, um dos autores do estudo, os dados apresentados estão longe de revelar um setor público em expansão descontrolada, em tamanho e despesa, e que as discussões sobre a reforma da Previdência podem ter contaminado o debate.
Ele lembra que o crescimento relativo ao número de servidores ativos está concentrado no Executivo Municipal, o que deve ser analisado à luz das crescentes atribuições e demandas por serviços públicos assumidas nesse nível.
“Indagamos, a partir desse cenário, se o debate sobre a expansão mais rápida das despesas previdenciárias contaminou a percepção sobre o que de fato ocorre na despesa com servidores ativos. Embora não sejam temas independentes, o apropriado é tratar ativos e inativos, sempre, separadamente”, destacou
Na avaliação do pesquisador, é necessário analisar a composição de ocupação e carreiras no interior de cada um dos poderes para deslindar de modo mais seguro como se estruturou o setor público ao longo das décadas, bem como suas conexões a natureza dos serviços oferecidos.
Para ele, esses dados auxiliam para formulação de um setor público que entregue bens e serviços de modo republicano e eficiente.
No entanto, para a especialista em contas públicas e professora do Coppead/UFRJ Margarida Gutierrez, essa análise precisa ser acompanhada de ajuste salariais dos servidores e formas de avaliação da produtividade do trabalhador.
Recentemente, o Governo Federal tem sinalizado com uma proposta de reforma administrativa que reduza possíveis distorções no sistema. A ideia é quer acabar com a progressão automática no funcionalismo público e passar a promover servidores apenas por mérito.
“Não temos métricas para analisar a produtividade desses trabalhadores. Ter trabalhador não significa qualidade no atendimento. Muitas vezes você tem vários trabalhadores, que ganham acima do setor privado, mas que não executam seu trabalho. É preciso olhar isso e criar formas de ajustes.”
No nível federal, em 32 anos, a remuneração aumentou de R$ 5 mil, em 1986, para R$ 9,2 mil, em 2017 – um crescimento acumulado de 84%. No estadual, no mesmo período, houve ganho acumulado de 39%, passando de R$ 3,6 mil para R$ 5 mil. Já nos municípios, o salário médio mensal passou de R$ 2 mil para R$ 2,9 mil, o que representa um crescimento acumulado de 41%
Entre os três poderes, a maior expansão foi registrada no Judiciário, que registrou alta de 185% nos salários médios pagos aos servidores – de R$ 6.525, em 1985, para R$ 12.081, em 2017.
Para o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, mesmo que o governo queira fazer ajustes nas novas carreiras, os efeitos serão lentos. Ele lembra que o país hoje sente o peso dessa expansão salarial concedida ao funcionalismo, e aponta ser necessário ajustes futuros
“No setor público você não tem mecanismos de ajustes automáticos como tem no setor privado. Quando não há incentivo para atuar num sentido de economizar, você vai contratando mais pessoas, significa que algo precisa ser repensado.”
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