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Em 2019, municípios aumentaram endividamento com os bancos

Mergulhados em uma crise fiscal, municípios brasileiros aumentaram sua dependência de operações de crédito contraídas em bancos públicos em 2019. As informações são de Julio Wiziack e Fábio Fabrini na Folha de S. Paulo.

Como o caixa ficou comprometido com pagamento de despesas, especialmente salários, os empréstimos foram destinados a investimentos antes feitos com recursos próprios, como obras de recapeamento de ruas, melhorias no atendimento de saúde e ampliação da rede de saneamento básico.

Dados do Tesouro Nacional obtidos pela Folha mostram que, até agosto, os municípios que mais se valeram dessas operações receberam R$ 4,1 bilhões em financiamentos de instituições federais, como Caixa Econômica, Banco do Brasil e Banco do Nordeste.

No mesmo período de 2018, esses valores somaram R$ 2,5 bilhões. O aumento foi de 64%.

Em 2019, foram 776 os municípios que pediram empréstimos. No ano anterior, 692.

As capitais concentraram as maiores operações. Fortaleza, por exemplo, saltou de R$ 53,5 milhões, até agosto de 2018, para R$ 317,3 milhões; Manaus, de R$ 18,5 milhões para R$ 130,6 milhões no mesmo período; Recife, de R$ 54 milhões para R$ 168,8 milhões.

Em 2019, segundo o Tesouro, Salvador tomou mais R$ 175,9 milhões, principalmente da Caixa, para obras viárias, de saneamento e de unidades de saúde. Há também crédito para melhoria da gestão administrativa e fiscal.

A prefeitura da capital baiana sustenta que o aumento no valor se deu porque nos últimos anos o município implantou um programa de saneamento financeiro e equilíbrio da gestão fiscal. Com isso, segundo a administração, foi possível recuperar a capacidade de endividamento.

São Paulo, que segundo o governo está sem dívida, obteve mais R$ 110,9 milhões que ajudaram a reforçar projetos nas áreas de habitação, drenagem, melhorias viárias, infraestrutura de transporte e modernização da rede de saúde.

Cidades de grande porte, como São José dos Campos e São José do Rio Preto (SP), também buscaram dinheiro emprestado para investimentos.

Como uma parte dessas prefeituras ainda tem as contas em ordem e muitas desfrutam de aval da União para novos empréstimos, viraram objeto de disputa entre os bancos.

As instituições públicas reduziram ainda mais os juros para municípios com esse perfil, que é um a forma de fazer frente à ofensiva de instituições privadas como Itaú, Bradesco e Santander, que têm excesso de dinheiro em caixa e buscam repartir esse bolo de receita fácil e de risco baixo.

Recentemente, a Caixa perdeu para o Itaú (em consórcio com o BB) contrato de R$ 900 milhões para financiar obras na rodovia Tamoios (SP).

Em Belo Horizonte, o banco estatal conseguiu apresentar a melhor taxa para um empréstimo de R$ 200 milhões para que a prefeitura utilize os recursos em obras de saneamento. A Caixa disputou com Banco do Brasil, Itaú e Santander, ambos reunidos em sindicato.

Segundo o secretário de Finanças e Planejamento, Fuad Noman, a capital mineira possui estoque de R$ 720 milhões em financiamentos com a Caixa e outros R$ 180 milhões com o Banco do Brasil. Também fechou outros empréstimos com bancos estrangeiros.

“Essas instituições estão com excesso de liquidez [sobra de dinheiro no caixa] e buscando operações seguras”, disse Noman.

Empréstimos para entes públicos se tornaram uma relevante fonte de receitas para os bancos. Com a taxa básica de juros em patamares baixos (4,5% ao ano) e o custo de captação dos bancos em queda, é possível oferecer taxas atraentes para prefeituras.

Alguns secretários vêm optando por empréstimos até para destinar parte dos recursos como contrapartida em outros financiamentos, especialmente junto a instituições estrangeiras, como o Banco Mundial e o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

Itaú, Bradesco e Santander costumam mirar nas grandes prefeituras, que têm risco definido pelo Tesouro como A (muito baixo) e B (baixo).

A Caixa, por sua presença em municípios espalhados por todo o Brasil, faz mais ofertas em prefeituras com risco C, mas com garantia real, como recebíveis (parte do pagamento da conta de serviços públicos).

A diferença de juros entre os bancos privados e os estatais, de forma geral, está na casa de 3% para esse segmento. A variação depende do tipo de projeto que será financiado.

Se o recurso for destinado para a ampliação de rede de água ou esgoto, por exemplo, os juros caem porque pode haver garantia extra por meio das receitas adicionais geradas pela prestação do serviço.

O aumento dos empréstimos ocorre no momento em que estados e municípios enfrentam uma grave crise fiscal, depois de anos de recessão, que fez secar a arrecadação própria de tributos como o predial (IPTU).

1/3 DAS CIDADES DEPENDE DA UNIÃO
Praticamente um terço dos municípios sobrevive atualmente quase que exclusivamente com repasses provenientes do Tesouro Nacional.

Até agosto, mais de 90% da receita de 1.802 prefeituras saíram dos cofres federais por meio de repasses que totalizaram R$ 39,4 bilhões. Dentre essas cidades, 23% são administradas por políticos da oposição a Jair Bolsonaro, como de PT, PSB, PPS e PCdoB.

No mesmo período de 2018, 2.440 prefeituras receberam R$ 53 bilhões em repasses, que representaram mais de 90% do total das receitas.

Em um momento de arrocho fiscal, o ministro da Economia, Paulo Guedes, cogita extinguir boa parte desses municípios pequenos sem autonomia financeira.

A proposta foi apresentada na PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Pacto Federativo e prevê que localidades com menos de 5.000 habitantes e arrecadação própria menor que 10% da receita total serão incorporadas pelo município vizinho a partir de 2025.

Por esse critério, 1.130 cidades desapareceriam, segundo estimativa do ministério.

“Nossa ideia é estimular a arrecadação própria para fugir desse corte”, disse o prefeito de Luís Domingues (MA), Gilberto Queiroz (PSDB).

A cidade é a mais dependente da União. Dos R$ 12,8 milhões em receitas, somente R$ 25 mil vêm de arrecadação de tributos municipais, 0,2% do total.

Segundo o prefeito, cerca de 40% dos 6.900 habitantes sobrevive do garimpo clandestino de ouro e outros 30%, da exploração informal do açaí. O restante é de funcionários públicos, trabalha no pequeno comércio ou vive da pesca.

A ideia dele é formalizar o cultivo do açaí e firmar convênio com o governo estadual para que mineradoras e outras empresas que atuam local e não pagam o ISS (Imposto Sobre Serviços) passem a pagar.

A Fazenda estadual recolheria e faria a repartição do imposto com Luís Domingues e outros municípios vizinhos que têm o mesmo problema.

“Acho que dá para ter pelo menos R$ 600 mil de receita própria somente com essas medidas”, disse.