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Ecoa o grito de um tal Leprevost – por Bruna Alcantara na revista Ideias

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Na década de 80, as férias da família Leprevost sempre tiveram uma tradição: visitar os parentes no interior do Paraná, mais precisamente em Piraí do Sul, cidadezinha típica paranaense, com casas entre araucárias, na época com pouco menos de 20 mil habitantes.

O pai, Luiz Antonio, tratou de arrumar um carro grande, uma perua Caravan, onde coubessem os 4 filhos e a esposa, além das malas, que carregavam as roupas dos meninos, os vestidos da mãe e a alegria de quem sai da capital rumo a simplicidade que o interior dá a qualquer pessoa: fruta do pé, café da tarde com bolo da tia e a liberdade de brincar na rua.

Trecho da matéria “Ecoa o grito de um tal Leprevost”, de Bruna Alcantara, da edição de fevereiro da revista Ideias. A seguir a íntegra do texto.

Na década de 80, as férias da família Leprevost sempre tiveram uma tradição: visitar os parentes no interior do Paraná, mais precisamente em Piraí do Sul, cidadezinha típica paranaense, com casas entre araucárias, na época com pouco menos de 20 mil habitantes.

O pai, Luiz Antonio, tratou de arrumar um carro grande, uma perua Caravan, onde coubessem os 4 filhos e a esposa, além das malas, que carregavam as roupas dos meninos, os vestidos da mãe e a alegria de quem sai da capital rumo a simplicidade que o interior dá a qualquer pessoa: fruta do pé, café da tarde com bolo da tia e a liberdade de brincar na rua.

O rádio do carro, como numa tentativa de voltar às origens, tocava apenas música caipira e enquanto o banco traseiro era tomado pelas travessuras dos meninos, o terceiro filho da família, Luiz Felipe, se calava ao perceber que a próxima música era Cabocla Tereza, na voz de Sérgio Reis.

“Lá do alto da montanha, numa casa bem estranha, toda feita de sapé, parei uma noite o cavalo, por causa de dois estalos, que ouvi lá dentro bater”, falava Luiz Felipe, enquanto olhava firme a paisagem da janela, se adiantando ao poema declamado no início da canção.

“Quando ouvia aquilo, era transportado para um lugar mítico, as frases calavam em mim, soava trágico e belo”, afirma Luiz num tom nostálgico fazendo menção ao início de seu interesse, mesmo que na época ainda sem saber, pela arte de fazer dialogar literatura e música.

Aliás, Luiz sempre foi diferente dos outros garotos de sua idade. No Colégio dos Irmãos Maristas, enquanto a paixão nacional pelo futebol era esperada pelos pés ansiosos dos meninos nas aulas de Educação Física, Luiz teve conversa sincera com o professor, – “não gosto disso, posso fazer outra coisa?” – e pôde.

Foi com a ajuda do tal Irmão Marista, Virgílio Balestro, que Luiz Felipe ia para uma sala isolada do Colégio e passava horas declamando poemas que iam de Camões a Camilo Pessanha.

O que pode ser chamada de sua primeira apresentação em público foi num dia de ação cívica, após todos cantarem o Hino Nacional, em que subiu ao palco e com vozeirão quebrador de pedra, declamou poemas de Camões.

“A primeira reação das pessoas foi uma gargalhada convulsiva, mas eu continuei e segundos depois, houve um silêncio, pararam pra me ouvir. Parecia que eu estava fazendo uma coisa importante. Para mim, mais importante que o futebol”, lembra.

Quando chegava em casa, corria para a biblioteca herdada do avô. Não era leitor assíduo, mas a possibilidade de se refugiar num lugar cheio de oportunidades era o que o atraia. “Ficava em meio às antologias de poetas curitibanos, histórias de Monteiro Lobato, Victor Hugo. Eram muitos livros que faziam com que eu sentisse que pertencia àquele lugar”.

Na adolescência, ainda perdido entre rumos literários e musicais, foi a pergunta de um tio que o fez querer ter personalidade própria. “Luiz, qual tipo de música você gosta?” e ele não sabia responder.

Curioso que só vendo, foi atrás de seu gosto. Deu de cara com Geni e o Zepelim, música composta por Chico Buarque de Holanda para o musical Ópera do Malandro.

“Fiquei absurdado com aquilo. Como assim tinha gente que escrevia daquele jeito? Soava como algo genial”, diz ao lembrar-se de como foi tomado pelas pedras na Geni. “Ela é feita pra apanhar! Ela é boa de cuspir! Ela dá pra qualquer um! Maldita Geni!”, repetia ainda abismado com o novo.

Seu interesse por poesia e música não parou mais. Aos 14 anos, uma amiga lhe emprestou o Livro de Sonetos, de Vinícius de Moraes, que chamava a atenção do jovem pela seguinte dedicatória: “Para mim, a pessoa que mais amo na vida”.

“Eu sentia que os sonetos também falavam para mim. O Vinícius foi quem definitivamente abriu o mundo da poesia na minha cabeça”. Após os Sonetos, decidiu ir a sua primeira compra numa livraria. Saiu de lá com Antologia Poética, também de Vinícius de Moraes.

Depois dele, Luiz quis mais e mais. Foram biografias ligadas à música brasileira, relacionadas de Toquinho a Chico Buarque. Fascinou-se com o mundo boêmio musical. “Queria entender em que meio vivia aquela gente, aquela cultura. Nessa época, também comecei a ler Manuel Bandeira, tudo se tornou mais palpável, mais próximo”, conta.

Tantas referências, com uma pitada de interesse pelo auto conhecimento, fizeram com que Luiz quisesse se tornar poeta. “Comecei a querer ser o Vinícius de Morais, comecei a querer fazer poesia e fiz”. Frustrou-se, seus textos nunca eram escolhidos para os concursos do colégio.

Daí então que aos 18 anos, se iniciou no curso de Direito pela Universidade Tuiuti. “Enquanto as aulas eram de sociologia e filosofia, eu gostava. Quando comecei a ter teorias do Direito, vi que aquilo não era pra mim”.

A gota da água foi um dia em que entrou cantando no escritório de advocacia onde estagiava e seu chefe pediu para que nunca mais fizesse aquilo. Também foi questionado sobre o que lia quando usava o banheiro. A resposta,

“Shakespeare”, assustou. Mandaram-lhe ler a Constituição Federal. Ele? Jogou tudo pro alto e foi viver a boemia curitibana.

A família, é claro, começou a se preocupar. Luiz não frequentava mais os bailes de debutantes do Clube Curitibano. Passou a andar com gente mais velha, artistas, músicos. “Foi uma quebra com a vida social burguesa. Eu queria a velha guarda artística curitibana próxima a mim”.

Mesmo não sendo mais aluno do Colégio Positivo, com o reconhecimento de alguns professores pelo seu dom com as palavras, foi convidado a participar de um Festival da Canção, evento extracurricular feito para estimular a arte entre os alunos.

“Quando entrei no prédio, ouvi alguém dedilhando um violão. Dei de cara com um rapaz novo, com o rosto pintado metade de branco, metade de preto”. Conta Luiz Felipe ao lembrar-se de como conheceu um de seus maiores parceiros profissionais, o também compositor e poeta, Alexandre França.

“O conheci e marquei para ir até sua casa. No corredor do prédio ouvi uma guitarra solando, ele demorou a atender a campainha, como se eu não pudesse atrapalhar um gênio”, gargalha ao lembrar-se do início de sua parceria com França. Nunca mais se separaram. Hoje são como “Vinícius e Tom”, diz brincando.

A essas alturas, Luiz já havia se iniciado no teatro. Primeiro fez aulas na escola Pé no Palco. Depois se mudou para o Ateliê de Criação Teatral, mais conhecido como ACT. “No ACT me senti com mais responsabilidade, comecei a achar que realmente tinha talento para coisa”.

A família, ainda assustada por ter um artista dentro de casa, preferiu achar que era “só uma fase”. Engano deles, a tal fase não passaria.

Agora na faculdade de Jornalismo, que também abandonou, decidiu que queria estudar a arte pra valer. Foi morar no Rio de Janeiro e cursar artes cênicas pela Casa de Artes Laranjeiras.

“Eu me entreguei à vida nos anos em que morei no Rio. Participava de tudo: não faltava a nenhuma aula, de tarde assistia dois ou três filmes, de noite ia ao teatro e depois saia para beber e viver com a boemia que tanto me fascinava”.

Estudou, aprendeu, se dedicou. Voltou a Curitiba com a certeza de que enfim, se assumia como um artista. “Antes do Rio eu até poderia me frustrar e ir trabalhar com outra coisa. Depois, percebi que não tinha mais volta, nasci para ser um artista”.

Quando chegou à capital paranaense, a intensidade do Rio de Janeiro lhe rendeu profunda depressão. Os amigos daqui, já tinham dado um salto,

também se tornaram artistas profissionais. “Tive dificuldade de me encaixar, mas coloquei na cabeça que as pessoas tinham que me ouvir a qualquer custo”.

No começo, sua poesia era apenas falada. Não conseguia se conectar com a música. É ai que entra a ajuda do músico Troy Rossilho e do antigo amigo, Alexandre França. Sua fala de ator ficou mais ritmada. Começou fazendo três acordes no violão.

Também teve ajuda fundamental do ator, cantor e compositor, Alexandre Nero. “O Alexandre se apresentava na noite e sempre me chamava pra subir no palco. Ele gostava porque eu apresentava algo novo, tirava o palco do lugar, fazia performances, gritava sem nenhum controle”.

Foi daí que o amigo Alexandre teve que ensinar Luiz a gritar, “pois por falta de técnica, eu feria minha voz. Foi o Nero que me ensinou a gritar direito”, afirma ao lembrar dos tempos em que se apresentavam no Aoca Bar, no Centro de Curitiba.

Luiz Felipe Leprevost não parou mais de gritar e de fazer seu grito ecoar pela terra das araucárias.

Hoje, já lançando o seu nono livro, o romance “E se contorce igual a um dragãozinho ferido”, o que tem chamado mesmo a atenção da crítica especializada e do público curitibano, é a capacidade de Luiz para criar diálogos entre música, literatura e teatro.

No show apresentado na Virada Cultural de Curitiba, em novembro de 2012, na Boca Maldita, Luiz foi ovacionado pelas milhares de pessoas que o assistiam e chegou a ser chamado pela crítica como o “novo poeta pop depois de Paulo Leminski”.

Até a mãe, dona Jussara, se espremeu em meio ao público para ver um dos seus Leprevost cantar suas mais famosas canções. “A imagem mais bonita que guardei de 2012 é a da minha mãe no gargarejo do meu show, grudada na grade, em pé no meio das pessoas”, afirma.

Músico novo que é, só agora Luiz resolveu admitir que além de dramaturgo, contista e poeta, também sabe lidar com os arranjos. “Pela primeira vez estou aprendendo a pensar em unidade de disco, em arranjos, em encaixes de letra e som”.

Com a ajuda do produtor musical, Eugênio Fim, para 2013, o que se espera do artista é o álbum “Já tive uns ataques, vou ter mais síncope”, que está sendo gravado atualmente e deve ser lançado em 21 de março, data de seu aniversário.

Nós, o público, já podemos escutar os ecos que chegam ainda tímidos até nós. Queremos mais e sabemos que por aí vem coisa boa: 34 anos de nosso novo bom poeta e um álbum todinho cheio de suas performances, loucuras, gritos e letras encantadoras. Até breve.