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É razoável surpreender quem de boa-fé investiu no Estado brasileiro?

Delfim Netto

No exercício da política econômica, é preciso levar em conta as limitações que produzem a não existência de certas condições para o atendimento da alocação ótima dos fatores de produção em resposta às demandas individuais (o chamado “ótimo de Pareto”). É o caso, por exemplo, da existência de economias de escala, de bens públicos, de oligopólios, de distorções tributárias etc.

Desde meados dos anos 50 do século passado, sabemos que, mesmo quando falta apenas uma das várias condições para que os “mercados competitivos” produzam o ótimo de Pareto (a situação em que ninguém pode melhorar sem prejudicar a condição de outro), a solução “ótima” não consiste em insistir no cumprimento das demais, mas em procurar outra configuração que acomode todas as demais e encontre a “segunda melhor” solução geral (o “second best”).

A situação é ainda mais crítica quando a taxa de câmbio, graças à liberdade do movimento de capitais, torna-se um ativo financeiro, que responde mais às diferenças das taxas de juros internas e externas do que às atividades da economia real. Também o é quando se ignoram os subsídios envolvidos nos preços dos produtos industriais importados e se recusa a visão “macroscópica” do governo que permite internalizar os benefícios da geração de emprego e renda resultante da substituição de importação.

Essas considerações são estimuladas pela medida provisória 795, que simplesmente suspende a incidência de tributos federais, inclusive o imposto de importação, sobre os bens que serão utilizados na exploração e desenvolvimento do promissor setor de petróleo e gás natural. Já se reduziu a componente admissível de produção local, sobre a qual o governo anterior havia exagerado. Mas é evidente que, entre zero e infinito, há de haver um número real que acomode os investimentos nacionais e estrangeiros, que foram fortemente estimulados pelo governo anterior, tão “passageiro” quanto o atual…

É razoável, sem um mecanismo de moderação, surpreender quem de boa-fé investiu acreditando no então “Estado brasileiro” e agora negar-lhe o estímulo prometido e submetê-lo, abruptamente, a uma competição predatória? Não configurará isso uma grave “quebra de contrato” (ainda que na direção certa) que desmoraliza a ordem jurídica? Não seria mais honesto proteger de forma adequada o similar nacional já produzido pelo estímulo do governo anterior?

E, afinal, por que alguém vai investir “de corpo e alma” em projetos de longa duração se os contratos já assumidos não forem rigorosamente cumpridos, ainda mais sabendo que a eleição de 2018 poderá produzir surpresas desagradáveis de outro “Estado brasileiro”?