Há poucos dias, perguntada por um jornalista sobre que traço cultural brasileiro eu incluiria na educação, afirmei quase de pronto: a conversa de boteco. Aquele gostoso fluxo de pensamentos que, verbalizados, completam-se uns aos outros, numa dinâmica em que, embora alguns dos interlocutores tenham maior “autoridade” nos temas debatidos que outros, todos se sentem legítimos em contribuir ou até pilheriar com os que se expõem ao testar hipóteses de raciocínios.
Não me entendam mal. Não estou, com isso, desmerecendo o pensamento científico ou favorecendo reflexões sem profundidade. Apenas estou postulando que aulas menos parecidas com palestras, mais dialogadas, num processo de construção coletiva, em que o medo do erro não seja tão grande, favorecem mais a aprendizagem.
A escola deve ensinar a pensar, a expressar o pensamento e a utilizar conceitos aprendidos em situações concretas do mundo que nos cerca. Mas só terá condições de fazer isso se autorizar a fala do aluno e o erro, não num processo de perguntas fechadas, em que necessariamente uma resposta apenas é a correta, mas num experimento em que hipóteses alternativas possam ser testadas.
Naturalmente, isso demanda uma preparação mais cuidadosa e um plano de aula mais aprofundado, mas só isso vai, de fato, ajudar o aluno a pensar criticamente. Tal atividade deveria também ser precedida e seguida de expressão escrita do que se pensa e das construções coletivas.
Quando o professor se aventura em abrir temas para a discussão, ele sedimenta conceitos. O professor se mantém, nesse caso, como um mediador importante que, no momento certo, intervém para introduzir novos conceitos e cuidar para que não se perca o foco, mas que deixa fluir a conversa, enquanto o pensamento se aprofunda.
No magnífico livro de Elizabeth Green, “Building a Better Teacher”, a autora relata a experiência da professora da Universidade de Michigan Deborah Ball.
Ao decidir lecionar numa escola pública da cidade, ela não apenas filmou suas aulas para se aperfeiçoar como docente, mas as utilizou com seus estudantes de mestrado em educação, para ensinar como se introduz, em aulas de 3º ano primário, a expressão dialogal do raciocínio matemático, sem medo de erros. Resultado: a criança aprende de forma muito mais sólida.
Que lições isso traz para as discussões atuais de educação no Brasil? Traz de volta, em tempos em que elaboramos a Base Nacional Comum Curricular, a sala de aula, numa proposta mais trabalhosa, centrada no ensinar a pensar e a solucionar coletivamente problemas, mas que certamente vai valer o esforço.
Claudia Coston é professora visitante de Harvard. Foi diretora de Educação do Banco Mundial, secretária de Educação do Rio e ministra da Administração.
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