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Documento: Porque a Estrada do Colono deve permanecer fechada?

O Boca Maldita reproduz nesta terça-feira (25) a íntegra de um manifesto elaborado pela Associação de Defesa e Educação Ambiental de Foz do Iguaçu (Adeafi) e a associação Amigos do Parque, expondo uma série de motivos para manter fechada a Estrada do Colono, via de pouco mais de 17 quilômetros que corta o Parque Nacional do Iguaçu, principal unidade de conservação de Mata Atlântica do Paraná, na divisa do Brasil com a Argentina.

O documento foi elaborado durante a última invasão do trecho, em 2003 (foto). Após alguns dias, os invasores foram retirados da reserva ambiental por força da Polícia Federal.

O Parque Nacional do Iguaçu é conhecido mundialmente por abrigar, em seu interior, as famosas Cataratas do Iguaçu, além de espécimes de rara beleza de aves, peixes e plantas.

O blog resgatou o manifestou ante a mobilização, no Congresso Nacional, de parlamentares defendendo a abertura de uma estrada-parque no trecho hoje recuperado da extinta Estrada do Colono.

Desde já o espaço está aberto para o contraditório de todas as partes interessadas em se manifestar.

Clique no “mais” e leia a íntegra do documento

POR QUE A ESTRADA DEVE PERMANECER FECHADA?

1. Inicialmente, o parque foi criado com a finalidade de proteger a floresta que envolve as Cataratas do Iguaçu, uma das mais belas paisagens naturais do planeta. Todas as atividades humanas que poderiam ser nocivas ao ambiente natural foram proibidas na área para assegurar à floresta condições plenas de desenvolvimento natural.

2. A proibição dessas atividades – agricultura, qualquer tipo de extrativismo, caça e pesca, entre outras – é possível porque os 185 mil hectares que formam o Parque Nacional do Iguaçu petencem ao governo federal. Portanto, são terras públicas que devem ser usadas apenas para as finalidades para as quais foram adquiridas ou mantidas em poder do Estado.

3. Quando o parque foi criado, em 1939, as informações disponíveis sobre os danos causados pela circulação de pessoas no interior do parque ainda eram escassas. Por isso, a estrada foi erroneamente tolerada durante muitos anos.

4. Com o desenvolvimento dos estudos científicos sobre conservação ambiental ficou comprovado que uma estrada causa danos diretos e progressivos à fauna e à flora, em qualquer ambiente natural, porque altera as condições originais. Por isso, quando se trata de área destinada a proteger esses ambientes, somente podem ser toleradas aquelas estradas necessárias aos serviços internos ou à visitação pública, nos espaços previamente definidos para isso. Estes novos conceitos passaram a ser utilizados para orientar os planos de manejo dos parques nacionais brasileiros.

5. Em 1981, um grupo de cientistas elaborou um cuidadoso estudo sobre o Parque Nacional do Iguaçu e definiu como zona de visitação a área que dá acesso às Cataratas e seu entorno imediato. A área cortada pela estrada do colono foi definida como zona intangível, isto é, de proteção máxima. O estudo determinou o fechamento da estrada.

6. O estudo apontava alguns dos danos causados diretamente pela estrada: corte e apanho de espécimes da flora silvestre; quebra ou outra danificação de espécimes da flora silvestre; perseguição, apanha ou caça de espécimes da fauna silvestre; atropelamento de espécimes da fauna silvestre. Para evitar esses dados, o estudo estabeleceu como norma que não seria permitido o uso público da estrada; a infra-estrutura deveria ser limitada a trilhas necessárias às atividades científicas, administrativas ou de proteção; fica proibido o uso de veículos auto-motores.

7. Em 1986, a estrada foi fechada. Estudos realizados posteriormente mostraram a importância dessa área para livre circulação da fauna. Estudos ainda mais recentes mostram que, numa área natural, é necessário um mínimo de 2 Km para amortizar o efeito externo. Aplicando-se este princípio, pode-se observar que o impacto de uma estrada de cerca de 18 km no Parque Nacional do Iguaçu acarreta, na realidade, uma perda de área protegida na ordem de 72 km2 (7.200 ha) o que representa cerca de 4% da área do parque. Ou seja, não se trata apenas de uma estrada, e sim da perda de quase 5% do Parque Nacional do Iguaçu. Vale destacar que toda área de uso turístico, freqüentada por cerca de 1 milhão de pessoas por ano, equivale a, aproximadamente, 5% da área total do parque. Ou seja, a Estrada do Colono, que atendia apenas a um pequeno grupo de pessoas, acarretava o mesmo grau de impacto de toda área de visitação às cataratas.

8. A estrada fragmentava o parque, provocando um efeito colateral gravíssimo porque praticamente isolava a parte oeste do parque, onde estão as Cataratas. Uma lei básica da conservação da natureza é de que uma Unidade de Conservação será tão mais eficiente para proteção da biodiversidade, quanto maior for seu tamanho. A fragmentação dos remanescentes provoca, inevitavelmente, a extinção de espécies. (Vale lembrar que a principal função de um parque nacional é a conservação dos recursos naturais que abriga).

9. Além dos impactos diretos da estrada, existem outros: sonoro, deposição de lixo não degradável, modificação dos escoamento hídrico natural, dispersão de doenças típicas de animais domésticos, presença de grãos tratados com produtos químicos ou de agrotóxicos transportados em caminhões;

10. Estudos realizados em 1999, para elaboração de um novo plano de manejo para o parque, comprovaram que as conseqüências da manutenção da estrada eram ainda mais severas do que se pensava. A compactação do solo modificou a circulação da água em largo trecho da floresta; a circulação de veículos movidos a gasolina afetou a flora e a fauna, provocando empobrecimento visível da paisagem na borda da estrada; algumas espécies da fauna e da flora foram particularmente afetadas.

11. Por isso, o plano recomendou o imediato fechamento da estrada e a execução de um projeto de recuperação baseado nos seguintes itens:

– remoção do cascalho que reveste o leito da estrada
– realização da escarificação/ subsolagem/ descompactação do leito da estrada.
– colocação de solo e fonte de matéria orgânica, que deverá estar livre de sementes de plantas exóticas, por isso, sugere-se utilizar torta de mamona, torta de farelo de algodão ou outra equivalente
– preparação do solo para receber as mudas e/ou sementes
– plantio com espécies nativas, devendo as mudas das árvores de estágio sucessional mais avançado ser de aproximadamente 1 metro.
– remoção de manilhões e pontes do leito da estrada, durante os trabalhos de
– recomposição do leito.
– recuperação da margem direita do rio Iguaçu, onde a balsa atracava, com a mesma vegetação que ocorre naturalmente nas suas proximidades.
– a remoção dos sanitários, caixa d’água, calçamento e demais instalações construídos no interior do Parque, na margem direita do rio Iguaçu, à direita da estrada do colono, no sentido Serranópolis/Capanema.

O PARQUE NACIONAL DO IGUAÇU

– Os parques nacionais são áreas públicas destinadas à conservação da biodiversidade. São áreas rigorosamente protegidas, que pertencem a todos os brasileiros. Guardam a memória das florestas que estão desaparecendo e, por isso, têm enorme importância como banco genético de milhões de espécies. São fundamentais para abrigar a fauna ameaçada de extinção exatamente pela destruição de seus habitats. Guardam a memória de outros tempos da vida sobre a Terra e, por isso, são a melhor herança que se pode deixar para as gerações futuras.

• Parque Nacional do Iguaçu é um dos mais antigos do Brasil. E o maior parque fora da região amazônica e sua importância ultrapassa os limites nacionais, porque forma, ao lado do Parque Nacional de Iguazu, na Argentina, a maior reserva nativa da floresta estacional semidecidual da bacia do Prata, que já cobriu grandes extensões do sul do Brasil, Argentina, Paraguai e foi quase completamente destruída. Por isso, é considerado Patrimônio Natural da Humanidade. Quanto maior o parque, maiores são as possibilidades de assegurar a sobrevivência de todas as variedades de espécies dos ambientes originais. A fragmentação das áreas naturais provoca o inevitável empobrecimento da biodiversidade.

• Brasil tem atualmente 40 parques nacionais. Embora existam alguns grandes parques na região amazônica, o país é um dos mais pobres em áreas protegidas. Na Mata Atlântica, que está reduzida a 7% de sua área original, o número de parques é insignificante e quase todos são de pequeno porte.

• No Paraná, o Parque Nacional do Iguaçu tem enorme importância porque o tipo de floresta que protege praticamente desapareceu. É a mesma floresta que cobria praticamente metade do estado, nas regiões norte e oeste e que já não existe mais.

• A presença da floresta traz grandes benefícios para a população humana e para as atividades produtivas na região onde se encontra: a floresta retém a água da chuva e garante uma distribuição uniforme da água para os rios, mesmo em tempo de seca; garante maior equilíbrio ao clima; abriga insetos que fazem a polinização e os pássaros que disseminam sementes.

• Por fim, vale lembrar um pensamento de Edward Wilson, um dos mais respeitados cientistas modernos: Se nada mudar no tratamento dado à natureza pela civilização moderna, grande parte da imensa variedade de seres vivos que compõe a paisagem natural da Terra irá desaparecer nos próximos 25 anos. A grande floresta tropical que envolve o planeta será apenas um pobre simulacro da exuberância nativa. Teremos, então, perdido não apenas a riqueza da diversidade, mas a oportunidade de conhecer, mais a fundo, os ambientes primitivos onde a própria natureza humana surgiu e se desenvolveu. Será uma perda irreparável.

ALGUMAS INFORMAÇÕES SOBRE A VERDADEIRA IMPORTÂNCIA DA ESTRADA DO COLONO PARA A ECONOMIA REGIONAL

Um dos argumentos mais utilizados para justificar a manutenção da estrada é de que seu fechamento provocou prejuízos calculados em R$5,6 bilhões para os municípios da região Sudoeste. Uma análise mais cuidadosa dos dados usados para chegar a essa cifra mostra que a metodologia utilizada desconsiderou alguns aspectos fundamentais em análise econômica e propiciou uma grande distorção de valores. A seguir, um resumo do estudo que analisou estas distorções.

a) conjuntura estadual
O estado do Paraná apresenta um quadro de forte concentração de valor adicionado. Apenas 14 municípios do estado têm participação superior a 1% no total do valor adicionado do estado, somando 60,25% desse valor. A maioria deles integra a mesorregião metropolitana e não tem a atividade primária como principal.
No período 75/96, a maioria das regiões do Paraná apresentou desempenho decrescente no valor adicionado total: a participação no valor adicionado total, no Noroeste Paranaense, decresceu relativamente de 11,21 % para 3,80%; no Centro-ocidental Paranaense, de 4.9% para 2,7%; no Norte Central Paranaense, de 25,71% para 14,74%; na Norte Pioneiro Paranaense, de 7.2% para 3,4%; na Centro Oriental, de 7,5% para 6,8% e na Sudoeste Paranaense, de 3,9% para 3,5%. Nesse contexto, é importante notar que a posição relativa do valor adicionado da agricultura registra perdas progressivas.

O valor adicionado cresceu em termos relativos nas áreas mais próximas à Curitiba e, notadamente, na Região Metropolitana de Curitiba, que passou de uma participação de 19,94% para 42,33%, definindo um quadro de concentração.

Nos demais municípios, o comportamento da agricultura influi decisivamente nas condições econômicas, como se pode verificar numa rápida cronologia da década de 80:
– 1980: a recessão não atingiu de forma intensa o Paraná pelo bom comportamento da agropecuária;
– 1984: recuperação da economia não se refletiu no Paraná, pelo comportamento negativo da produção agropecuária;
– 1986: apesar dos reflexos positivos do Plano de Estabilização, a economia do Paraná se manteve estagnada face à quebra da produção agropecuária associada à estiagem de fins de 1985 e início de 1986;
– 1987: a retração teve menor intensidade devido ao excelente desempenho da agropecuária;.
– 1988, o PIB do Paraná decresceu e o setor agropecuário teve queda de 9,7%;
– 1989, a economia cresceu 4,4% em função do bom desempenho da cultura do café e do setor industrial e comercial a ela vinculada.

b) a região
Mesmo diante desse quadro, o Sudoeste participava em 1975 com 3,9% e praticamente manteve-se nesse patamar, chegando em 1996, com 3,5%. Do ponto de vista da dinâmica populacional, a região apresentou um dos menores crescimentos do estado. Mais de 75% de seus municípios vêm registrando perdas populacionais nos últimos anos, num quadro de evasão que tende a se intensificar. A taxa de crescimento da população rural é de -2,94% para a região e todos os municípios da região apresentam crescimento da população rural a taxas menores que zero. Alguns municípios já começam a apresentar leve decréscimo de crescimento da população urbana entre 1991 e 1996. Os centros Pato Branco e Francisco Beltrão, com crescimento urbano de 2,86%a.a e 2,64%a.a, respectivamente, são os únicos da região com crescimento da população total superior ao da média paranaense, desde 1970.

A região tem um perfil econômico especializado numa produção agropecuária de numerosos pequenos e médios produtores diversificados e com utilização intensiva de mão-de-obra familiar. Produz com grande desvantagem comparativamente a outras regiões do estado, já que seu relevo é mais acidentado e seu clima mais frio.

Em quase todos os municípios do Sudoeste (e na maioria dos municípios predominantemente agrícolas do PR) a população total vem caindo desde os anos 70. Pode-se supor que o número de trabalhadores ativos diminui correspondentemente. Portanto, se o valor adicionado per capita tivesse permanecido constante nos municípios analisados, o valor adicionado total por município deveria cair, devido simplesmente à diminuição do número dos trabalhadores. Os cálculos do estudo sobre as supostas “perdas” deveriam ser baseados no valor adicionado per capita e não no valor adicionado total.

c) conclusões
1. Levando em conta a inflação dos últimas décadas. nos casos em que e indispensável calcular perdas e ganhos e valores absolutos, torna-se necessário construir um deflator específico que considere, inclusive, a variação dos preços relativos dos produtos que, no caso dos agrícolas, são marcantes. Portanto, valores monetários absolutos, como os R$ 5,6 bilhões de prejuízo aos municípios no período de fechamento da Estrada do Colono, apontado pelo estudo em questão, devem ser interpretados como instrumentos de pressão política e não podem ser tomadas como verdadeiros.

2. Para construir esta fantástica cifra, o estudo considerou que o fechamento da estrada afetava de modo generalizado as regiões Oeste e Sudoeste, mas desagregou os municípios, agrupando-os em 10 diferentes categorias. Com isso, afastou os municípios que tiveram resultados positivos ao longo do período e isolou apenas aqueles que apresentavam maiores resultados negativos ao longo dos anos em que a Estrada do Colono esteve fechada. Para calcular os prejuízos, porém, reagrupou-os novamente e utilizou uma taxa social de desconto de 10% ao ano. Isto significa que aos hipotéticos prejuízos anuais, estabelecidos com base na diferença entre valor projetado e realizado, foram acrescentados 10% ao ano, ao longo de 10 anos, chegando, assim, a R$5,6 bilhões.

3. Do mesmo modo, embora o estudo aponte apenas quatro pequenos municípios como diretamente afetados pela estrada, considera a população de todos os municípios das regiões Oeste e Sudoeste afetadas pela estrada, muito embora a maioria absoluta dela não dependa em nada do trecho em questão. Mais uma vez, trata-se de argumento tendencioso e, desta vez, com caráter visivelmente eleitoreiro.

4. A queda da importância da agricultura no Valor Adicionado verifica-se em todos os municípios e no total do Paraná porque os outros setores da economia (comércio, indústria e serviços) vem ganhando peso relativo na estrutura econômica do estado. ou seja, crescem mais que a agricultura, que passa a ter menos peso relativo. Essa situação não foi considerada pelo estudo.

5. Os efeitos das oscilações da agricultura nas demais atividades da região Sudoeste não foram levados em conta. Como a agricultura está sujeita a oscilações freqüentes, em virtude de variações climáticas, alterações na demanda, preços etc. – esses municípios costumam apresentar grandes diferenças anuais de valor adicionado.

6. Por suas características econômicas, a região Sudoeste é, atualmente, uma região em processo de esvaziamento e isso não foi tomada em conta para nenhum dos cálculos realizados.

7. Para avaliar os reais prejuízos causados pelo fechamento da Estrada do Colono seriam necessários responder, primeiramente, a algumas questões básicas, para definir que parte da variação do Valor Adicionado dos municípios em questão poderia ser atribuída ao fato. Tais questões podem ser assim resumidas:

– Quais eram as condições técnicas de tráfego da Estrada do Colono – era pavimentada ou não, havia acidentes geográficos de difícil transposição etc.?
– Qual era a intensidade do tráfego de veículos?
– Que tipos de veículos trafegavam pela Estrada do Colono?
– Quais eram os setores econômicos, de quais municípios, que dependiam do transporte
pela Estrada do Colono?
– Qual era a proporção da produção destes setores que era transportada pela Estrada do Colono?
– Qual era a importância do transporte de passageiros?

A falta de qualquer indicação sobre estes e outros aspectos eventualmente importantes constitui também uma omissão grave, pois deixa sem fundamento comprovado a importância única que o estudo atribui ao fechamento da Estrada na redução do valor adicionado para alguns municípios da região, após 1986.

8. Segundo dados da Polícia Florestal do Paraná, o trânsito de veículos na Estrada do Colono, no período de 8 a 18 de julho de 1986 foi de 767 veículos (média diária de 76,7 ao dia), com as seguintes características: 190 ônibus, 80 caminhões, 437 automóveis, 50 caminhonetes e 10 veículos de outros tipos. Considerando-se as características da economia regional, o transporte da produção agrícola em caminhões teria o maior peso e o número, ainda assim é insignificante: 8 caminhões por dia.

9. O estudo não poderia deixar de avaliar a importância relativa da rodovia na economia do município. Capanema possui ligações rodoviárias com outros municípios, entre eles Francisco Beltrão e outros, e até mesmo com a Argentina, via Santo Antônio do Sudoeste. Portanto, a variação do Valor Adicionado de Capanema, e dos demais municípios, também sofre outras influências, além do funcionamento da Estrada do Colono.

Assinam este documento

Adeafi (Associação de Defesa e Educação Ambiental de Foz do Iguaçu)
Amigos do Parque