Enquanto a Venezuela vive uma escalada das tensões sociais que já ultrapassa 100 dias, parte consistente da esquerda brasileira poupa o presidente Nicolás Maduro das críticas e apoia a controversa eleição para integrantes de Assembleia Nacional Constituinte, convocada para este domingo. Representantes e lideranças de diferentes partidos ouvidos por EL PAÍS e um especialista em relações internacionais apresentaram se alinham ao Governo chavista. Os que aceitaram falar com a reportagem – alguns preferiram se omitir sobre o tema – defendem o bolivarianismo, evitam criticar Maduro e acham pertinente a convocação da Constituinte agora, como uma tentativa de se restabelecer a ordem.Embora defendam a convocação das eleições como uma “via democrática” para a remediação da crise, ninguém se aprofundou nas opiniões sobre a Constituinte em si. “Não me debrucei sobre o tema da Constituinte ainda, mas acho que temos que defender a solução pela via democrática daqueles conflitos”, disse o deputado e dirigente do PT Paulo Teixeira.
A posição de algumas lideranças sobre o país vizinho expõe o quanto a situação em Caracas é delicada. O deputado do PCdoB Orlando Silva, também preferiu não entrar no mérito da Constituinte. “É uma situação delicada a que a Venezuela vive hoje”, disse. “A Constituinte é uma opção que o país fez e não nos cabe tratar do mérito; temos que respeitar o país vizinho”. No final de semana passado, durante a 23ª edição do Foro de São Paulo, realizado na Nicarágua, PT, PCdoB e PDT assinaram um manifesto defendendo a Constituinte. A presidenta do PT, senadora Gleisi Hoffmann afirmou, em seu discurso, que espera que a eleição de domingo “possa contribuir para uma consolidação cada vez maior da Revolução Bolivariana e que as divergências políticas se resolvam de forma pacífica”. Na última quarta-feira, a oposição realizou uma greve geral no país e desde que os protestos começaram, em abril mais de 90 pessoas morreram nas ruas.
O PSOL, embora não seja signatário do Foro de São Paulo, defende posição parecida. “Apoiamos [a Constituinte] e esperamos que a solução passe pela decisão do povo”, disse o presidente do partido, Luiz Araújo. “A direita tem tentado impedir o exercício de Maduro e a saída do presidente foi devolver ao povo o direito constitucional de decidir para onde o país deve seguir”, afirma. Já Gilberto Maringoni, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, diz ter dúvidas se a Constituinte seria, de fato, o gargalo da crise daquele país, mas ainda assim ele defende a convocação. “É a saída que o Governo tem para não perder mais legitimidade”, diz. “Temos um avanço da direita na Venezuela como tem ocorrido com o Brasil e por isso acho que a esquerda tem que apoiar Maduro agora”.
De acordo com o professor, desde o impeachment de Dilma Rousseff, no ano passado, a esquerda brasileira está em crise. Por isso, o apoio a Maduro não é “uniforme”. “Há grupos que não apoiam Maduro”, diz. De fato, no final de maio, um grupo de cerca de 250 intelectuais e ativistas políticos definidos como de esquerda assinaram um manifesto criticando Nicolás Maduro. “Não acreditamos, como certos setores da esquerda latino-americana, que devemos defender acriticamente o que é apresentado como um ‘governo anti-imperialista e popular”, diz o texto. “O apoio incondicional oferecido por certos ativistas e intelectuais não apenas revela cegueira ideológica mas é prejudicial pois, lamentavelmente, contribuiu para a consolidação de um regime autoritário”. Dentre os brasileiros que assinam o texto estão Chico Whitaker, ex-vereador pelo PT e um dos principais nomes do Fórum Social Mundial, o antropólogo Otávio Velho e Bruno Bimbi, tesoureiro do PSOL no Rio de Janeiro.
Para Juliano Medeiros, presidente da Fundação Lauto Campos, do PSOL, as críticas até existem, mas o apoio ao bolivarianismo deve prevalecer. “A revolução bolivariana não compreende somente o Governo da Venezuela”, diz. “É claro que não vemos esse processo de forma acrítica, há erros e excessos que foram cometidos, mas, até agora, não foram suficientes para que viremos as costas à revolução”, diz. Como exemplo dos “equívocos”, Medeiros menciona a manobra do Governo de suspender, por meio do Supremo, todos os poderes do Parlamento, classificada como golpe de Estado pela oposição venezuelana. “O Governo reconheceu [que era um equívoco] e recuou”, diz Medeiros.
A legitimidade de Maduro
No Brasil, depois de sofrer o que classifica como golpe – o impeachment de Dilma Rousseff – a esquerda tem utilizado muito o argumento de que Maduro, diferentemente de Michel Temer, foi eleito democraticamente. “Gostando-se ou não de Maduro, ele tem legitimidade, foi eleito em urna, o que não é o caso de quem hoje governa o Brasil”, disse Gleisi Hoffmann, senadora e presidenta do PT, durante a abertura do Foro de São Paulo. O professor Maringoni segue esta mesma linha. “A Venezuela não tem uma ditadura, há um governo eleito”, diz. “Existe um conflito interno com repressão violenta, mas a luta política está lá, não há censura à imprensa, por exemplo”.
Um dia após o professor conversar com EL PAÍS, o presidente Nicolás Maduro anunciou a proibição das “manifestações públicas” que possam “perturbar” a eleição de domingo, sob pena de cinco a 10 anos de prisão. Para o presidente do PDT, Carlos Roberto Lupi, a determinação de Maduro é um “abuso”. “É como tirar o sofá da sala, né?”, diz, recorrendo à metáfora do marido que chega em casa e encontra a mulher o traindo com o vizinho no sofá e, no dia seguinte, tira o sofá da sala. Apesar da crítica, Lupi afirma que agora é o melhor momento para se fazer as eleições, já que “a situação na Venezuela descambou, não só do lado do Governo, como da oposição também”. Já Paulo Teixeira, do PT, condena a ação de Maduro, mas com cautela. “Todo processo democrático prevê o respeito às manifestações populares”, diz. “Acho que é fundamental que se garanta a participação de todos os lados”.
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