Histórico petista é pródigo no uso de agências para lavar dinheiro de esquemas de corrupção. Agora é a vez André Vargas parar na cadeia por isso
Laryssa Borges e Felipe Frazão, Veja
Quase dez anos depois de o Ministério Público Federal ter detectado que agências de publicidade do empresário Marcos Valério eram responsáveis por operacionalizar o propinoduto utilizado para abastecer o mensalão, publicitários e empresas de propaganda são novamente colocados no centro de um gigantesco escândalo de corrupção – desta vez, o bilionário esquema de lavagem de dinheiro desvendado pela Operação Lava Jato da Polícia Federal. Na 11ª etapa da operação, deflagrada nesta sexta-feira, a investigação mapeou no esquema digitais semelhantes às utilizadas pelo grupo de Valério pouco antes de 2005 e chegaram à conclusão de que a agência Borghi/Lowe, do empresário Ricardo Hoffmann, utilizava contratos de prestação de serviços com o Ministério da Saúde e com a Caixa Econômica Federal para irrigar os cofres de políticos corruptos por meio do pagamento de propina. Preso pela PF, o ex-deputado André Vargas (ex-PT-PR), aquele que defendeu com o punho em riste os colegas mensaleiros diante do ex-presidente do Supremo Joaquim Barbosa, foi um dos principais beneficiários deste propinoduto.
O histórico petista é pródigo no uso de agências de publicidade para lavar dinheiro sujo obtido por meio de esquemas de corrupção. Ainda que não seja exclusividade do partido – o mesmo modus operandi serviu ao escândalo do valerioduto mineiro, que desviou dinheiro de contratos de patrocínio de eventos esportivos -, é inegável que desde os tempos do mensalão houve uma espécie de profissionalização do uso de contratos de propaganda e marketing para branquear dinheiro de caixa dois ou simplesmente camuflar a movimentação de dinheiro da roubalheira petista. Os contratos de publicidade, assim como os acordos de consultoria hoje alegados pelo ex-ministro mensaleiro José Dirceu para justificar os 29,2 milhões de reais que recebeu de empreiteiras investigadas na Lava Jato, servem com eficiência a esquemas criminosos porque é difícil medir os serviços ou verificar in loco os custos de cada produção publicitária.
Em 2005, em depoimento na CPI dos Correios, que investigava o escândalo do mensalão, o publicitário Duda Mendonça, marqueteiro do ex-presidente Lula nas eleições de 2002, admitiu que recebeu 10,5 milhões de reais de Marcos Valério em depósitos em um paraíso fiscal no exterior. A revelação evidenciou que os tentáculos do então desconhecido Valério haviam abastecido o caixa da campanha petista na disputa que levou Lula ao Palácio do Planalto. Mais tarde se descobriria que a atuação de serviços publicitários como camuflagem para atuações criminosas do PT não se restringiu ao episódio Duda Mendonça.
O uso de contratos de publicidade para fins ilícitos se deu, por exemplo, no escândalo do mensalão, quando o então presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha (PT-SP) recebeu propina de 50.000 reais para providenciar “tratamento privilegiado” a Marcos Valério em uma licitação da qual sairia vitoriosa a agência de publicidade SMP&B, de propriedade do empresário mineiro. Menos de duas semanas depois de Cunha ter recebido a propina, a agência venceu licitação na Casa, mesmo já tendo sido desclassificada da concorrência anterior por insuficiência técnica. A empresa acabou subcontratando 99,9% dos serviços.
Ainda entre as tramas de corrupção envolvendo a atuação de mensaleiros e contratos de propaganda, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu que o então diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato e os publicitários Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach atuaram desvio de mais de 70 milhões de reais do BB por meio do fundo Visanet, responsável pela promoção de cartões de crédito da bandeira Visa, e de um montante que as agências de publicidade eram obrigadas a devolver à instituição financeira. O chamado núcleo publicitário do mensalão embolsou 2,9 milhões de reais em bônus de volume, uma gratificação paga pelos veículos de comunicação, enquanto 73,8 milhões de reais foram pagos pelo banco público à agência de publicidade DNA, de Valério, sem que houvesse comprovação de qualquer serviço prestado. Parte dos pagamentos foi justificada com notas fiscais frias. Foram emitidas nada menos que 80.000 delas.
O mercado de publicidade tem uma prática que virou terreno fértil para desvio de recursos de estatais: o chamado “bônus por volume”. Ele nada mais é do que um tipo de comissão que as produtoras e empresas de comunicação pagam de volta para as agências como uma espécie de recompensa por serem escolhidas para prestar os serviços de marketing ou publicidade. Um especialista exemplifica que, na Caixa Econômica Federal, 90% da verba para campanha publicitária costumam ser gastos com mídia e outros 10% com produção. Ocorre que cada empresa de mídia ou de produção devolve à agência de 10% a 15% do que recebeu. O problema é que, no caso dos contratos investigados pela Operação Lava Jato, já se sabe que o chefe da Borghi/Lowe em Brasília redirecionava as comissões para as empresas de irmãos do ex-deputado federal André Vargas (ex-PT-PR).
O esquema de publicidade da Lava Jato é similar ao do mensalão, embora, até agora, os personagens e empresas do setor não se repitam. “No mensalão também havia uma interação das empresas do Marcos Valério em relação à apropriação do bônus de volume. Nesse aspecto há uma semelhança de padrão entre eles [os escândalos]”, explicou o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, integrante força tarefa da Operação Lava Jato.
“É um esquema que envolve duas camadas entre o Ministério da Saúde [e a Caixa] e as empresas do deputado”, disse Lima. “O ministério e a Caixa têm contratos com essa agência de publicidade que subcontrata produtoras de material para a propaganda. Essas empresas normalmente devem devolver, por prática de mercado, um volume de valores, o bônus de volume que já foi usado no esquema do mensalão, para a agência de publicidade. Só que por ordem da agência elas repassavam o bônus para empresas ligadas ao Vargas.”
Para o procurador, Vargas simulou a prestação de serviços com notas fiscais frias para receber os 10% de gratificação e praticou lavagem de dinheiro.
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