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Discurso do governador Roberto Requião

Discurso do governador Roberto Requião


Íntegra do discurso do governador do Paraná, Roberto Requião, na abertura da Chamada Geral pela Integração Latino-Americana

Companheiras, companheiros.

O Paraná recebe-os com muita alegria. Para mim, particularmente, é uma imensa satisfação vê-los aqui reunidos, uma vez que a integração latino-americana sempre me foi uma obsessão. Isolados, divididos, com cada um enredado em seus próprios problemas continuaremos, como há séculos, presas fáceis de dominações imperiais.

Um breve exame de nossas histórias, da história de cada um de nossos países, talvez revele que em nenhuma outra parte do mundo aplicou-se com tanto êxito a política do divide et impera. Como os impérios de antigamente, o império de agora alimenta-se de nossa divisão. E, nas circunstâncias da vida hoje sobre o planeta, não existe a possibilidade de saídas singulares, de êxitos, de triunfos solitários, individuais.

Acredito que o primeiro passo para a integração seja o abandono, de uma vez por todas, da ilusão de que seja possível reproduzir na América Latina modelos de desenvolvimento como o norte-americano, o japonês ou da Europa ocidental. Ou então que acordos bilaterais com o Norte nos farão prósperos, desenvolvidos e não simples penduricalhos, ridículos apêndices do capitalismo global.

Há quem comemore um e outro resultado exitoso da macroeconomia deste ou daquele país latino-americano, praticantes do receituário neoliberal. Pergunto: o que a macroeconomia, os tais fundamentos macroeconômicos, têm a ver com o nosso povo, com os trabalhadores? Em conseqüência, pergunto: o que as nossas elites, as classes dominantes, têm a ver conosco?

Um outro passo para a nossa integração e libertação é o entendimento que as nossas elites, sua política e seus interesses significam o atraso, a regressão social e econômica, a exclusão, a miséria. Conciliar com as elites, fazer concessões às classes que há séculos nos submetem é manter abertas as veias por onde se esvai a vida de nossos povos.

Cui prodest?

A quem interessa e beneficia o superávit primário, as metas da inflação, as altas taxas de juros, a autonomia dos Bancos Centrais, as privatizações, a flexibilização das leis trabalhistas, as tais reformas, enfim? A quem interessa, quem se beneficia?

Paulo, o apóstolo, Paulo de Tarso, para manter sob o seu aprisco os primeiros e ainda insubmissos conversos, dogmatizou: “Fora da Igreja não existe salvação”. É o que fazem hoje os neoliberais, as nossas elites e seus áulicos. Querem nos fazer crer que não existe salvação, que não há saída, que é impossível outro caminho a não ser a sujeição ao neoliberalismo e seus mandamentos.

E eles têm razão. De fato, para que a dominação continue, para que prossigam acumulando fortunas tão fantásticas que as máquinas de calcular não conseguem somar tantos são os zeros dos trilhões e quatrilhões, para que as bolsas e as especulações financeiras realizem lucros estratosféricos, é preciso que tudo permaneça como está.

Eles têm razão. Desarrozoados, desatinados são os que ainda insistem em permanecer em um caminho que tão-somente haverá de consolidar o subdesenvolvimento, a miséria, a submissão. Afinal, nenhum país distribuiu renda, aumentou os ganhos reais de seus trabalhadores, diminuiu o desemprego, venceu a pobreza com as prescrições neoliberais.

Vejam o exemplo brasileiro, que não deve ser diferente dos demais países latino-americanos. Vejam: no início dos anos 80, a renda per capita dos brasileiros era um terço da renda per capita dos norte-americanos. Hoje, é um quinto. A globalização nos empobreceu, a participação do trabalho no Produto Interno Bruto desabou.

A integração latino-americana não é a integração de nossas elites, das classes dominantes das políticas neoliberais, do capital financeiro, da banca e dos especuladores, das transnacionais. Eles já estão muito bem servidos.

Nós, de nossa parte, devemos deixar de ser meros resistentes, eternos opositores. Já passamos tempo demais nas trincheiras, nas marchas de protesto, gritando palavras de ordem, debatendo, teorizando. É preciso agir. É preciso unificar as nossas preocupações, as nossas lutas e iniciativas. É preciso, nos limites de nossas possibilidades, de nossas competências e influências fazer avançar a unidade, a integração, a solidariedade.

Permitam agora que cante a minha aldeia.

O Estado do Paraná, fazendo fronteira com a Argentina e o Paraguai, nessa tríplice fronteira que tantas preocupações causa ao império, está vocacionado para a integração. Temos procurado manter com os nossos vizinhos uma política de aproximação de interesses.

No primeiro quadriênio de meu governo promovemos inúmeras missões a países latino-americanos. E recebemos aqui dezenas de outras missões. Buscamos sempre demonstrar que é possível sustentar o desenvolvimento econômico em nossas próprias forças, em uma relação de respeito, de igualdade e solidariedade. Que os nossos interesses se completam, que a competição predatória, que a disputa desleal pode ser substituída pela solidariedade entre os povos.

No plano interno, temos buscado, aqui no Paraná, a prática de políticas publicas que se contraponham aos preceitos e preconceitos neoliberais. Desprivatizamos a empresa de água e saneamento, recuperamos a empresa de energia, que pretendiam também privatizar, retomamos a iniciativa estatal na educação, na saúde, na infra-estrutura. Colocamos em execução uma política tributária e fiscal de vigoroso apoio às micro e pequenas empresas. Estimulamos fortemente a geração de novos empregos, de tal forma que o Paraná é hoje o estado brasileiro que, proporcionalmente, mais cria novas vagas de trabalho no país. E estamos iniciando agora um fantástico plano de apoio à pequena agricultura, à agricultura familiar.

Aqui no Paraná, quando o interesse público está em jogo, não temos medo de romper contratos, de retomar empresas públicas. Não temos medo das agências internacionais ou dos sabujos nacionais que fixam as notas do “risco Brasil” ou que classificam um novo risco, o “risco Requião”.

Pouco se nos dá o temor dos neoliberais. Antes de tudo, acima de tudo, a nossa gente.

Com todas as dificuldades que enfrentamos, com as limitações que são impostas pela política econômica nacional, com a oposição impiedosa da grande mídia, com tudo isso, apesar disso, temos avançado.

Estamos demonstrando que é possível sim um outro caminho. Que a construção de uma sociedade justa, desenvolvida, fraterna, solidária é possível.

As nossas elites não têm mais nada a oferecer. A vigência das políticas delas significa a condenação de nossos povos ao desemprego, à marginalização, à doença, à submoradia, ao analfabetismo, à ignorância, à infelicidade, à violência.

A América Latina precisa deixar de ser o continente para os outros, como fomos da colonização até hoje. O ouro, a prata, o café, a cana de açúcar, as florestas, o petróleo, a produção agrícola e pecuária, os minérios. O continente para os outros.

Agora mesmo, quando a insanidade consumista dos países ditos desenvolvidos começa a esgotar as fontes não renováveis de energia, querem nos transformar em imensos canaviais para fornecer o combustível necessário a movimentar um sistema irracional, pantagruélico, insaciável.

O biocombustível, a produção de uma energia limpa e renovável, é desejável. Contudo, isso, que tanto pode beneficiar a América Latina, não pode ser transformado em um novo instrumento de submissão do continente.

Companheiras, companheiros.

Que esta chamada pela integração latino-americana ressoe por todo o continente. Que esta seja a reunião inaugural de um novo tempo. As condições para o rompimento com as políticas neoliberais que escravizam, que submetem, que desgraçam o nosso continente e os povos do mundo todo amadurecem a cada dia. Lutemos, avancemos, que não temos nada a perder a não ser as amarras que nos mantém atados ao subdesenvolvimento, à desesperança, à margem da vida.