Enquanto não retorna ao cárcere, o petista age nos bastidores: recebe companheiros em casa, influi nas decisões do PT, insufla a militância e mantém conversas de coxia até com o ex-presidente Lula
Ary Filgueira, IstoÉ
Desde que deixou a prisão, em maio deste ano, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu tem evitado os holofotes. Não aparece em público nem mesmo para receber as loas dos companheiros de outrora, como ocorreu na última convenção do Partido dos Trabalhadores (PT), quando a senadora Gleisi Hoffmann foi alçada ao posto máximo da legenda. A alegação oficial é de que o petista tem aproveitado o tempo fora do cárcere – exíguo, já que ele pode regressar à cadeia qualquer momento, basta que a segunda instância ratifique decisão do juiz Sergio Moro – para ficar em casa e desfrutar dos momentos com a família. Conversa fiada. Dirceu tem agido nas sombras. Mal completou dois meses de liberdade e o ex-capitão do time de Lula parece ter readquirido ritmo de jogo.
O entra e sai de militantes e políticos em sua residência em Brasília é frenético. Como bom anfitrião, o petista tem recepcionado integrantes da bancada do partido para discorrer sobre política e até definir estratégias de ação. Na entrada, oferece café. Às vezes, bolo. Os últimos passos do PT foram traçados com a anuência dele. Foi numa reunião realizada em torno de uma mesa quadrada de madeira que Dirceu deu aval, por exemplo, à ascensão de Gleisi à presidência do partido, em detrimento de Lindbergh Farias (PT-RJ), descrito pelo ex-ministro como “muito instável”. “Gleisi é mais orgânica e focada”, teria dito Dirceu, segundo pessoas que estiveram com ele recentemente. Os encontros, em geral, ocorrem às escondidas, na calada da noite, longe das lentes e radares da mídia e até da vizinhança no Lago Sul, setor residencial nobre de Brasília. Conforme apurou ISTOÉ, nos últimos dias, Dirceu manteve uma longa conversa com o seu interlocutor mais ilustre, o ex-presidente Lula. O canal estabelecido por eles, porém, não foi revelado.
AS DIGITAIS
Monitorado com a ajuda de uma tornozeleira eletrônica, Dirceu se reúne pelo menos uma vez por semana com a cúpula do PT que ele ajudou a eleger. O senador Paulo Rocha (PA) reconheceu que o petista contribui para as decisões do partido. “Mas de forma discreta”, afirmou Rocha. Um assessor da liderança do partido no Senado afirmou à ISTOÉ que José Dirceu ainda possui uma carteira de conhecimento que transcende as alas do PT. Até pelo Ministério Público Federal ele ainda transita com desenvoltura. Mas, óbvio, seus movimentos são meticulosamente calculados. “Ele teme que uma ação ou declaração desastrada possa desagradar ao presidente Lula ou ao MPF (Ministério Público Federal)”, explica o assessor.
As digitais do ex-ministro são identificadas no posicionamento das bancadas do PT na Câmara e no Senado. Seguindo a velha cartilha revolucionária imposta pelo ex-detento, os parlamentares da sigla têm cumprido à risca as determinações do Zé, como é conhecido internamente. Quais sejam: de promover baderna nas ruas e tumulto nas sessões do Congresso, a fim por em prática a surrada estratégia do “quanto pior, melhor”. Melhor para o PT. Na avaliação de Dirceu, para que a esquerda tenha condições de regressar em 2018, Temer precisa sangrar até o final. Mesmo que isso atrase ainda mais a recuperação econômica do Brasil – que o petista afirma defender. Recentemente, por intermédio de um emissário, Dirceu enviou um recado à militância.
A mensagem foi gravada: “Precisamos ocupar as ruas desse País. Precisamos reconquistar aquilo que ganhamos quatro vezes, que é o governo do Brasil”, disse ele, em mensagem gravada e replicada nas redes sociais. Poucos dias depois de ter sido solto, o ex-ministro recebeu um grupo de 30 amigos em sua casa no Lago Sul, região onde se concentram as residências dos presidentes da Câmara e do Senado, além de embaixadas. Os companheiros lhe proporcionaram um suculento churrasco.
“TRAIÇÃO”
Apesar do clima de aparente fidelidade, nem tudo são flores na relação de Dirceu com o PT. Em conversas com interlocutores, o ex-presidente da legenda desfiou um rosário de críticas a determinadas figuras do petismo, a quem acusou de traição. A amigos de longa data chegou a dizer que seu infortúnio foi efusivamente comemorado por uma corrente interna do PT, interessada em vê-lo pelas costas. “Todo mundo sabe que ele seria o próximo presidente do País se não tivesse sido tragado pelo mensalão. E isso desagradava a algumas pessoas dentro do PT”, vaticinou um servidor da liderança do partido na Câmara Legislativa do Distrito Federal, com quem Dirceu costuma se reunir.
No Distrito Federal, a principal interlocução de José Dirceu é com o deputado distrital Chico Vigilante. Assim que deixou a prisão, Dirceu recebeu a visita do político candango. O encontro entre os dois foi no Sudoeste, o primeiro local de moradia do sentenciado, após o desembarque da viagem feita de carro de passeio do Paraná à capital federal, para evitar constrangimentos nos voos comerciais. Na sexta-feira 30, foi a vez de Dirceu devolver a gentileza a Vigilante. O distrital se recupera em casa de uma cirurgia para retirada de um tumor na tireoide. O ex-ministro de Lula e Dilma se deslocou quase 40 quilômetros para visitar o amigo convalescente no Setor P Sul, em Ceilândia, cidade da periferia de Brasília. Chico Vigilante cumpre à risca a cartilha do “amigo”, como ele mesmo costuma descrever o petista em textos divulgados nas redes sociais. Numa das publicações, Vigilante defendeu o controle da mídia, uma das bandeiras de Dirceu, embora tenha embutido uma pequena crítica ao companheiro.“O Brasil é o único lugar no mundo onde a mesma empresa pode ser dona simultaneamente de rádio, jornal, revista, televisão, internet etc. É o país do monopólio antidemocrático. Essa omissão foi um erro grave dos estrategistas do PT, inclusive do meu amigo Zé Dirceu”, escreveu o representante dos vigilantes do DF na Câmara Legislativa.
Mesmo preso, Dirceu nunca parou de tentar influir no PT. Na prisão, o petista dedicava-se à produção de um livro – um capítulo será dedicado a período de um ano e nove meses que ficou encarcerado em Curitiba. Entre uma lauda e outra, Dirceu orientava os companheiros. As mensagens eram emitidas por meio de advogados. Agora, o petista aproveita a liberdade para intensificar o corpo-a-corpo com os correligionários. Ao menos os que ainda lhe prestam reverência.
O ex-ministro de Lula deixou a cadeia no dia 3 de maio, numa decisão insólita da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, que determinou a soltura do preso por três votos a dois. O juiz da 13a Vara Federal, Sergio Moro, responsável pelos processos da Lava Jato que envolvem réus sem foro privilegiado, condenou Dirceu a 32 anos de prisão em regime fechado. O processo será analisado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre. Se os ministros ratificarem a sentença, Dirceu deverá passar a próxima década de onde não deveria ter saído.
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