Entre recriar uma ilusão e trabalhar duro para consertar a realidade, a presidente está escolhendo a primeira opção
Editorial, Gazeta do Povo
Um dos bordões preferidos de governistas, confrontados com as críticas da oposição à gestão de Dilma Rousseff, é o de que os adversários não tinham “descido do palanque”, ou seja, não aceitavam a derrota nas urnas e estariam dispostos a um “terceiro turno” (outra expressão bem ao gosto dos vitoriosos de outubro) na Justiça ou no Congresso. Pois justamente a presidente Dilma resolveu “subir no palanque” novamente. Diante da queda abrupta em sua popularidade, registrada em pesquisa do Datafolha, o que a presidente fez?
Reuniu ministros para traçar uma rota coerente de governo? Ampliou a interlocução com a sociedade civil organizada? Nada disso: pediu socorro ao seu marqueteiro de campanha, João Santana. Os dois devem se encontrar nesta sexta-feira.
O pânico tem sua razão: em dezembro, o mesmo Datafolha encontrou 42% de entrevistados que avaliavam o governo Dilma como “ótimo” ou “bom”. Essa parcela caiu para 23%. Foi praticamente uma inversão em relação aos que consideravam o governo “ruim” ou “péssimo” (24% em dezembro e 44% agora). Além disso, 54% dos entrevistados consideram Dilma falsa; para 47%, ela é desonesta; 50% a classificaram como indecisa. A imagem de Dilma está corroída até mesmo entre os petistas, dos quais 19% chamaram a presidente de falsa e 15%, de desonesta. Além disso, 77% dos entrevistados disseram acreditar que Dilma sabia da roubalheira na Petrobras – 52% afirmaram que ela não apenas sabia, como ainda deixou que a corrupção rolasse solta na estatal.
Um dado, em especial, é revelador: entre a população que ganha até dois salários mínimos mensais, há mais entrevistados considerando o governo “ruim” ou “péssimo” (36%) que “ótimo” ou “bom” (27%) – em dezembro, essas porcentagens eram, respectivamente, de 19% e 50%.
O pedido de socorro ao marqueteiro é compreensível. Afinal, foi João Santana quem ajudou Dilma a convencer os eleitores de que a inflação estava sob controle, a economia tinha tudo para se recuperar, a corrupção estava sendo combatida sem trégua, e os adversários, especialmente Marina Silva e Aécio Neves, tinham preparado um “pacote de maldades” para colocar em prática assim que subissem a rampa do Planalto.
Mas recriar o mundo cor-de-rosa de antes da eleição será uma tarefa árdua. A inflação rompeu o teto da meta do Banco Central e prejudica especialmente os mais pobres; as perspectivas de crescimento do país são nulas; a cada dia surgem novos escândalos nas investigações realizadas pela Operação Lava Jato; e o “saco de maldades” foi aberto pela própria Dilma, que fez praticamente tudo o que acusava seus adversários de querer fazer. A “herança maldita” criada pela própria presidente – com a ajuda de Lula, que começou a desfazer a ortodoxia econômica no fim de seu segundo mandato, abrindo caminho para a irresponsabilidade verificada nos primeiros quatro anos de Dilma – e o estelionato eleitoral de outubro não tinham como passar incólumes por uma população que vê os preços aumentando e o emprego diminuindo.
Com a popularidade em queda, o governo agora aposta em um pronunciamento de Dilma em rede nacional de rádio e televisão após o carnaval, tendo o combate à corrupção como tema principal. Com essa convocação de João Santana para socorrer a presidente, fica evidente que, entre recriar uma ilusão e trabalhar duro para consertar a realidade, Dilma está escolhendo a primeira opção.
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