Depressão e suicídio são assuntos que, de alguma forma, estão no radar de adolescentes e adultos jovens. A discussão é impulsionada, por exemplo, por filmes e séries que tratam os temas, como 13 Reasons Why, da Netflix. Mas apesar de estarem ‘antenados’ quando o assunto é saúde mental, esse mesmo público não se sentiria à vontade para falar sobre depressão com a família, colegas de trabalho ou de escola se recebesse o diagnóstico da doença.
A constatação é de uma pesquisa feita pelo Ibope Conecta com dois mil brasileiros, a partir dos 13 anos de idade, em diferentes regiões metropolitanas do País. Segundo os resultados, 39% dos adolescentes de 13 a 17 anos dizem que não se sentiriam à vontade para dividir o problema com a família e 49% não compartilharia o diagnóstico na escola ou no trabalho.
Entre a população de 18 a 24 anos, a porcentagem é um pouco maior: 56% não contaria aos colegas de trabalho ou de escola sobre o problema e o principal motivo seria a percepção de que as pessoas não costumam levar a depressão a sério.
Os dados são preocupantes porque a depressão é o principal fator de risco para o suicídio e, ao contrário do que se pensava, não falar abertamente sobre esses temas pode piorar a condição. Ou seja, esconder não é a solução. Outro alerta é que o suicídio é a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, segundo um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgado nesta segunda-feira, 9.
“Os adolescentes estão muito mais ‘ligados’, percebendo os sintomas, mas a pesquisa revelou algo forte. Apesar de estarem ‘ligados’, eles não têm coragem de falar que estão com depressão porque existe estigma, tabu, preconceito, como se não fosse uma doença. Eles têm noção [da depressão], mas também têm noção do quanto ainda tem preconceito”, avalia a psiquiatra Alexandrina Meleiro, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Segundo a especialista, o preconceito que existe contra a depressão afeta os jovens a ponto de eles evitarem reconhecer que estão sofrendo da doença. A desinformação também é outro fator que contribui negativamente. Na faixa etária de 18 a 24 anos, a pesquisa mostrou que 26% considera que a depressão é uma ‘doença da alma’ e 29% não está totalmente convencido de que a doença é semelhante a qualquer outra e pode ser tratada com sucesso.
Entre os mais jovens, de 13 a 17 anos, 23% acredita que não existem sintomas físicos na depressão, porque ela seria “apenas um momento de tristeza”. “As pessoas entendem a doença mental como falha de caráter”, justifica o médico psiquiatra Primo Paganini sobre essa percepção errada. “A depressão é um desafio, porém jamais uma fraqueza. Ela é uma condição física com repercussão psíquica, precisa tratar com medicação e psicoterapia”, afirma o especialista, diretor-médico da eCare.
Os sintomas físicos da depressão incluem consequências cardiovasculares, aumento da glicemia e do colesterol, risco de trombose, enfarte e arritmia. “Uma doença mental que começou com estresse ou trauma faz morrerem neurônios no cérebro e diminuir o nascimento de novos, processo chamado de neurogênese”, explica Paganini. Um evento traumático libera proteínas inflamatórias pelo corpo, que vão agir para aumentar a resposta agressiva e do medo e reduzir a capacidade de memória e controle do estresse. Em seu canal no YouTube, Meu Primo é Médico, Paganini dá algumas aulas sobre doenças mentais, principalmente sobre depressão, e explica essas consequências da doença.
Depressão em adolescentes
Segundo os especialistas, a irritabilidade é a principal característica da depressão em adolescentes, diferente do humor deprimido que fica mais claro em adultos. Isso pode fazer com que as pessoas ao redor confundam a doença com a manifestação típica da chamada ‘aborrecência’.
“Normalmente, a irritabilidade típica não vem acompanhada de baixa autoestima, sensação de inferioridade ou questionamentos da própria competência”, alerta Paganini. Ele orienta que família, amigos e escola fiquem atentos a um comportamento mais isolado. Alexandrina também afirma que os adolescentes não têm hábito de queixas emocionais psíquicas e que é preciso ajudá-los e buscar essa expressão.
Segundo Paganini, existe resistência em perceber a depressão em pessoas nessa faixa etária. “Muitos pais entendem a depressão ou a ansiedade na adolescência como culpa deles. Eles se sentem ofendidos quando falamos que o filho está deprimido ou perguntamos se tem ideação suicida. Têm resistência porque eles entendem a doença mental como doença de louco e na verdade é [doença] cívica”, afirma.
Depressão e suicídio
A depressão é uma doença psiquiátrica que causa tristeza profunda e pessimismo, sentimentos que podem culminar em comportamentos suicidas. Uma revisão sistemática de 31 artigos sobre o tema apontou que 35,8% das pessoas que cometeram suicídio tinham transtornos de humor, classificados como depressão.
Embora a ideação suicida esteja presente em 60% das pessoas com depressão, segundo o Manual da Psiquiatria Clínica, 15% delas se suicidam. Ou seja, nem toda pessoa diagnosticada com depressão cometerá suicídio, mas os sintomas da doença são um sinal de alerta.
“Quem vai se suicidar, avisa sim. Existem estudos que mostram que, um ano antes, pessoa foi a um pronto-socorro ou médico com queixa de doença mental: depressão, ansiedade, irritabilidade. E um mês antes, a pessoa procurou psicólogo e verbalizou ideia de morte”, diz Paganini.
Quando falar sobre depressão e suicídio com adolescentes
Alexandrina orienta que os pais e as escolas comecem a discutir o tema da depressão com crianças por volta dos 12 anos idade. É preciso passar uma noção do que é a doença e, com isso, ensinar a identificar os sintomas mais conhecidos. Ela podera que é preciso ter habilidade para falar sobre o assunto e, caso os pais não se sintam confortáveis, é importante buscar o auxílio de um psicólogo ou psiquiatra.
“O mais importante é os pais ficarem atentos: se o adolescente está mais isolado, deixou de ir a festas, está comendo demais ou de menos, deixou de comer ou mudou algum comportamento”, diz a psiquiatra. Paganini reforça que é necessário pensar em prevenção e começar a falar do assunto como se falaria de diabete, por exemplo. “E a psicoterapia sempre faz muito bem para saúde mental”, aconselha o médico.
A orientações também valem para abordar o suicídio. Aproveitar séries e filmes que falam do assunto para iniciar uma conversa pode ser uma alternativa. É importante deixar claro que suicídio tem prevenção e que falar abertamente sobre o tema e as questões que o permeiam é a melhor forma de ajudar. Ao se deparar com uma queixa de depressão de um adolescente, Alexandrina orienta a escutar sem fazer julgamento, crítica ou banalização e se colocar no lugar do outro.
Setembro Amarelo – busque ajuda
O Setembro Amarelo é uma campanha de conscientização sobre a prevenção do suicídio. É neste mês que ações em diferentes esferas sociais buscam promover a saúde mental e dar destaque a centros que oferecem ajuda a quem precisa. Neste 10 de setembro é celebrado o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio e segundo a OMS, mais de 90% dos casos de suicídio estão associados a distúrbios mentais e, portanto, podem ser evitados se as causas forem tratadas corretamente.
Conversar sobre depressão, sentimentos negativos e suicídio é a melhor forma de prevenir o atentado contra a própria vida. Para ajudar nesse processo, o Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece atendimento voluntário e gratuito 24 horas por dia a quem está com pensamentos suicidas ou enfrenta outros problemas.
“Mesmo que você não tenha certeza de que precisa de nossa ajuda, não tenha receios em entrar em contato com a gente. Um de nossos voluntários estará à sua disposição”, explica a equipe do site.
A organização, uma das mais antigas do País, atua no apoio emocional e na prevenção do suicídio por meio do telefone 188 e também por chat, e-mail e pessoalmente. Confira as opções aqui.
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