Na quinta-feira passada, após encontro do juiz da 7.ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, Marcelo Bretas, com o interventor federal na segurança pública do Estado, general Walter Braga Netto, foi anunciado que o dinheiro recuperado pela Lava Jato no Rio de Janeiro será usado pela polícia para a compra de veículos e equipamentos. Até o momento, consta que a operação no Estado do Rio recuperou R$ 450 milhões. No ano passado, o juiz Marcelo Bretas liberou recursos provenientes de esquemas criminosos para o pagamento de salários atrasados de servidores inativos e para reformas de escolas.
A respeito do acerto entre o juiz e o interventor, o porta-voz do Gabinete de Intervenção, coronel Roberto Itamar, disse que toda a verba destinada às polícias é “bem-vinda” e se junta ao “esforço que está sendo realizado para melhoria das condições da segurança pública”. “Esses recursos normalmente são destinados a equipamentos de tecnologia de investigação para a Polícia Civil e também para manutenção e aquisição de veículos para o apoio às Polícias Civil e Militar”, afirmou o coronel.
Certamente, é necessário destinar recursos à segurança pública. E uma intervenção federal, para que possa cumprir suas tarefas, necessita de verbas extraordinárias. O problema é que a gestão dos recursos públicos não cabe ao Poder Judiciário. Não é ele que deve definir o uso específico das verbas recuperadas da corrupção. Seu papel é restituir os recursos a quem foi lesado.
Se forem recursos do Estado, eles devem voltar aos cofres estaduais, cabendo ao Poder Executivo estadual dar-lhes o destino que julgar mais conveniente. No caso da Lava Jato, muitos dos recursos desviados não eram propriamente verba pública, mas dinheiro da Petrobrás, que é uma empresa de capital misto. Neste caso, os recursos devem ser devolvidos à empresa. Algumas sentenças do juiz Sérgio Moro, da 13.ª Vara Federal de Curitiba, por exemplo, determinam a devolução aos cofres da Petrobrás.
O Código de Processo Penal tem um capítulo específico a respeito da restituição das coisas apreendidas nas ações criminais, definindo, por exemplo, que a devolução deverá ser feita após o trânsito em julgado da sentença. O objetivo da lei é assegurar que as coisas apreendidas – ou o valor obtido após leilão – sejam revertidas ao seu dono ou, em determinados casos, ao terceiro de boa-fé. Não sendo possível essa devolução, o valor deverá ser revertido ao Tesouro Nacional. Não está previsto, portanto, que o juiz destine os recursos segundo o seu alvedrio.
No caso de recursos relacionados a crimes de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, a Lei 9.613/1998, com as alterações feitas pela Lei 12.683/2012, fixa um destino específico para esses valores. Além da interdição do exercício de cargo público pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade aplicada, a lei prevê, como um dos efeitos da condenação, “a perda, em favor da União – e dos Estados, nos casos de competência da Justiça Estadual -, de todos os bens, direitos e valores relacionados, direta ou indiretamente, à prática dos crimes previstos nesta Lei, inclusive aqueles utilizados para prestar a fiança, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé”.
Reafirma-se, assim, o princípio inscrito no Código de Processo Penal. Sempre que for possível identificar quem foi lesado pela lavagem de dinheiro – a pessoa física, a empresa ou o órgão do poder público -, é a ele que os recursos recuperados devem ser devolvidos. Caso não seja possível, a Lei 9.613/1998 ainda determina que a União e os Estados deverão regulamentar a destinação desses bens, cuja perda foi declarada como pena dos crimes de lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio, aos órgãos, federais ou estaduais, “encarregados da prevenção, do combate, da ação penal e do julgamento dos crimes previstos nesta lei”.
Vê-se, mais uma vez, a lei determinando o destino específico a ser dado ao dinheiro cujo dono original não foi identificado. Segurança pública, educação, benefícios de inativos – todos eles são destinos muito nobres para um dinheiro que estava nas mãos de criminosos. Não cabe ao juiz, porém, determinar a destinação específica. Cabe-lhe aplicar a lei, não fazer a gestão dos recursos públicos.
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