Luiz Claudio Romanelli
‘Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil’ – Auguste de Saint-Hilaire
A maioria dos literatos credita a frase acima ao escritor paulista Monteiro Lobato, mas ela é do botânico e naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire bem conhecido por nós, paranaenses, que por aqui até nome de parque tem. Outro escritor e poeta paulista, Mário de Andrade, cunhou a expressão similar no personagem Macunaíma: “pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil”. Isso em 1929 no pico do movimento modernista nas artes brasileiras.
Por mais complexa a situação, este é o paralelo que enfrentamos na atual quadra do país: a desigualdade alcançou níveis tão extremos que seis famílias têm mais riqueza do que 100 milhões de brasileiros. Diga-se, somos 210 milhões, ou seja, as tais seis famílias concentram mais riquezas do que a metade da população brasileira.
A estrutura tributária do país agrava tal conjuntura. Enquanto os mais ricos pagam uma alíquota de 6,7% de imposto de renda, a classe média é taxada em 27,6%. Isso se dá por uma característica extremamente peculiar do Brasil que é a tributação sobre o consumo e não sobre lucros e dividendos de pessoas físicas. Ao lado do Brasil somente a Estônia realiza tal prática.
Estudo do economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas, mostra que o Brasil vive o mais longo ciclo de aumento da desigualdade de sua história. A concentração de renda cresce no país há 17 trimestres, o que é pouco mais de quatro anos.
Após a leitura de parte do estudo o que se extrai é que de fato a piora na desigualdade é resultado absolutamente direto do aumento do desemprego que ainda aflige 12 milhões de pessoas. Para além disso o subemprego atinge 38,8 milhões de brasileiros. Somando as duas pontas – desemprego e subemprego – o país tem uma massa de mais de 50 milhões de pessoas fora do mercado formal do trabalho. Este gigantesco “exército de reserva” representa, pareado com seus dependentes, dois terços da população brasileira. Fica cristalino, no estudo, o desemprego foi o principal responsável pela queda no poder de compra das famílias.
Nem mesmo em 1989, pico histórico de desigualdade brasileira, alimentada pela inflação galopante, houve um período de concentração de renda por tantos trimestres consecutivos. É o que adianta matéria deste final de semana do jornal O Globo que também repercute os alarmantes dados expostos pela publicação de autoria do professor Marcelo Neri.
Outro indicador do avanço da desigualdade é o resultado do cruzamento de dados sobre o rendimento do trabalho e a faixa de renda a qual pertence o trabalhador. No período de 2014 até 2019, a renda da metade mais pobre da população caiu. A perda foi de 17,1%. No mesmo período, a renda da parcela que compreende o 1% mais rico avançou 10,11%.
Em decorrência deste abismo crescente de renda entre os trabalhadores, o número de pobres no Brasil aumentou. De acordo com o levantamento, entre 2015 e 2017, a população pobre brasileira aumentou de 8,3% para 11,1% do total. Assim, este contingente representa uma parcela de 23,3 milhões de homens e mulheres brasileiros que vivem com menos de R$ 233 por mês, cerca de 50 dólares americanos.
Em dois anos, a pobreza no Brasil passou a contar com mais 6,2 milhões de pessoas. É preciso compreender que medidas adotadas, à exemplo a retração aos investimentos em políticas e programas de distribuição de renda, em outras palavras, a mensuração da pobreza pode ser feita analisando as questões de natureza política e de ordem técnico-instrumental. Ao passo que o desemprego cresce a necessidade de reformulação e abrangência da políticas públicas devem acompanhar esse processo e não retrair o seu alcance através da redução de investimentos e repasse da responsabilidade do Estado à sociedade civil.
O crescimento econômico não deve ser visto como a única condição para enfrentar, combater e reduzir o pauperismo. Atender e renunciar ações minimalistas dirigidas à pobrezas emergenciais, focalizadas e reduzidas à dimensão assistencial se apresentam como alternativas possíveis que devem ser amparadas por políticas públicas que de fato garantam proteção social e os mínimos sociais contidos na Constituição Federal.
Poucos agentes ou partidos políticos se propuseram ao debate e enfrentamento das problemáticas centrais ligadas a miserabilidade e intensificação da desigualdade. O motivo fulcral desta inação, ou a principal escusa para a não confrontação sempre recai nas leis do mercado, o interesse do alto capital. O mercado que se abriga nestes trajes de entidade nada etérea criada para mascarar interesses dos grandes grupos econômicos representantes, por óbvio, das seis famílias mais abastadas do país.
Mas exatamente a isso é que o PSB se compromete com a igualdade, e durante o Encontro Nacional, neste final de semana, no Rio de Janeiro, se propôs encontrar soluções, até mitigatórias, sobre como combater a desigualdade, a pobreza e a grave exclusão social no país.
Desigualdade e pobreza devem ser encarados como os maiores problemas do Brasil, e na conferência nacional da autorreforma, com a participação de especialistas, intelectuais e de grandes lideranças nacionais, discutimos, com a devida seriedade, esses dois temas bem como os outros seis eixos que vão da reforma do Estado ao socialismo e democracia.
O PSB faz história ao ter a coragem de debater democraticamente o próprio partido e as soluções para o país indo à raiz dos problemas nacionais. Nós temos que reconhecer que o país precisa de uma reforma do Estado. De um lado, temos o Brasil contemporâneo, ligado ao que acontece de moderno no mundo, tanto no conhecimento quanto no desenvolvimento. Enquanto na administração pública vemos um Brasil arcaico, burocrático e antiquado cuja única alternativa seria se redirecionar para um modelo gerencial capaz de discutir e aprimorar o serviço público que estamos entregando á população. Esta é uma questão fundamental.
Outra indagação, não menos importante, é a democracia. Estamos vendo, atualmente, narrativas autoritárias do atual governo e dos seus porta-vozes às estruturas democráticas brasileiras. Esse discurso não pode ser banalizado porque, na prática, ameaça a democracia. A radicalização do discurso antidemocrático impõe a radicalização da democracia, Ter compromisso com ela é ter compromisso com o Brasil. Esta é, também, uma questão fundamental.
E para concluir, o federalismo. A modernidade exige um novo pacto federativo onde se transfira competências e recursos aos estados e municípios, aqui a essência é descentralização gerencial-administrativa do Estado. Temos que rediscutir a distribuição dos recursos arrecadados pelos impostos e contribuições. Nossa estrutura federativa transfere a maioria de suas receitas fiscais para a União, um erro que não deve ter continuidade.
Parte dessas discussões já tem espaço no Congresso Nacional. Deputados e senadores, por exemplo, não querem e não devem abrir mão de planejar o orçamento da União, Estados e Municípios e nós não podemos mais ficar reféns desse modelo federativo que, por mais paradoxal que pareça, remete a época do Império. A bandeira do Novo Pacto Federativo deve ser hasteada pelo nosso PSB.
Luiz Cláudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, é deputado estadual e vice-presidente do PSB do Paraná.
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