O STF corrigiu gritante violação dos limites do Direito por parte de agentes públicos ao considerar inconstitucional a condução coercitiva de réu ou investigado para interrogatório
Ao considerar inconstitucional a condução coercitiva de réu ou investigado para interrogatório, o Supremo Tribunal Federal (STF) corrigiu gritante violação dos limites do Direito por parte de agentes públicos que, a pretexto de investigar suspeitas de corrupção, vinham atropelando garantias fundamentais dos cidadãos conduzidos “sob vara” para prestar depoimento.
O placar no STF, contudo, foi apertado (6 a 5), indicando a dificuldade de vários ministros de ler a Constituição sem os óculos da ideologia e do ativismo judicial. Um deles, Luís Roberto Barroso, dias depois da decisão, manifestou publicamente seu inconformismo e afirmou que o voto vencedor foi uma “manifestação simbólica daqueles que são contra o aprofundamento das investigações” da Lava Jato, um “esforço para atingir e desautorizar simbolicamente juízes corajosos que estão ajudando a mudar o Brasil”. Afora a deselegância com os ministros que ousaram discordar do iluminado juiz, a declaração denota incapacidade de interpretar a opinião contrária senão como uma afronta ao País.
Não deveria haver dúvida hermenêutica a respeito do inciso LXIII do artigo 5.º da Constituição, que garante o direito dos cidadãos ao silêncio perante a autoridade judicial, pois ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo. Logo, no entender da maioria do colegiado do STF, a condução coercitiva seria uma violação desse preceito, pois, se ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo, a condução de réu ou investigado à força para depoimento não se justifica em nenhuma hipótese.
Desse modo, a decisão torna inconstitucional o artigo 260 do Código de Processo Penal, que prevê a possibilidade de condução coercitiva se o réu ou investigado desrespeitar intimação judicial. Mas o que vinha acontecendo desde que se deflagrou a Operação Lava Jato, há mais de quatro anos, era uma dupla violação, tanto do artigo 260 do Código de Processo Penal como do artigo 5.º da Constituição. A condução coercitiva vinha sendo autorizada sem que o conduzido tivesse desrespeitado qualquer intimação prévia e, portanto, se via coagido a depor. Não faltou quem, com certo exagero, mas não sem alguma razão, considerasse esse método semelhante à tortura de presos para obter informações e confissões.
No final do ano passado, o ministro Gilmar Mendes vedou esse procedimento por meio de liminar. Mas os jacobinos da luta contra a corrupção não se deram por vencidos e passaram a explorar então o instrumento da prisão temporária – muito mais gravosa do que a condução coercitiva – para obter depoimentos de suspeitos e de testemunhas. Tudo com aval do ministro Luís Roberto Barroso, que entendeu que essa medida era “imprescindível ao sucesso das investigações”. Por esse raciocínio, tudo o que puder aliviar o trabalho dos investigadores em casos de corrupção será considerado válido pelo Judiciário, mesmo que contrarie frontalmente a Constituição.
A fundamentar essa presunção está a ideia de que o Judiciário deve ser proativo na campanha para capturar os “poderosos” – citados extensivamente em alguns dos votos vencidos no Supremo. Esses ministros parecem entender que a garantia constitucional ao silêncio só vem sendo assegurada aos tais “poderosos”, o que tornaria a Justiça “desigual”. Logo, segundo esse raciocínio, em vez de esforçar-se para estender a garantia constitucional a ricos e pobres, o Judiciário deveria revogá-la completamente, para então tornar a Justiça mais “igual” para todos. No entendimento do ministro Edson Fachin, por exemplo, a votação sobre a condução coercitiva era uma oportunidade “histórica” para “alterar um sistema de Justiça Criminal notadamente injusto”. Já o ministro Luís Roberto Barroso disse que a “velha ordem” tem de ser “empurrada para a margem da história, e é nosso papel empurrá-la”, mesmo que isso provoque “choro e ranger de dentes”.
Felizmente, esse tipo de argumentação foi derrotado, ao menos no caso em questão. A Constituição não pode ser reescrita por quem não recebeu nenhum voto para isso, mesmo que seja movido por inspirações messiânicas e pelas melhores intenções – das quais, como se sabe, o inferno está cheio.
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