Tribunal aprova Tomada de Contas Extraordinária e suspende atos administrativos, sem autorização em lei, que concederam vantagens e gratificações na entidade. Cabe recurso da decisão
Em julgamento que durou mais de três horas e teve sustentação oral de dois advogados de defesa, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) aprovou a Tomada de Contas Extraordinária que apurou ilegalidade de atos praticados pela Defensoria Pública do Estado e julgaram irregulares as contas de 2014 do ente. Segundo os conselheiros, ficou caracterizado o dano ao erário.
Em função disso, a defensora pública-geral, Josiane Fruet Bettini Lupion, terá de devolver os valores pagos aos membros e servidores da Defensoria Pública a título de acréscimos em sua remuneração decorrentes dos reenquadramentos, promoções e adicionais por tempo de serviço considerados ilegais. Além disso, ela recebeu, por quatro vezes, a multa de R$ 1.450,98, totalizando R$ 5.803,92.
Consequentemente, os subsídios dos defensores públicos devem permanecer nas mesmas condições anteriores aos atos normativos, às quais haviam retornado em função da medida cautelar que suspendera os atos.
A Tomada de Contas Extraordinária foi instaurada em função de uma comunicação de irregularidade da 7ª Inspetoria de Controle Externo, que apontou 11 indícios de irregularidade na concessão de vantagens e gratificações aos defensores. Após a instauração de processo pela Presidência, a medida cautelar havia sido emitida pelo relator, conselheiro Durval Amaral, e homologada pelo Tribunal Pleno na sessão de 11 de dezembro do ano passado.
Entre as impropriedades, constaram a fixação irregular de vantagens transitórias por deliberações do Conselho Superior da Defensoria Pública do Paraná e a concessão de promoções por meio de resoluções expedidas pela defensora-pública-geral. Segundo o conselheiro Durval, não havia lei que regulamentasse a aplicabilidade dos benefícios. Portanto, não havia valores ou percentuais a serem observados.
Vantagens transitórias
As vantagens fixadas irregularmente pelo Conselho Superior, sem autorização em lei, são a concessão de auxílio-transporte no valor de R$ 300,00 mensais; indenização de 1/3 do subsídio de defensor público por mês designado; regulamentação de serviço extraordinário de defensor; regulamentação da verba extraordinária de seus servidores, concessão de auxílio-alimentação no valor de R$ 710,00; concessão de gratificação, de até 50% dos vencimentos, por exercício de encargos especiais; e concessão de auxílio pré-escolar, no valor de R$ 555,77.
Segundo o relator, não há autorização em lei para a concessão das vantagens. Cinco delas foram apenas previstas genericamente na Lei Complementar nº 113/11 – Lei Orgânica da Defensoria Pública – e duas na Lei nº 6174/70, mas nessas normas não há regulamentação de valores ou percentuais a serem observados, inviabilizando sua aplicabilidade.
Promoções
A equipe de fiscalização apontou que foram concedidas, sem respaldo legal, as seguintes promoções por meio de resoluções: o enquadramento dos optantes pela nova carreira de defensor público; o reenquadramento dos defensores e promoções sem critérios de merecimento; incorporação dos adicionais por tempo de serviço; e verbas recebidas em caráter indenizatório e não remuneratório.
O relator destacou que não havia critérios para a promoção por merecimento e nem tempo de serviço condizente com os avanços. Segundo ele, ao que parece, não houve estrita observância da legalidade ao se propiciar um verdadeiro salto de carreira, permitindo que defensores públicos recém-admitidos passassem diretamente da primeira para a última categoria da carreira.
Defesa
A defesa alegou que a Defensoria Pública tem autonomia administrativa, funcional, financeira e orçamentária e que tal autonomia não pode configurar-se apenas parcialmente, mas sim em sua completude, tal como já é reconhecido pelas cortes superiores e pelas cortes de controle externo à Magistratura e ao Ministério Público.
Segundo os advogados, não há que se falar em qualquer subordinação ou vinculação das defensorias públicas com outros poderes ou órgãos, pelo que a autoaplicabilidade da norma garante que não apenas a gestão da Defensoria seja realizada de forma independente, mas também a sua organização estrutural seja determinada por ato normativo.
Eles sustentaram que as verbas acessórias referentes ao auxílio transporte, ao auxílio alimentação, à indenização por acumulação de funções e à gratificação por serviço extraordinário dos defensores públicos e dos servidores da Defensoria Pública do Estado do Paraná, bem como a indenização por acumulação de funções, os encargos especiais e o auxílio pré-escolar, estão expressamente previstas na Lei Complementar Estadual nº 136/2011 (Lei Orgânica da Defensoria Pública do Estado do Paraná).
Portanto, segundo afirmam os recorrentes, os Decretos que concederam tais vantagens seriam regulares, pois as matérias seriam plenamente passíveis de regulamentação pelo Conselho Superior da Defensoria Pública, com possibilidade da aplicação subsidiária do Estatuto dos Servidores Públicos do Estado do Paraná.
Quanto às promoções indevidas, eles alegaram que, apesar do tratamento tardio dado pelo Estado do Paraná à Defensoria Pública do Estado, a despeito da publicação da Lei Complementar nº 136/2011, em 19 de maio de 2011, e desde 2014 alçada ao posto de instituição permanente pela aprovação da PEC nº 80/2014, muito antes disso o Estado do Paraná fornecia o serviço de assistência jurídica gratuita à população carente.
Portanto, ficou caracterizada a continuidade dos serviços, tanto que foi dispensada a necessidade de cumprimento dos três anos de estágio probatório para os advogados que já integravam a carreira. Eles também destacaram que a lei dispensou o prazo de interstício previsto para promoção se não houvesse quem preenchesse esse requisito ou se quem o preenchesse recusasse a promoção; e que a mesma legislação também autoriza a abertura de promoção para todo o quantitativo de vagas livres na categoria de destino, sendo promovidos tantos agentes quanto forem as vagas abertas.
Finalmente, os recorrentes alegaram que o legislador fracionou a remuneração do defensor público, estabelecendo, na prática, regime muito próximo ao do vencimento, que autoriza o pagamento de parte da remuneração na forma de adicional por tempo de serviço.
Inconstitucional
Ao fundamentar o seu voto, o relator do processo, conselheiro Durval Amaral, ressaltou que os benefícios foram concedidos sem previsão legal, extrapolando a competência da Defensoria Pública. Ele destacou que o auxílio-transporte não tinha previsão legal; que a concessão de gratificação por acumulação de funções extrapolou o poder regulamentar do ente; que a gratificação por serviço extraordinário não cabe aos defensores públicos; que os encargos especiais de até 50% são exclusivos para servidores que exercem o assessoramento direto do chefe do Executivo; e que o auxílio pré-escolar concedido configurou invasão da competência legislativa.
Durval Amaral destacou que as benesses não decorreram da autonomia, mas da edição de normas ilegais e inconstitucionais. Ele lembrou que a autonomia do ente não impede a atuação do controle externo, que não a contesta, mas sim a forma como ela é exercitada.
Segundo o relator, a pretexto de regulamentar a lei, criaram inúmeras vantagens aos defensores e servidores, com dano ao erário. Os benefícios instituídos sem previsão na lei, criados sem processo legislativo e autorização legislativa.
Em relação às vantagens transitórias, ele propôs a suspensão definitiva dos pagamentos do auxílio-alimentação, auxílio-transporte e serviço extraordinário, mas não determinou a devolução dos valores, pois sua concessão foi decorrente da errônea interpretação da autonomia e houve boa fé, além da presunção de legalidade até a nulidade declarada. Em função do princípio da razoabilidade, ele também não determinou a devolução dos valores referentes ao auxílio pré-escolar.
No entanto, ele determinou a devolução dos valores referentes aos encargos especiais e aos aumentos remuneratórios decorrentes dos reenquadramentos, promoções e adicionais por tempo de serviço, desde a sua percepção, excetuando a restituição da gratificação por acumulação de funções, que foi homologada pelo Conselho, devido à boa fé.
Finalmente, o relator ressaltou que não há equiparação entre o Ministério Público, a Magistratura e a Defensoria Pública, que deve limitar-se às suas competências.
Serviço
Processo nº: 1081449/14
Assunto: Tomada de Contas Extraordinária
Entidade: Defensoria Pública do Estado do Paraná
Interessada: Josiane Fruet Bettini Lupion
Relator: Conselheiro José Durval Mattos do Amaral
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