Editorial, Estadão
Quando uma autoridade de primeiro escalão considera uma indecência ser perguntado por um jornalista sobre um assunto que o incomoda; quando acusa o profissional de atitude preconceituosa e desrespeitosa porque faz perguntas cujas respostas interessam à opinião pública, mas não a ele; quando, depois de responder de bom grado a todas as perguntas que lhe interessavam, proclama que o representante de um órgão da imprensa não tem legitimidade para questioná-lo – uma evidência se impõe: a autoridade está completamente despreparada para o cumprimento de seu ofício.
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), assumirá a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), condição em que estará no comando da fiscalização e do julgamento dos litígios legais do pleito de outubro. Natural, portanto, que os cidadãos estejam interessados em saber o que ele pensa sobre o papel da Justiça Eleitoral num momento certamente decisivo para o País, quando estarão em jogo os mais importantes mandatos executivos e legislativos, inclusive a Presidência da República. Com a intenção de prestar esse serviço jornalístico, o repórter Roldão Arruda entrevistou Dias Toffoli.
O resultado foi totalmente frustrante em termos de conteúdo, diante das platitudes proclamadas, mas ao final o caçula da Suprema Corte confirmou que se filia a uma conhecida corrente do pensamento – digamos assim – político que tem ojeriza pelo dissenso e, quando se sente confrontado, apela para o revide agressivo.
O ministro Toffoli já deveria saber, a esta altura da vida, que numa sociedade democrática a imprensa verdadeiramente livre, descompromissada com os interesses dos donos do poder ou de quem quer que seja, tem não apenas o direito, mas o dever de fazer perguntas que eventualmente os poderosos se sintam embaraçados para responder.
Esse direito e esse dever é que conferem à imprensa livre, a este jornal, a seus repórteres, plena legitimidade para fazer perguntas que o ministro tem medo de responder.
O final do diálogo entre o repórter e o ministro é estarrecedor.
Repórter: “Ministro, o senhor já foi advogado do PT e agora vai presidir o TSE. Há alguma incompatibilidade?”. Toffoli: “Você tem que perguntar isso para o Aécio Neves, o Eduardo Campos e a Marina Silva. Não para mim”. Repórter: “Por quê?”. Toffoli: “Ora, o que está no substrato de sua pergunta é uma indecência. É preconceituosa e desrespeitosa. Você não tem legitimidade para me impugnar, nem a mídia. Vá fazer a pergunta para o Aécio, o Eduardo e a Marina, porque eles têm”.
É difícil entender o que Aécio Neves, Eduardo Campos e Marina Silva têm a ver com o fato de Toffoli ter sido advogado do PT, estar na iminência de assumir a presidência do TSE e a possibilidade de isso resultar em conflito de interesses.
Mas a evocação dos líderes políticos que no momento são os principais adversários do PT certamente pode dizer muito sobre os reflexos condicionados do ministro.
De qualquer modo, pelo menos quando se trata de fugir de incompatibilidades, Toffoli traz consigo alguma experiência, como a que viveu na fase de prejulgamento do mensalão. Incessantemente acossado por jornalistas indecentes, preconceituosos e desrespeitosos que queriam a todo custo saber se ele, por suas notórias ligações com o PT, não se sentia eticamente impedido de participar do julgamento, simplesmente deu as costas a todos e foi fazer o que sua convicção mandava.
Por uma questão de justiça, porém, não se pode deixar de levar em consideração que o ministro Toffoli tenha lá suas razões para se sentir inseguro – e melindrado – com a curiosidade malsã dos jornalistas. Afinal, o dele é um caso raro, de pessoa que foi nomeada para compor a mais alta Corte de Justiça do País depois de ter sido reprovado em concurso para ingresso na Magistratura de primeira instância. Ou seja, deve seu sucesso às notórias amizades.
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