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Dalton vive miséria para escarafunchá-la

2401 beijo na nuca dalton trevisan

da Folha Online

Prestes a completar 90 anos, Dalton Trevisan tem quase 50 livros na bagagem, em geral compostos por contos habitados por maníacos que buscam no sexo uma epifania que apenas aprofunda a condição de pobres diabos.

E isso numa Curitiba que, de tanto ter suas praças cinzentas e seus quartos de pensão esquadrinhados, foi compondo uma espécie de espaço mítico rebaixado, ou que faz do rebaixamento uma forma de criar uma mitologia infernal, escorada na repetição de taras e obsessões dentro de narrativas cada vez mais elípticas.

Em “O Beijo na Nuca”, temos um livro diferente, sem erotismo explícito e no qual Curitiba só aparece de relance.

Os contos continuam curtos, mas comparativamente mais longos do que as cenas microscópicas e os diálogos que compunham coletâneas como “Pico na Veia” (2002), “Arara Bêbada” (2004) ou “O Anão e a Ninfeta” (2011).

E, sobretudo, são contos de caráter bastante imagéticos, de caráter lírico, evocativo.

Os pobres diabos continuam lá, como o suicida do conto “Nicanor”, que mede a vida em cálices de conhaque e citações roubadas, ruminando como um Drummond da sarjeta.

“Ai, vida, ai, vidinha besta, rumo ao banco na sombra, à espera vã de uma epifania.”

E das tais epifanias, agora despidas de obscenidades, só resta a retórica de bolero que havia em “Desgracida” (2010): “No exílio das muitas águas chorei amores perdidos”, escreve em “A Ilha”.

EXPORTAÇÃO

Sabe-se lá se o “vampiro de Curitiba” algum dia abandonou seu tugúrio, onde vive encastelado recusando entrevistas e indiferente a honrarias –como o prêmio Camões, “Nobel da língua portuguesa” que lhe foi atribuído em 2012–, para viajar pela Europa.

O fato é que “O Beijo na Nuca” exporta a provinciana Curitiba para cidades como Roma ou Munique.

Em “Viena”, por exemplo, a metáfora cosmopolita da Belle Époque, a cidade de Sigmund Freud e Gustav Mahler, é reduzida à imagem desoladora de um vetusto parque de diversões, com seu carrossel e seus quiosques por onde uma velha empurra um velho sem pernas na cadeira de rodas.

E, em “Alhambra”, os átrios e serralhos de Granada, recendendo a tâmaras, damascos e nenúfares, são imagens cuja languidez passaria por clichê de revista popular se não percebêssemos, à espreita, o olhar de um autor que contempla, entre sádico e compassivo, os risíveis sonhos de escapar da miséria que ele vive para escarafunchar.

O BEIJO NA NUCA
AUTOR Dalton Trevisan
EDITORA Record
QUANTO R$ 32 (144 págs.)
AVALIAÇÃO bom