Vai ser difícil encontrar o ganhador – ou convencê-lo a tirar foto. Ainda assim, Dalton Trevisan, o recluso escritor curitibano, foi anunciado na manhã desta segunda-feira 21 como o vencedor do Prêmio Camões de 2012, o mais importante da língua portuguesa.
Aos 86 anos, o autor de O Vampiro de Curitiba se junta assim a nomes como Jorge Amado, João Cabral de Melo Neto, José Saramago e Lygia Fagundes Telles como ganhadores do prêmio (com ele, o Brasil chega a nove premiados). O último vencedor havia sido o poeta, cronista dramaturgo e romancista português Manuel António Pina.
Após duas horas de reunião do júri – composto por seis intelectuais, entre os quais os brasileiros Alcir Pécora e Silviano Santiago – a escolha de Trevisan foi decidida de forma unânime.
“Primeiramente, pela contribuição extraordinária de Dalton Trevisan para a arte do conto, em particular para o enriquecimento de uma tradição que vem de Machado de Assis, no Brasil, de Edgar Allan Poe, nos EUA, e de Borges, na Argentina. Dalton Trevisan leva adiante essa tradição notável com uma nota muito pessoal. Também o escolhemos pelo modo como ele trabalha o conto a partir de uma linguagem concisa, direta, chegando a aproximar o conto de um poema em prosa e de um hai-kai”, escreveu Santiago.
O anúncio do vencedor, em Lisboa, foi feito pelo secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas.
Trevisan é autor de livros como Vozes do Retrato – Quinze Histórias de Mentiras e Verdades(1998), O Maníaco do Olho Verde (2008), Violetas e Pavões (2009), Desgracida (2010) e O Anão e a Ninfeta (2011) são algumas das suas obras. O Vampiro de Curitiba (1965) é uma das suas obras mais conhecidas.
Tão reconhecida como sua obra, a reclusão do autor o transforma num dos grandes mistérios da literatura brasileira contemporânea. Daí o apelido de “vampiro”, como o personagem mais famoso de sua obra. Poucos conseguiram fotografá-lo – ainda assim, por meio de flagrantes nas ruas, quase sempre seguidas de reações coléricas do escritor.
Diferentemente de autores da mesma geração, Trevisan se mantém até hoje avesso a palestras, feiras literárias ou entrevistas. Não tem site pessoal nem – como é possível imaginar – perfil em redes sociais.
O (pouco) que se sabe de Trevisan pode ser lido no perfil dedicado a ele na editora Record: é formado em Direito, foi repórter policial e crítico de cinema e fundador da revista Joaquim, que circulou entre 1946 e 1950. É casado desde 1953, tem duas filhas. Gosta de filmes de bangue-bangue e de passear pelas ruas da capital paranaense. Em 1968, escondeu-se no anonimato para vencer um concurso de contos no Paraná. Hoje, seus livros são traduzidos para diversos idiomas -na Hungria, alguns de seus contos inspiraram até mesmo uma série de tevê.
O Prêmio Camões, instituído em 1988 e concedido sem interrupção há 24 anos, foi criado para intensificar e complementar as relações culturais entre Brasil e Portugal e conta com a adesão de outros Estados da Comunidade de Países da Língua Portuguesa (CPLP). O valor do prêmio é de 100 mil euros, pagos conjuntamente e em partes iguais pelos governos de Brasil e Portugal. A Fundação Biblioteca Nacional (FBN), vinculada do Ministério da Cultura (MinC), é a responsável pela parte brasileira do Prêmio, trabalho que inclui a indicação de membros do júri e o pagamento do premiado.
O júri tem mandato de dois anos e é composto por seis pessoas: dois representantes do Brasil, dois de Portugal e dois de outros países onde o português seja a língua oficial.
Confira quem são os jurados e os vencedores do prêmio desde a primeira edição, em 1989.
PERFIL DOS JURADOS:
Abel Barros Baptista: Professor de literatura brasileira na Universidade Nova de Lisboa. É autor de uma série de livros sobre literatura brasileira e portuguesa, como Camilo e a Revolução Camiliana (Lisboa Quetzal, 1988), sobre Camilo Castelo Branco, e Em Nome do Apelo do Nome. Duas Interrogações sobre Machado de Assis (Lisboa, 1991, Prémio de Ensaio do Pen Club de Portugal; Campinas, Unicamp, 2003).
Alcir Pécora: Professor livre-docente do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É autor de Teatro do Sacramento: a unidade teológico-retórico-política nos Sermões de Vieira (Edusp/Editora da Unicamp, 1994), Máquina de gêneros (Edusp, 2001) e As Excelências do governador (Companhia das Letras, 2002), em co-autoria com Stuart Schwartz. É organizador de obras com textos do Padre Antonio Vieira e com outros autores dos séculos XVI e XVII. Também organizou as obras completas de Hilda Hilst e as obras reunidas de Roberto Piva, ambas para a Editora Globo, e colabora para o jornal Folha de S. Paulo e a revista Cult.
Ana Paula Tavares: Poeta e historiadora, nasceu na cidade de Huíla, no sul de Angola, em 1952. É autora de uma série de livros de poesia, como Ritos de passagem (União de Escritores Angolanos, 1985) e outros publicados em Lisboa pela Editorial Caminho, como O lago da lua (1999), Dizes-me coisas amargas como os frutos (2001), obra que recebeu o Prêmio Mário António de Poesia 2004 da Fundação Calouste Gulbenkian, e Ex-Votos (2003). Em 2004, publicou também pela Caminho a coletânea de crônicas A cabeça de Salomé. É autora de ensaios sobre a história de Angola.
João Paulo Borges Coelho: Historiador e escritor moçambicano, é professor associado no Departamento de História da Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo. Estreou na ficção em 2003, com o romance As duas sombras do rio e, em 2005, recebeu o Prêmio José Craveirinha por As visitas do dr. Valdez. Em 2010, publicou O olho de Hertzog, Prêmio Leya de 2009. Seu mais recente livro é Cidade dos espelhos, do ano passado. Moçambique inspira sua ficção.
Rosa Maria Martelo: Professora associada agregada da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde leciona literatura portuguesa moderna e contemporânea e poéticas comparadas. É autora de livros como Estrutura e transposição – Invenção poética e reflexão metapoética na obra de João Cabral de Melo Neto (1990), Vidro do mesmo vidro – Tensões e deslocamentos na poesia portuguesa depois de 1961 (2007), A porta de Duchamp (2009) e A forma informe – Leituras de poesia (2010).
Silviano Santiago: Professor emérito da Universidade Federal Fluminense (UFF), é autor de vasta obra de ensaios e ficção, como Em Liberdade (romance, 1981), Stella Manhattan (romance, 1985), Nas malhas da letra (ensaios, 1989), O cosmopolitismo do pobre (ensaios, 2004), As raízes e o labirinto da América Latina (ensaio, 2006), Heranças (romance, 2008) e Anônimos (contos, 2010). É editor da revista bilíngüe, espanhol/português, Margens/Márgenes e colunista do suplemento Sabático, do jornal O Estado de S. Paulo.
Todos os vencedores do Camões:
1) 1989: Miguel Torga (poeta e romancista português)
2) 1990: João Cabral de Melo Neto (poeta brasileiro)
3) 1991: José Craveirinha (poeta moçambicano)
4) 1992: Vergílio Ferreira (romancista português)
5) 1993: Rachel de Queiroz (romancista brasileira)
6) 1994: Jorge Amado (romancista brasileiro)
7) 1995: José Saramago (romancista português)
8) 1996: Eduardo Lourenço (crítico literário e ensaísta português)
9) 1997: Pepetela (romancista angolano)
10) 1998: Antonio Candido (crítico literário e ensaísta brasileiro)
11) 1999: Sophia de Mello Breyner Andresen (poeta portuguesa)
12) 2000: Autran Dourado (romancista brasileiro)
13) 2001: Eugénio de Andrade (poeta português)
14) 2002: Maria Velho da Costa (romancista portuguesa)
15) 2003: Rubem Fonseca (romancista brasileiro)
16) 2004: Agustina Bessa Luís (romancista portuguesa)
17) 2005: Lygia Fagundes Telles (romancista brasileira)
18) 2006: José Luandino Vieira (escritor angolano; recusou o Prêmio Camões)
19) 2007: António Lobo Antunes (romancista português)
20) 2008: João Ubaldo Ribeiro (romancista brasileiro)
21) 2009: Armênio Vieira (escritor de Cabo Verde)
22) 2010: Ferreira Gullar (poeta brasileiro)
23) 2011: Manuel António Pina (poeta, cronista, dramaturgo e romancista português)
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