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Curitiba discutida a partir do balcão

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Da Gazeta do Povo

À mesa de bar, pode-se tanto planejar um assalto a banco quanto criar ideias para resolver os problemas do mundo. A frase de Arlindo Ventura, o Magrão, resume a importância sociológica do encontro de contrários em um espaço tão democrático quanto seu estabelecimento — o famoso bar O Torto, no São Francisco – pode ser. Herdeiro das cabeças pensantes da Boca Maldita que se espalharam por Curitiba com a explosão demográfica da cidade nas últimas décadas, Magrão acredita que da comunhão de classes sociais surgem as vanguardas. “Em todo lugar do mundo, existem grupos que ditam tendências, que querem mudar, evoluir com o que está errado. E eu consigo persua­dir essas pessoas pela minha transparência”, conta.

VÍDEO: Veja quais são as iniciativas de Arlindo Ventura, o Magrão

De fato, desde que assumiu o ponto do tradicional boteco, Magrão tem se empenhado em deixar sua marca como agitador da região. Foi responsável, por exemplo, pela criação da Quadra Cultural, evento gratuito que chegou à sua quinta edição neste ano e reuniu 6 mil pessoas com o apoio da prefeitura e com o aval de parte dos moradores e comerciantes – embora haja quem resista. O proprietário não gosta de mencionar os responsáveis pela ação ajuizada no Ministério Público pelo fim da Quadra Cultural, assim como não gosta de dar nomes a seus “padrinhos”, ou seja, os interlocutores responsáveis por abrir portas para suas ideias dentro dos gabinetes.

Além de promover a cultura na região, Magrão combate o consumo de crack nas imediações e também a pichação, que ele diz ser parceira da especulação imobiliária. “O pichador não tem a consciência de que foi o pai dele quem construiu essas casas históricas. Aí vem um empresário e compra isso aqui barato, porque está depredado, manda demolir para construir um estacionamento ou um prédio de luxo, e a história além da história, que é o mais importante, acaba.”

E onde Magrão encontra seus “padrinhos”? No próprio bar. Segundo ele, por ali passam advogados, políticos e empresários que usam da própria reputação para apoiar seus projetos. “Eles conhecem meu trabalho, sabem que eu nunca deixo lixo na calçada e apresentam a Quadra como uma oportunidade de evidenciar o trabalho da prefeitura.” Para tentar melhorar essa articulação, ele assumiu, em 2011, a presidência do Conselho de Segurança Comunitária (Conseg) do Centro Histórico. A empreitada, entretanto, não funcionou como queria. “Não conseguimos nos organizar muito bem para reivindicar melhorias. O trabalho não é remunerado, e tem muita gente no conselho que não vai ficar se importando com essa parte da cidade sem receber nada em troca”, comenta.

Ainda assim, acredita que, com a iniciativa certa e as portas abertas, a adesão do público é consequência do trabalho bem feito. “Acho que o gestor público, antes da inteligência e da boa intenção, precisa ter sensibilidade para perceber a vontade das pessoas de mudar as coisas. E, embora eu não seja um gestor público, acredito que eu tenha uma certa sensibilidade”, afirma.

Magrão garante que não pensa em ocupar um cargo público tão cedo, embora não deixe de se lisonjear com a sugestão de amigos e fregueses. “Algumas pessoas insistiram em 2010, em 2012, mas eu estou tranquilo. Não posso dizer que dessa água não beberei, mas não acho que tenha a capacidade técnica para isso. De qualquer forma, o fato de tantas pessoas quererem que eu me candidate reflete uma carência de representação de uma parte da população.” Mesmo garantindo que não lucra com as iniciativas para movimentar a região, Magrão continua bolando planos e driblando obstáculos, organizando sua base aliada em um diretório regional de 50 metros quadrados e mesa de sinuca, onde nunca faltam cerveja nem novas ideias.

Reportagens
Série mostra quem faz política longe dos holofotes públicos

Com o objetivo de mostrar que a política não se restringe à atuação de agentes políticos e muito menos está tomada por gente mal intencionada, a Gazeta do Povo começou na semana passada uma série de quatro reportagens intitulada “Isso é Política”. A segunda delas é publicada hoje. As matérias trazem exemplos de protagonismo social idealizados por pessoas sem relação com cargos públicos, que, munidos de iniciativa e capacidade de articulação, desempenham papéis fundamentais para a melhoria da cidade. Cada reportagem é acompanhada de um vídeo documentário que apresenta o entrevistado e seu trabalho.