A crise política deflagrada após as denúncias contra o presidente Michel Temer pelo empresário Joesley Batista, dono da JBS, pode ameaçar investimentos privados de R$ 60,5 bilhões no setor de infraestrutura este ano. O número é uma projeção da Inter.B Consultoria, que já prevê a suspensão de grandes investimentos por parte das empresas, sobretudo em áreas ligadas a concessões públicas, como aeroportos, portos, energia elétrica e saneamento, entre outros. As informações são da Ag
Somente entre a última quarta-feira, quando o Globo revelou as denúncias, e sexta-feira, investidores estrangeiros já suspenderam negociações que estavam em andamento na área de fusões e aquisições. Segundo Marcelo Gomes, diretor-geral da Alvarez & Marsal, consultoria especializada em gestão de empresas, foram dois adiamentos que somam mais de R$ 2 bilhões entre aportes e investimentos: um na área de energia e concessão de rodovias, e outro no segmento de varejo.
Para o presidente de uma empresa que atua na área de infraestrutura, com a forte oscilação do dólar e do mercado de ações, as equipes estão em reuniões para “reorganizar o orçamento”, traçando cenários de maior instabilidade. No dia seguinte às denúncias, o dólar avançou mais de 8%, na maior alta desde a maxidesvalorização, em 1999.
“As empresas devem suspender grandes investimentos, pois é preciso delimitar o impacto da crise. Os investimentos que poderão ser mais afetados são os atrelados a áreas reguladas, pois dependem do governo para que sejam operacionalizados, como os de infraestrutura. Os investidores vão tirar o pé do acelerador”, diz Cláudio Frischtak, sócio da InterB Consultoria.
Aquisições suspensas
Segundo projeção da InterB Consultoria, dos R$ 60,5 bilhões em investimentos privados previstos para este ano, R$ 30,6 bilhões estão destinados aos transportes, como ferrovias, portos e aeroportos. Energia tem programados R$ 16,1 bilhões, e telecomunicações, outros R$ 11,8 bilhões.
“Investir é uma aposta no futuro. Tem que ter previsibilidade”, destacou Frischtak.
Já Gomes, da Alvarez, teve de aumentar o expediente para atender aos fundos de investimento estrangeiros atrás de respostas sobre o atual momento. Como consequência, lembra que uma empresa, com atuação em concessões e em energia elétrica, suspendeu seu processo de venda, que estava marcado para o dia 29.
“A data de fechamento da operação foi cancelada. Um fundo de investimento dos EUA estava negociando a compra por R$ 1 bilhão e iria investir mais R$ 1 bilhão. Nessa crise, os fundos de investimento são mais reativos à instabilidade. A primeira reação é esperar. O setor mais afetado será o de infraestrutura, como saneamento, aeroporto e rodovia”, diz.
Gomes cita a suspensão do processo de compra de uma empresa brasileira de varejo com atuação nacional por uma americana: “A companhia dos EUA vai esperar de três a quatro meses para ver como vai se comportar o dólar, pois poderá ver o ativo brasileiro ficar mais barato. É um balde de água fria”.
Apesar das incertezas, no setor de petróleo e gás os investidores continuam interessados em participar dos três leilões previstos para este ano, dois no pré-sal e um no pós-sal.
“O apetite continua grande. Realmente acredito que o setor de óleo e gás vai dar o pontapé inicial para a retomada da economia. E vai começar pelos leilões”, afirma Décio Oddone, diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), que manteve encontros com investidores estrangeiros nas duas últimas semanas.
Ele lembra que uma eventual disparada do dólar beneficiará investimentos das petroleiras no país, que gastam em reais. Mesmo em caso de mudança de governo, avalia que os leilões não serão cancelados: “As grandes petroleiras e as mais tradicionais conhecem o Brasil. Sabem que, mesmo em crises pontuais políticas ou econômicas, contratos são respeitados”.
João Carlos De Luca, da De Luca Consultoria e ex-presidente do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), acredita que as empresas não vão perder a oportunidade de acessar os campos do pré-sal: “A notícia assustou. Acredito que pode ter algum dano, que pode preocupar alguma empresa que estaria vindo para cá pela primeira vez. Mas os investimentos são de longo prazo.”
Segundo ele, o que preocupa as empresas de petróleo é a manutenção de regras. O mercado estava aguardando para junho a prorrogação do Repetro, regime tributário que isenta de impostos de importação equipamentos para a indústria. Essa extensão é fundamental para as empresa decidirem sobre investimentos.
Fábio Cubeiros, gerente de Regulação da Safira, comercializadora de energia e consultoria, diz que o setor elétrico vem passando por uma série de ajustes para reverter os problemas:
“Os investidores vão olhar com mais cautela e pode ser que alguma empresa fique em compasso de espera para novos investimentos”.
Impacto do câmbio preocupa empresários
Venilton Tadini, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Base e Infraestrutura, avalia que ainda é cedo para se tomar decisões: “Esperamos que a questão política seja resolvida o mais rapidamente possível”.
Para um executivo de aeroportos, a curto prazo, a tendência é que os investimentos que poderiam se concretizar por meio de leilões sejam adiados. Mas ele lembra que os projetos de infraestrutura são de longo prazo e, por isso, os investidores devem apenas retardar sua vinda ao país. A maior ou menor disposição, diz, vai depender da velocidade com que será definido o destino de Temer:
“O pior é a incerteza”.
Fora da área de infraestrutura, o setor varejista já iniciou negociações com parte da indústria para minimizar os impactos do câmbio nos preços dos produtos, diante da forte oscilação do dólar. Em reunião de emergência na sexta-feira, empresários discutiram formas de reduzir custos operacionais para segurar o repasse de preços ao consumidor.
“A tentativa é estreitar a parceira com a indústria, que se mostra sensível ao momento. Os alimentos são os primeiros a sentir a pressão cambial”, afirma o presidente executivo da Associação de Supermercadistas do Rio de Janeiro (Asserj), Fábio Queiróz.
Outra preocupação do empresariado é com as reformas trabalhista e previdenciária.
“As reformas são emergenciais para que as finanças do país se ajustem e criem um ambiente de negócios favorável, que traga confiança aos investidores”, disse Antonio Carlos Pipponzi, presidente do Instituto de Desenvolvimento do Varejo (IDV), que reúne 70 grandes empresas.
Já a indústria elétrica e eletroeletrônica vê o momento com apreensão, uma vez que opera com ociosidade de 25% a 30%.
“Não há grandes projetos porque nossa capacidade ociosa é alta”, diz Humberto Barbato, presidente da Associação da Indústria Elétrica (Abinee), que só prevê retomada no fim de 2018.
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