Lucelia Lecheta
O Brasil e a Petrobras têm como símbolo o verde das nossas florestas e o amarelo do ouro que escasseou, mas chegou a lastrear nossa história; misturam seus nomes, naturezas, identidades, grandezas. Apresentam-se de um modo que toca nossos sentimentos de orgulho, patriotismo, mesmo a Petrobras não sendo mais uma empresa inteiramente nacional, mas uma sociedade anônima de capital aberto, apenas tendo a União no controle como acionista majoritário.
A crise da Petrobras é nossa também, afeta nossas vidas, merecendo uma leitura demorada porque seus ingredientes estão presentes nas mais importantes instituições que têm como missão promover o desenvolvimento do país; desnudam a lentidão do processo; ressaltam a contradição de sermos uma das dez maiores economias do mundo e ainda termos indicadores humanos de nação subdesenvolvida.
Fundada em 1953, a Petrobras evoluiu rapidamente nas atividades de exploração e produção de petróleo, refino, comercialização, transporte e petroquímica, distribuição de derivados, gás natural, biocombustíveis e outras, tornando-se uma das maiores empresas do mundo no ramo. Só não nos deu a autossuficiência em combustíveis porque não foi auxiliada por uma política de produção de etanol racional e séria.
Ainda é uma potência, maior empresa brasileira; presente nos cinco continentes, em 28 países, com mais de 100 plataformas de produção, 16 refinarias, 30 mil quilômetros de dutos e mais de 6 mil postos de combustíveis. Mas, detalhando e fazendo a leitura de seus números grandiosos, vamos encontrar inconsistências diversas, sinais evidentes de má gestão, falhas contábeis gritantes – problemas que, acumulados, nos últimos anos, causaram perdas enormes, queda no valor das ações, decepcionando milhares de investidores e consumidores. Seu valor de mercado caiu de US$ 124,7 bilhões, no fim de 2012, para US$ 90,6 bilhões em 2013 e sua dívida líquida saltou de R$ 147,8 bilhões para R$ 221,6 bilhões.
Crivada de irregularidades e suspeitas de corrupção, a Petrobras se tornou vergonha nacional; é hoje objeto de inquéritos na Polícia Federal, investigações no Ministério Público, no Tribunal de Contas da União e agora de CPI no Congresso Nacional. A compra da refinaria sucateada de Pasadena, EUA, é apenas o estopim da crise. A transação deixou prejuízo de mais de um bilhão de dólares a seus cofres, sujando a imagem de conhecidos dirigentes públicos, entre os quais a presidente da República e candidata a novo governo, Dilma Rousseff, na época, presidente do Conselho de Administração da empresa, tendo autorizado o negócio, mesmo se baseando em um relatório “técnica e juridicamente falho”, como alega.
A CPI – se efetivamente funcionar – vai apontar as causas da decadência da empresa, mas elas já podem ser adiantadas, apenas detalhando quem fez o quê: ingerência, omissão, incompetência, manipulação contábil, contaminação política, falta de transparência e de ética, negligência e irresponsabilidade… Já sabemos que, além de diretorias ocupadas por apadrinhados políticos, segundo as regras do fisiologismo, a Petrobras tem ajudado a bancar a política econômica do governo de controle artificial da inflação, segurando os preços dos combustíveis, sofrendo prejuízos também por causa das previsões fantásticas do pré-sal que não estão se cumprindo nos prazos anunciados.
Scripts semelhantes dão o tom em muitos órgãos públicos federais, estaduais e municipais, indicando o porquê de os sonhos de muitos brasileiros jamais se realizarem ou demorarem tanto; ou propostas fundamentais não saírem do papel; em geral, só são anunciadas por ocasião de campanhas eleitorais, como veremos nos próximos meses.
Pelos gastos bilionários com obras que não são prioridade, a Copa do Mundo, por exemplo, na forma como foi organizada aqui, tropeça na ausência total de respeito às prioridades do país, que sofre atrasos e deficiências gigantescas em áreas chaves como a educacional, a saúde e a segurança.
Vale repetir: má gestão, ingerência, omissão, incompetência, falta de ética, negligência e irresponsabilidade são as principais razões pelas quais o Brasil ainda não está entre os países mais desenvolvidos do mundo.
É verdade que órgãos públicos não visam lucro, não vão à falência, não entram em concordata, mas se isso fosse possível e os eleitores mantivessem a vigilância e a cobrança como fazem os acionistas da Petrobras, muitos não resistiriam à pressão; fechariam as portas.
Bom seria se essa conclusão tocasse a mente e o coração dos nossos representantes que sairão das próximas eleições.
Lucelia Lecheta é presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Paraná (CRCPR).
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