LUTA POR MORADIA
CPI em Curitiba criminaliza movimentos de sem-teto da cidade
A partir de segunda-feira (19), uma “CPI das Invasões” começa a funcionar na cidade. Líderes dos movimentos por habitação podem sofrer perseguição política, segundo organizações não-governamentais.
SÃO PAULO – A partir da próxima segunda-feira (19), a população pobre de Curitiba que vive em áreas irregulares passa a correr risco de despejo, e os líderes de movimentos por moradia devem sofrer perseguição política. Nesse dia, os vereadores da capital paranaense instalarão uma “CPI das Invasões” na Câmara legislativa, para apurar as ocupações de terrenos urbanos realizadas durante o mês de março.
Proposta pelo vereador Tico Kuzma (PPS-PR), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) tem um prazo prorrogável de três meses para ser executada. A justificativa para a criação da CPI, apresentada aos vereadores, é de apurar se as ocupações são feitas por grupos com “motivos aparentemente levianos”. Em uma nota da Câmara Municipal de Curitiba, Kuzma avalia que muitas “invasões” estão surgindo na cidade, “gerando prejuízos como um todo e com objetivos escusos, que devem ser investigados”.
A ação parlamentar gerou um manifesto, assinado por 40 organizações não-governamentais e entidades sociais, que questionam os despejos forçados em território curitibano. “As famílias despejadas não podem ser responsabilizadas pelas conseqüências das políticas públicas equivocadas, pela concentração da terra urbana nas mãos de poucos proprietários, pelo planejamento tecnocrático e pela omissão dos governantes”, afirma o conteúdo divulgado.
O manifesto está assinado pelo Centro de Justiça Global, pela Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), pela Aliança Internacional dos Habitantes (AIH), pela Coordenação de Movimentos Sociais (CMS) e pela Federação Nacional dos Arquitetos (FNA), dentre outras instituições. O documento cita um exemplo de despejo na capital paranaense, como a retirada de 60 famílias no bairro de Campo Magro, onde viviam de forma irregular. A prefeitura não tem uma solução definitiva para elas.
Segundo dados do IBGE, há cerca de 63 mil domicílios irregulares na região metropolitana de Curitiba. Para as entidades que constam no manifesto, o número atesta o resultado de anos de “falta de políticas habitacionais efetivas [no município] e a ação coordenada do mercado especulativo de terras”.
Perseguição política
O coordenador da organização Terra de Direitos, Leandro Franklin, critica de forma incisiva a CPI das Invasões. “O objetivo é criminalizar as lideranças das ocupações de terrenos em Curitiba”, diz ele, referindo-se ao Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM). Duas coordenadoras deste movimento foram citadas pelos vereadores, em mais de uma ocasião, como responsáveis por ocupações.
Segundo Franklin, a CPI tem prerrogativa legal para entrar com ações no Ministério Público e na Justiça contra líderes dos movimentos sociais. Os vereadores também podem abrir processo contra parlamentares e partidos que tenham ligação com ocupações irregulares e também contra os sem-teto que participem de ações de ocupação.
A Terra de Direitos, organização que também assina o manifesto, acredita que haverá impacto negativo nas políticas habitacionais do município. “Iniciativas de regularização fundiária, de aplicação do Plano Diretor e de cobrança de IPTU progressivo podem ser atrasadas ou mesmo canceladas com esta investigação parlamentar”, diz Franklin.
A vereadora Roseli Isidoro (PT-PR), presidente da Comissão de Urbanismo e Obras Públicas da Câmara, rejeita a partidarização do caso. “A maioria dos vereadores da Casa são alinhados com o prefeito Beto Richa (PSDB-PR), e se opõem ao atual assessor do governo de Roberto Requião para Assuntos de Curitiba, Doático Santos (PMDB-PR)”, relata.
Segundo Roseli, foram distribuídos panfletos apócrifos pela cidade de Curitiba, incentivando ocupações irregulares e atribuídos ao PMDB. “Os vereadores da CPI querem fazer uma caça às bruxas”, diz a parlamentar. “Mas temos que tirar proveito dessa investigação, que poderia ser chapa-branca, para discutir política habitacional no município”.
A vereadora quer exigir que sejam divulgados os números das políticas municipais para habitação, o cadastro dos mutuários da Companhia de Habitação [Cohab] e as propostas de regularização fundiária elaboradas pela prefeitura. “Vamos discutir como serão feitos os investimentos do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) em habitação na cidade, que somam R$ 132 milhões de reais”.
( Rafael Sampaio – www.agenciacartamaior.com.br )
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