O alvo principal do novo livro do sociólogo Jessé Souza é a classe média, mas os partidos, o empresariado e a imprensa também estão na mira do autor potiguar. Doutor em sociologia pela Universidade de Heidelberg, na Alemanha, Jessé acaba de lançar “A Classe Média no Espelho” (Estação Brasil). Para ele, a massa da classe média no país assume posições diversas conforme a conjuntura.
Como havia feito em “A Elite do Atraso” (2017), Jessé critica a ideia da corrupção como um traço cultural do brasileiro. Para o sociólogo, esse pesamento dominante leva ao enfraquecimento das esferas do poder público.
Em entrevista à Folha, Jessé, presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) entre 2015 e 2016 (governo Dilma), não poupou o PT, partido que, para ele, “enfia no próprio ventre a faca do moralismo postiço”.
Herança da escravidão
Já andei por muitos lugares do mundo e nunca vi sociedade tão desigual e perversa como a nossa. É herança da escravidão, que nunca foi percebida e criticada [como deveria]. Eu estava em um restaurante em São Paulo dias atrás e vi um casal achincalhar o garçom, que era excelente. Diziam coisas como: “Se você fosse menos preguiçoso”. Isso é sadismo, vem da escravidão. A dominação não é só econômica, é moral. Invoca essa necessidade de humilhar para criar uma sensação de distinção.
Elite
O que a elite brasileira fez? Primeiro, humilhou o povo para que ele continue sendo assaltado. Como? Dizendo que a corrupção vem de Portugal, desde 1381, como escreveu o [Raymundo] Faoro, o mais influente historiador do Brasil, repetido pela esquerda e pela direita o tempo todo.
Dizer que a corrupção [atual] vem dessa época é idiotice porque o conceito moderno de corrupção pressupõe a invenção de soberania popular, que vem, na prática, da Revolução Americana, em 1776, e da Revolução Francesa, em 1789. E não se pode tratar isso como transmissão de sangue, “biologizando” esse aspecto. Assim, a elite rouba a capacidade de resistência e de reflexão da população.
Esquerda e direita
Nessas eleições de 2018, não se falou sobre quem leva o povo ao empobrecimento, que é essa pequena elite. As isenções fiscais, por exemplo, são absurdas. Nem o candidato de esquerda nas últimas eleições [Fernando Haddad, do PT] articulou nada acerca disso. A esquerda é burra, colonizada pela direita, pelo pensamento conservador, e não consegue criar um discurso de resistência, como ficou comprovado nessas últimas eleições.
USP
O candidato da esquerda [Haddad] teve a pachorra de elogiar a Lava Jato. Ele acredita que o principal problema do país é o patrimonialismo, que a Lava Jato estava efetivamente ajudando e só tinha errado aqui e acolá. Não percebe a Lava Jato como um engodo. Não estou dizendo que ele não seja decente, claro que é. Quero dizer que [essa esquerda] é colonizada por uma ideologia que serve aos interesses de uma elite. Não existe nenhuma teoria com esse grau de abrangência. A USP foi muito responsável por dar prestígio a essa teoria.
Santíssima trindade
Há uma santíssima trindade do liberalismo chique brasileiro. É, na verdade, um liberalismo tosco, formado por Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro e Fernando Henrique Cardoso. FHC foi o professor mais importante da USP. Não à toa, como presidente, ele foi um representante da elite paulistana, de sua fração financeira.
Classe média
O ódio ao pobre [caracteriza parte expressiva da classe média]. Esse ódio é resultado do acordo entre a elite e a classe média. Quando aconteceram golpes de Estado entre nós, com o apoio da classe média, houve o pretexto da corrupção. Basta perguntar se alguém da classe média saiu às ruas quando partidos de elite roubam. Eu nunca vi. Bolsonaro na classe média” Não foi a classe média inteira que o apoiou. Como se pode ver no meu livro,
faço uma divisão. Há nessa classe 70% de conservadores e cerca de 30% que formam parcela mais crítica, que respeita as minorias e tem uma pauta progressista dentro do neoliberalismo.
Corrupção
O que é abordado no Brasil é a corrupção política, de Estado. É claro que ela é recriminável, mas quero chamar atenção para o fato de que o estado do Rio não está na miséria porque o [ex-governador] Sérgio Cabral roubou R$ 280 milhões. Não quero dizer que ele não deveria estar preso e que o que fez não é recriminável.
Acho que a Lava Jato e a TV Globo, ao criminalizarem e estigmatizarem a Petrobras, de quem o estado do Rio inteiro e parte do Brasil dependiam, são as causadoras da debacle. A corrupção política é usada para tornar invisível esse saque feito pelas elites. A corrupção da política é uma gota no oceano quando comparado ao real saque, por meio da sonegação, por exemplo. É isso que deixa o Brasil pobre.
Lava Jato
Se quer acabar com a corrupção, como é que blinda o sistema financeiro? [O ex-ministro Antonio] Palocci propôs denunciar o sistema financeiro para conseguir delação, e a Lava Jato não aceitou.
Brasil sob Bolsonaro
Se houver alguma recuperação econômica, será por parte do capital mais sujo, que irá comprar aqui as coisas a preço de nada. Vem aí um saque neoliberal muito forte. O novo governo significa a subordinação do Brasil a interesses do capitalismo americano. Como os pobres não vão ficar menos pobres, haverá endurecimento ou repressão.
link da matéria
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/12/corrupcao-politica-e-gota-no-oceano-diz-sociologo-jesse-souza.shtml?fbclid=IwAR01PirePmC56qQqqI5kRXpJu3xveNiiZ5n4tEI5c9X7P39FHDIHFEYvUmg
Deixe um comentário